segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Fotos do ataque covarde de Israel à Palestina









Repúdio ao terrorismo do Estado de Israel!

O Comitê Central do PCB vem a público manifestar seu repúdio ao massacre criminoso que está ocorrendo na Faixa de Gaza, promovido pelo Estado sionista de Israel que, sob o pretexto de combater o terrorismo, ataca pessoas indefesas, em sua grande maioria crianças e mulheres palestinas que moram na região, vítimas de bombas jogadas sobre casas, escolas e locais de trabalho. Tecnologias militares modernas são usadas covardemente contra um povo proibido de ter forças armadas convencionais e de obter armamento para se defender.


O governo israelense promove mais uma vez a tática de "ataques preventivos" tão propalada no Governo Bush, aumentando a violência contra o povo palestino que há décadas tem sua nação dividida e usurpada pela partilha imperialista de seu legítimo território e que, no caso da Faixa de Gaza, é palco de privações de todo o tipo, devido ao criminoso embargo promovido pelo governo israelense.


Os ataques ocorridos nesses últimos dias já mataram mais de 300 pessoas e deixaram mais de 1.000 feridos, muitos em estado grave. Parte da região está sem energia elétrica afetando o funcionamento de hospitais.


Pela dimensão do ataque e a generalização inescrupulosa do bombardeio, pode-se garantir que este já é um dos maiores genocídios praticados por armamento de guerra em tão pouco tempo nesse inicio de século. O terrorismo de Estado promovido pelo governo israelense, ao invés de por fim à crise na região, só a aprofunda.


O PCB condena veementemente a carnificina promovida pelo Estado sionista de Israel contra a população palestina e conclama as entidades e organizações populares, democráticas e antiimperialistas a se manifestarem em atos públicos em solidariedade ao povo palestino. Exige também do governo brasileiro que condene com firmeza a infame agressão que, se não for detida imediatamente, pode descambar numa invasão ao território palestino, não com objetivo de ocupação (que já existe na prática), mas de provocar o extermínio desse valoroso povo, que não se curva ao sionismo e ao imperialismo e que merece a mais irrestrita solidariedade dos povos do mundo todo.


Repúdio ao terrorismo do Estado de Israel!

Pela autodeterminação do Povo Palestino!

Pela criação do Estado da Palestina!



Rio de Janeiro, 29 de Dezembro de 2008
PCB- Partido Comunista Brasileiro

Charges...






domingo, 28 de dezembro de 2008

Cessar o massacre de Gaza – Boicotar Israel já! (27/12/08)



por BNC [*]

Hoje, 27/Dezembro/2008,o exército israelense de ocupação cometeu um novo massacre em Gaza, matando e ferindo centenas de civis palestinos, inclusive um número ainda não estabelecido de escolares que retornavam da escala quando começaram os primeiros ataques israelenses. Este último banho de sangue, se bem que mais implacável que os anteriores, não é o primeiro perpetrado perpetrado pelo Estado sionista. Ele coroa meses de um sítio israelense contra Gaza que deveria ser amplamente condenado e sancionado como um acto de genocídio contra 1,5 milhão de palestinos que vivem naquela faixa costeira.

Gaza, 27 décembre 2008 (palestine-info.cc)

Israel parece querer marcar o seu 60º ano de existência da mesma maneira como se instalou – a perpetrar massacres contra o povo palestino. Em 1948, a maioria da população palestina autóctone sofreu uma limpeza étnica sendo expulsa dos seus lares e das suas terras, em parte por massacres como o de Deir Yassin. Hoje, os palestinos de Gaza, cuja maior parte é constituída por refugiados, não tem mesmo a opção de procurar refúgio em outro lado. Aprisionados por trás dos muros de um gueto e acuados à beira da fome pelo sítio, eles são os alvos fáceis dos bombardeamentos cegos de Israel.

O professor Richard Falk, relator especial do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas para os Territórios Palestinos Ocupados e professor emérito de direito internacional na Universidade de Princeton, descreveu nestes termos o cerca israelense de Gaza no ano passado, quando este ainda não era comparável em gravidade à situação actual:
"Será um exagero irresponsável associar o tratamento dos palestinos às práticas de atrocidades colectivas dos nazis? Não creio. Os recentes desenvolvimentos em Gaza são particularmente inquietantes porque exprimem de modo evidente uma intenção deliberada da parte de Israel e dos seus aliados de submeter toda uma comunidade humana a condições da maior crueldade que põem em perigo a sua vida. A sugestão de que este esquema de conduta é um holocausto em vias de ser feito representa um apelo bastante desesperado aos governos do mundo e à opinião pública internacional para que ajam com urgência a fim de impedir que estas tendências actuais ao genocídio não conduzam a uma tragédia colectiva".
O episódio mais brutal desta "tragédia colectiva" é o que vemos hoje

Os crimes de guerra de Israel e outras graves violações do direito internacional em Gaza, assim como no resto dos territórios palestinos ocupados, inclusive Jerusalém, não teriam podido ser cometidos sem a cumplicidade directa ou indirecta dos governos do mundo, em particular dos Estados Unidos, da União Europeia, do Egipto e de outros regimes árabes.

Enquanto o governo dos Estados Unidos sempre apadrinhou, financiou e protegeu da censura internacional as políticas do apartheid e coloniais de Israel contra a população autóctone da Palestina, a União Europeia mostrou-se incapaz no passado de apresentar uma cara de respeito pelo direito internacional e pelos direitos humanos universais. Esta distinção terminou efectivamente a 9 de Dezembro último, quando o Conselho da União Europeia decidiu por unanimidade recompensar o desprezo criminoso de Israel pelo direito internacional com a revalorização do Acordo de associado entre a UE e Israel. Este deduziu claramente, a partir desta decisão, que a UE tolera as suas acções contra os palestinos submetidos à sua ocupação. A sociedade civil palestina recebeu igualmente a mensagem: os governos europeus tornaram-se tão cúmplices dos crimes de guerra de Israel quanto o governo dos EUA.

A grande maioria dos governos do mundo, particularmente no Sul, têm igualmente uma parte da responsabilidade. Continuando como de costume a fazer negócios com Israel, por acordos comerciais, compras de armas, ligações universitárias e culturais, aberturas diplomáticas, ele forneceram a base necessária para a cumplicidade das potências mundiais e, em consequência, à impunidade de Israel. Além disso, a sua inacção na ONU é indesculpável.

O padre Miguel D'Escoto Brockman, presidente da Assembleia Geral da ONU, preconizou num discurso recente diante da Assembleia o único caminho moral a seguir pelas nações do mundo nas suas relações com Israel:
"Há mais de 20 anos, nós, as Nações Unidas, havíamos seguido a via da sociedade civil quando havíamos acordado que eram necessárias sanções para proporcionar meios de pressão não violentos contra a África do Sul a fim de que ela ponha fim às suas violências. Hoje deveríamos considerar seguir a via de uma nova geração da sociedade civil, que apela a uma campanha não violenta semelhante de boicote, de desinvestimento e de sanções para fazer pressão sobre Israel a fim de que ponha um fim às suas violações".
Agora, mais do que nunca, o Comité Nacional Palestino para o Boicote, o Desinvestimento e as Sanções (BNC) apela à sociedade civil internacional a que não se limite a protestar e condenar de diversas maneiras o massacre perpetrado por Israel em Gaza, mas a igualmente associar-se à campanha internacional de Boicote, Desinvestimento e Sanções contra Israel para por fim à sua impunidade e fazê-lo responsável por suas violações sistemáticas do direito internacional e dos direitos dos palestinos. Sem uma pressão sustentada e eficaz exercida pelas pessoas de consciência do mundo inteiro, Israel continuará a perpetrar gradualmente seus actos de genocídio contra os palestinos, enterrando toda perspectiva de uma paz justa no sangue e sob as ruínas de Gaza, Nablus e Jerusalém.

Comité Nacional Palestino para o Boicote, o Desinvestimento e as Sanções (BNC)
[Palestinian Boycott, Divestment and Sanctions National Committee, (BNC)]
Ramalá ocupada, Palestina
27 de Dezembro de 2008.

[*] O Comité Nacional Palestino para o Boicote, o Desinvestimento e as Sanções (BNC) inclui as seguintesorganizações:
Council of National and Islamic Forces in Palestine ; General Union of Palestinian Workers ; Palestinian General Federation of Trade Unions ; Palestinian Non-Governmental Organizations' Network (PNGO) ; Federation of Independent Trade Unions ; Union of Palestinian Charitable Organizations ; Global Palestine Right of Return Coalition ; Occupied Palestine and Golan Heights Advocacy Initiative (OPGAI) ; General Union of Palestinian Women ; Palestinian Farmers Union (PFU) ; Grassroots Palestinian Anti-Apartheid Wall Campaign (STW) ; Palestinian Campaign for the Academic and Cultural Boycott of Israel (PACBI) ; National Committee to Commemorate the Nakba ; Civic Coalition for the Defense of Palestinian Rights in Jerusalem (CCDPRJ) ; Coalition for Jerusalem ; and Palestinian Economic Monitor.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Comunistas protestam em Curitiba (19/12/08)



Linha Verde: não temos nada a comemorar!

Hoje será inaugurada a primeira etapa da Linha Verde. Mas, diferente do que diz a Prefeitura e a TV, a Linha Verde aumentará ainda mais a exclusão social que já existe em Curitiba. A Linha Verde vai aprofundar a separação da "Cidade-Modelo", onde moram os ricos e o Posto de Saúde não tem fila, e da "Cidade-Perdida", onde moram os trabalhadores e faltam vagas nas creches e Postos de Saúde.

Para construir a Linha Verde, a Prefeitura pegou mais de R$200 milhões emprestados de um banco internacional. Além disso, as empresas que se instalarem lá não vão precisar pagar imposto. Ou seja, na Linha Verde o gasto é da Prefeitura, com o dinheiro de todos, e o benefício é só de alguns. Quando a prefeitura faz alguma obra no bairro, ela cobra de todos os moradores uma taxa chamada "contribuição de melhoria". Na Linha Verde, ninguém vai pagar isso.

A Linha Verde significa concentrar ainda mais a riqueza em Curitiba. Ao invés de diminuir as diferenças entre ricos e pobres na cidade, ela vai aumentar mais essa diferença. Assim, a violência e demais problemas sociais só vão aumentar.

Curitiba só pode ser modelo se for de exclusão social. Na nossa cidade, existem 40 mil famílias precisando de moradia enquanto existem 60 mil imóveis vazios. Sem ocupar esses imóveis vazios e/ou aumentar o IPTU deles, fica impossível resolver o problema da falta de moradia.

Mas não é só a prefeitura de Beto Richa que dá dinheiro aos empresários. No Brasil, nos últimos anos, todos os governos tem dado dinheiro público para as empresas ao invés de investirem nos serviços públicos. É por isso que faltam médicos no HC, faltam vagas na universidade pública, há filas no INSS, a fila da Cohab pode chegar a 15 anos e o Posto de Saúde em Curitiba demora muito. Enquanto isso, o governo dá dinheiro para os planos de saúde, privatiza a previdência, não faz diante de imóveis vazios e paga dívida das universidades particulares.

Nos último meses, com a nova "crise econômica", o Governo Lula (PT/PMDB), o Governo Serra (PSDB/DEM) e os bancos já gastaram mais de R$240 bilhões para ajudar as empresas. Mesmo assim, as empresas continuam demitindo trabalhadores.

Não temos nada a comemorar com essa festa de propaganda da Prefeitura. No dia 15 de dezembro, o prefeito já avisou que vai aumentar o IPTU em 6,5%. Prestem atenção: esse aumento afeta principalmente os mais pobres, enquanto deveria ser o contrário! Os ricos é que precisam pagar mais impostos, mas para estes a prefeitura já garantiu maravilhosos benefícios. Na linha verde, no local onde o prefeito pretende instalar grandes corporações multinacionais, o Tecnoparque, já está garantida a isenção total do IPTU, contribuições de melhoria e ITBI. Desse jeito, quem vai pagar a conta são os trabalhadores! E, para nós, os trabalhadores não podem pagar a conta mais uma vez.

É por isso que nos manifestamos e queremos:

- Fim dos repasses de dinheiro público às empresas;

- Fim das isenções fiscais para empresas;

- Mais dinheiro público para a saúde e educação pública;

- Acesso e mobilidade para pedestres e ciclistas na Linha Verde, por passarelas ou semáforos;

- Moradia já para os companheiros da Ocupação Celso Eidt (Fazendinha)

- Implementação do IPTU progressivo;

- Uso dos imóveis vazios para solucionar a fila da Cohab.



Frente de Esquerda Curitiba (PSOL – PCB – PSTU)
Nota pública sobre declarações do Vereador Sr. João Cláudio Derosso (PSDB) e da Prefeitura Municipal de Curitiba


A Frente de Esquerda Curitiba (formada por PSOL, PCB e PSTU) vem a público repudiar a declaração do Sr. João Cláudio Derosso, presidente da Câmara Municipal de Curitiba, e contestar nota oficial da Prefeitura Municipal de Curitiba divulgada em seu site.

Segundo o jornal Gazeta do Povo (edição de 20/12/08, p. 4), o Sr. João Cláudio Derosso afirmou que a manifestação do dia 19/12 durante a inauguração da Linha Verde foi fruto de “um bando de inconseqüentes sem causa, que fazem de uma esquerda vadia”. O Sr. Derosso afirmou ainda que os manifestantes que lá estavam “mereciam apanhar”. A Frente de Esquerda repudia este tipo de afirmação, que nos faz lembrar triste período da história brasileira, quando da promulgação do AI-5, em 1968. Naquele momento, foram proibidos todos os tipos de manifestação de rua e/ou contestação ao regime político de então. Por acaso o Sr. Derosso tem saudades e deseja voltar a este período?

Para nós, “vadios” são aqueles que se encastelam há mais de 20 anos na Câmara de Vereadores sem ter nunca apresentado um projeto de interesse público sequer, aqueles que fazem de um cargo de representação política mais uma profissão. “Vadios” são aqueles que assumem o poder e só tomam medidas que são contrárias aos interesses dos trabalhadores e da maioria da população.

Vale lembrar que é por conta da ação dos movimentos sociais, populares, sindicatos e partidos de esquerda, que o Sr. Derosso chama de “esquerda vadia que merece apanhar”, que hoje a jornada de trabalho é de 8 horas diárias, que as crianças não precisam mais trabalhar, que o sufrágio é universal, que a ditadura militar foi derrotada no Brasil, que existem os serviços públicos, entre outras conquistas.
Não há mesmo isenção de impostos?

A nota divulgada pela Prefeitura Municipal de Curitiba em seu site, segundo a qual não há isenção fiscal na Linha Verde, joga com as palavras e confunde a população sobre a natureza e a caracterização mais pormenorizada da obra. Afinal, a Linha Verde não apresenta apenas o aspecto viário.

Em sua edição de 25/05/08 – que trazia também a notícia de que zoneamento na região da Linha Verde havia sido aprovado pelos vereadores “sem discussão” – a Gazeta do Povo informava que o conjunto de intervenções urbanas e medidas administrativas associadas à Linha Verde inclui, por exemplo, o Setor Especial da BR 116, constituído por “todos os terrenos situados de frente e na extensão da Linha Verde com até 100 metros de profundidade”.

Esse Setor Especial, por sua vez, se divide em pólos, entre os quais se destaca o Pólo Tecnoparque, espaço planejado para concentrar empresas de tecnologia. Segundo informações divulgadas pela Prefeitura e pela imprensa – inclusive esta Gazeta do Povo – as empresas que ali se instalarem “recebem incentivos como a isenção do Imposto sobre a Transmissão Intervivos de Bens Imóveis (ITBI), isenção por dez anos do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e a redução do Imposto Sobre Serviços (ISS) de 5% para 2%”.

Para afirmar que a Linha Verde não inclui isenção de impostos, a Prefeitura talvez esteja insinuando que o Pólo Tecnoparque simplesmente não faz parte do projeto que institui a Linha Verde. Mas isso contraria, não só o bom senso, como a própria propaganda oficial da Prefeitura.

É o caso, por exemplo, da entrevista com o Presidente da Comissão de Valores Imobiliários do Paraná, Júlio César Cattaneo, divulgada pelo site oficial do município, com o título Linha Verde movimenta mercado imobiliário, que apresenta o Tecnoparque como a “menina dos olhos” da Linha Verde. Na ocasião, Cattaneo estimava que os valores dos imóveis próximos à obra já se haviam multiplicados “por quatro”, apenas com a notícia de sua possível execução, ainda em 2004 – que não se dirá hoje.

Outro ingrediente do pacote fiscal é a ausência de Contribuição de Melhoria, mecanismo previsto pela constituição para recuperar valores de grandes obras quando beneficiam excessivamente os mais ricos, demonstra que mais do que a isenção formal, prevista na lei do Tecnoparque e no próprio zoneamento da Linha Verde, a omissão em tributar constitui, por si só, uma falha reprovável, condenável e uma promoção inadequada de isenção e favorecimento às custas do dinheiro público.

A Prefeitura Municipal de Curitiba afirma que o tema da isenção fiscal é puramente técnico. Porém, para nós, ele se transforma num tema político a partir do momento que influencia a vida dos cidadãos. E é na esfera política que interessa a Frente de Esquerda promover esta discussão: afinal, a serviço de quem está esta administração? Para quem foi construída a Linha Verde? Por que é que sobram centenas de milhões para fazer esta obra viária, que beneficia poucos, enquanto os problemas na cidade se multiplicam?

Por uma UNE combativa e alinhada com os interesses nacional-populares!


Não queremos criar uma nova organização nacional dos estudantes. Queremos que a UNE volte a ser combativa e não fique andando a reboque do governo neoliberal de Lula tal como vem fazendo.




E A UNE?

Entidades repudiam violência policial durante ato contra 10ª Rodada de Leilão do Petróleo

"E a UNE?

UNE, onde estás que não respondes? Porque não se manifesta? Porque não se posiciona? Onde está aquela belíssima atuação em favor das grandes causas nacionais, inclusive na campanha "o petróleo é nosso"?
Numa época em que o petróleo era apenas um sonho a UNE ajudou as entidades civis e militares empreenderem a maior campanha cívica deste país. E agora que o petróleo é uma realidade, que superou todas as expectativas, a UNE se cala porque, aparelhada vê um lider do seu partido se transformar em lobista do sistema financeiro internacional. Seria isto?
Tenhamos um Natal de Paz e de harmonia. Que 2009 traga um pouco mais de lucidez às pessoas bem intencionadas deste nosso rico e grandioso país.
Grande abraço, companheiros."
Fernando Siqueira (*)

(*) Diretor da AEPET - Associação dos Engenheiros da Petrobrás

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

A luta do povo da Grécia




Os Editores (odiario.info) - 12.12.08


A maior greve geral da história da Grécia paralisou na quarta-feira aquele país. Os acontecimentos ali ocorridos nos últimos dias transcendem o quadro local. Os grandes media internacionais tentam minimizar o significado das gigantescas manifestações de Atenas confundindo o movimento popular de protesto com a explosão de violência anárquica desencadeada por grupos de jovens após o assassínio pela polícia de um estudante.

Mas a manipulação desinformativa não pode ocultar os factos.

A greve fora prevista com larga antecedência e a resposta maciça do povo ao apelo das centrais sindicais e do Partido Comunista expressou-se em exigências concretas.

O povo grego condenou nas ruas a ofensiva contra o serviço de saúde e a criação de universidades privadas (proibidas pela lei), exigiu salários dignos para os trabalhadores, o encerramento das bases norte-americanas, a revogação das leis que restringem liberdades e penalizam o trabalho, e a ruptura com Schengen, condenou a fascização das polícias e dos serviços secretos, a militarização da União Europeia e a vassalagem perante os EUA.
Manifestação na Grécia
As manifestações de Atenas e noutras cidades gregas são uma outra manifestação da crise económica e social que atinge presentemente toda a humanidade.

A onda de violência não é apoiada pelos Sindicatos nem pelo Partido Comunista, mas surgiu em resposta (compreensível) à politica reaccionária do governo de Kosta Karamanlis que, alinhando com outros da União Europeia, acode com milhares de milhões de euros aos banqueiros responsáveis enquanto desencadeia a repressão contra os trabalhadores

A Grécia é nestes dias uma vitrina dramática da crise mundial. O seu povo, assumindo-se como sujeito, confirma com o seu exemplo, que é pelos caminhos da luta de massas e não através dos parlamentos controlados pelos partidos das classes dominantes que o capitalismo estremece, recua e pode ser derrotado.

No apelo à mobilização que dirigiu aos trabalhadores na ante-véspera da greve, Aleka Papariga, secretária-geral do Partido Comunista da Grécia, afirmou «sabemos como lutar em cada fase e pela via que seja mais adequada em cada momento. É por termos essa experiência que apoiamos toda a forma de luta que acelere, dinamize e dê força política ao movimento».

Na Grécia estavam reunidas condições objectivas e subjectivas para que o povo desafiasse o Poder da burguesia nas ruas e numa greve geral que paralisou totalmente o país.

O que semanas atrás parecia inatingível é hoje, segundo dirigentes da União Europeia, uma situação previsível. Pela força do povo, o governo de Kosta Karamanlis pode cair de um dia para outro.

EDITORES DE ODIÁRIO.INFO





Discurso da secretária-geral do Partido Comunista da Grécia
Papariga apela à mobilização do povo contra o governo

Aleka Papariga

Publicamos hoje o discurso de Aleka Papariga, secretária–geral do Partido Comunista da Grécia, no comício realizado em Atenas no passado dia 8 de Dezembro.

Aleka Papariga* - 12.12.08

Queridos Camaradas

Ontem, sem nos deixarmos levar pelas paixões mas conscientes e com emoção, ira e indignação, decidimos fazer este protesto militante, devido ao facto de um estudante, sentado na praça, ter sido assinado por um polícia. A resposta deve ser massiva, política e organizada. A morte de Alexandros Grigoropoulos é um assassínio, e não é um caso isolado nem acidental. É a crónica de uma morte anunciada pela violência e a repressão estatais, que reconhece o povo como inimigo quando este exige os seus direitos, e odeia a greve, a manifestação, a ocupação ou qualquer forma de luta.

O protagonista deste comício é Alexandros, que infelizmente apenas conhecemos no momento da sua morte. Mas esta manifestação também é dedicada a todos os gregos e imigrantes, trabalhadores, às vítimas da exploração e da guerra, que têm enfrentado a chantagem e a intimidação. Esta manifestação também é dedicada aos estudantes, liceais e universitários, que são perseguidos por que exigem uma educação pública e gratuita, por que enfrentam a ameaça dos tribunais e da procuradoria que pedem aos seus pais e professores que os espiem e denunciem. Também a dedicamos aos refugiados perseguidos pela violência política e a intervenção militar nos seus países, a todos os refugiados e outros prisioneiros que enfrentaram fisicamente o martírio provocado pelos oficiais da polícia.

Dedicamos esta manifestação às vítimas da arbitrariedade dos patrões e aos trabalhadores falecidos em acidentes de trabalho. Os acidentes de trabalho também são um assassínio.

Dedicamos a nossa luta a todos os imigrantes paquistaneses que se converteram em vítimas do mais selvagem sequestro, não por dinheiro mas por pressão política e intimidação.

Todos os trabalhadores, pequenos comerciantes e camponeses pobres devem unir-se ao protesto, mas também tomar posição clara de que têm direito à greve, direito a ocupar, direito a qualquer tipo de luta massiva que se decida. Todos são necessários, mais que nunca agora que se prepara um feroz ataque contra os mais populares direitos às condições de vida, educação e saúde. Não se pode pactuar, não se pode dialogar com os que são responsáveis por estas medidas e preparam novos projectos impopulares. Não há perdão para os que governaram ontem, e hoje vertem «lágrimas de crocodilo».

Escandaliza-nos que o PASOK [Partido Socialista Grego] e a Nova Democracia [Partido da direita, hoje no Poder, em alternância com o PASOK] tentem responsabilizar-se mutuamente pelas mortes violentas. Não importa se quando governava o PASOK houve mais uma ou duas mortes que agora com a Nova Democracia no governo. O que importa é que utilizam a violência, as práticas legislativas e a chantagem para golpear o movimento popular organizado e o lutador espontâneo.

Quando há violência sobre o lutador, é certo que esta afectará também todos os que não estão interessados na política. A violência não tem limites, tal como a morte não é acidental.

Agora devemos unir as nossas vozes para que as leis que os governos do PASOK e da Nova Democracia (ND) aprovaram sejam abolidas na teoria e na prática:

• As leis antiterroristas da UE.

• A legislação do governo do PASOK sobre o uso de armas pela polícia que dá poder e margem a uma má utilização.

• A ampliação dos poderes dos Serviços Secretos Nacionais pelo governo da Nova Democracia em 2005.

• O estabelecimento de sistemas de monitorização e câmaras, implementados tanto pelo PASOK como pela Nova Democracia.

• A implicação gradual das Forças Armadas em questões da ordem interna.

• Os acordos com a UE e os EUA.

• A promoção da lei de limitação das manifestações da responsabilidade do PASOK.

• O Tratado de Schengen.

• A utilização da repressão pela polícia municipal, inclusive com cães, de acordo com o último projecto de lei.


Queridos camaradas e Amigos

Ouvimos ontem controversos comentários de vários jornalistas e diversas personalidades políticas. Perante a violência cega dos que vão encapuçados acabam de ver a ira do povo; perdoando todas as acções e ajudando o governo e todo o tipo de governo antipopular a promover e aplicar as suas próprias leis repressivas, bem como as da UE, contra o seu próprio povo, a criar novos corpos repressivos do Estado, legal ou ilegalmente. Ao mesmo tempo tentam manter-se próximos dos lojistas que viram as suas lojas destruídas. Todos estes jornalistas e personagens políticos aparecem a apoiar ambas as partes.

Muitos deles elogiam as denominadas forças «antipoder». Perguntamos-lhes directamente se a viúva dum trabalhador assassinado num acidente de trabalho deitar o fogo à casa do empresário responsável, o que dirão? Apresentá-la-ão como heroína ou gritarão que não tem o direito de fazer justiça pelas suas mãos, que há uma legislação e um estado de direito e tudo o mais?

Se os filhos dos trabalhadores que perderam as suas vidas em acidentes de trabalho queimassem as fábricas e as propriedades dos patrões, justificavam-nos? Naturalmente que não.

Chamemos as coisas pelos nomes. O núcleo das chamadas forças «antipoder» é heterogéneo, espontâneo, e está pronto para difamar a luta e o movimento organizado, para aparecer como um substituto simples da luta de classes. Todas estas forças «antipoder» são inofensivas para os que estão interessados em que poder político continue como está, mudando apenas, em certos períodos, o seu rosto aparência político.

O KKE [Partido Comunista da Grécia] tem uma longa história e forjou-se em todas as formas de luta e na luta de cara aberta, naturalmente sem apoio do status quo e sem qualquer tipo de imunidade prévia. Sabemos como lutar em cada fase e pela via que se mostrar adequada em cada momento.

É por termos esta experiência que apoiamos toda a forma de luta que acelere, dinamize e dê força política ao movimento. Condenamos a Nova Democracia e o PASOK porque cultivam e organizam a violência estatal. Porque fazem como se não vissem que há mecanismos que legitimam a violência contra o povo, que ocultam as dolorosas situações como as daqueles que vivem há muitos anos com as denominadas forças «bem conhecidas-desconhecidas», só para terem pretextos e argumentos.

As forças «bem conhecidas-desconhecidas» tentam perverter o espontaneísmo puro da juventude, o espírito de vingança pela injustiça que esta sente, lançando-a na direcção oposta do que seria correcto e benéfico. Deixem aos jovens, que transbordam dinamismo criado pelo ódio à injustiça, pensar que práticas como a de queimar bancos se tomam por algum tipo de vingança contra os banqueiros e o capital financeiro. Deixem a juventude que quer castigar os culpados considerar que realmente os prejudicam quando queimam carros e lojas de pessoas inocentes.

Sabemos muito bem que muitos destes jovens amadureceram e pensaram com calma. Apontaram contra quem devem, por qualquer meio e sem pena alguma, contra os culpados.

Mas deixemos que todos os que apoiam a integração europeia também pensem seriamente, os que se levantam e dormem com o sonho das urnas, quanto e como estão a contribuir para um efectivo movimento com verborreia antipoder nas pequeno-burguesas «forças antipoder».

Queridos camaradas e amigos

Estes dias poderão dar-nos a oportunidade de uma reconstrução responsável do movimento, agora, antes que seja relativamente pequeno ou demasiado tarde.

O movimento popular significa que cada centro de trabalho, cada escola, cada classe, vizinho, quinta ou pequenas lojas de rua se converta numa fortaleza para a acção. Um movimento baseado na orientação de classe, adequando a sua organização a cada sector da economia, um por todos e todos por um. Um movimento na generalidade não emancipado do poder, mas concretamente emancipado do poder dos monopólios e dos compromissos imperialistas.

Ninguém pode perder-se nem ausentar-se das grandes manifestações de amanhã para uma vitoriosa greve a 100% na próxima quarta-feira.

Teremos lutas amanhã e nos dias seguintes…


* Secretária-Geral do Partido Comunista da Grécia

Este discurso foi pronunciado num grande comício do PCG, no passado dia 8 de Dezembro, evocando o assassínio do jovem Alexandros Grigoropoulos

Título da responsabilidade de odiario.info

Tradução de José Paulo Gascão a partir do texto em espanhol.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Contra a demissão do Brandão!

Acesse: http://contraademissaodebrandao.blogspot.com/

Primeiro levaram os comunistas,

Mas eu não me importei

Porque não era nada comigo.


Em seguida levaram alguns operários,

Mas a mim não me afetou

Porque eu não sou operário.


Depois prenderam os sindicalistas,

Mas eu não me incomodei

Porque nunca fui sindicalista.


Logo a seguir chegou a vez

De alguns padres, mas como

Nunca fui religioso, também não liguei.


Agora levaram-me a mim

E quando percebi,

Já era tarde.


Bertolt Brecht – A Indiferença




Uma demissão que fere a democracia

A reitora da USP, Suely Vilela, demite diretor do Sindicato dos Trabalhadores da Universidade. Uma ilegalidade no mínimo.

Gabriela Laurentiis e Rui Tresso

Chega o fim do ano. Na Universidade de São Paulo, USP, poucos estudantes podem ser vistos. Nesse momento a reitora Suely Vilela anuncia a demissão de Claudionor Brandão, funcionário da universidade há 21 anos, diretor do Sindicato dos Trabalhadores da USP, Sintusp, e representante dos trabalhadores no Conselho Universitário.

Em 21 de setembro de 1987 Brandão começou a trabalhar na USP como técnico de refrigeração e ar condicionado. Menos de um ano depois, em 20 de agosto de 1988, se envolveu com a luta pela defesa dos direitos dos trabalhadores. Brandão explica que “foi durante a preparação de uma greve na universidade”.

No documento divulgado pelo Sintusp, os trabalhadores explicam que ‘’é natural que a demissão ocorra no mês de dezembro, já que é o mês de férias”, e se revoltam:
“Isso nos remete aos piores momentos da ditadura militar.”

O professor Ruy Braga, do departamento de história, afirma que “a demissão representa um claro ataque ao movimento sindical brasileiro”.

Claudionor Brandão tem grande importância para a universidade, Ruy Braga diz que “ele é uma das mais destacadas lideranças sindicais da USP”. Brandão merece o respeito e a confiança de funcionários, professores e estudantes.

Exatamente por seu prestigio e sua grande atuação, Brandão se tornou uma figura “perigosa” para a universidade, e no dia 9 de dezembro foi informado de sua demissão. A acusação principal é que teria participado de uma “invasão” da biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP durante a greve de 2005.

O que a reitoria classificou como invasão o funcionário entende como “um ato legitimo”. No qual ele, junto com outros trabalhadores da USP, entrou na biblioteca da FAU, para conversar com os funcionários e convocar para a greve.

Brandão explica que “o diretor da faculdade acusou ele e os outros funcionários de colocar em risco os trabalhadores e o acervo da biblioteca”.

Ruy Braga se revolta:
“Na verdade trata-se de uma política que busca criminalizar os movimentos sociais. Essa política, anti-sindical e antidemocrática, foi muito adotada durante o governo de FHC, e agora foi retomada por Serra.”

Flavia Vale, estudante do curso de ciências, diz que “a demissão é um ataque à categoria de trabalhadores da USP e seu sindicato”.

Claudionor Brandão luta desde 1988 pela construção de uma universidade pública, gratuita e de qualidade no Brasil. A partir de 9 de dezembro estudantes, trabalhadores e intelectuais vêm se posicionando contra a demissão de Brandão e organizando campanhas pela readmissão imediata. Como a assembléia realizada pelo Sintusp, dia 10, na qual os trabalhadores votaram paralisação na terceira-feira, 16 de dezembro, e um abaixo-assinado que já conta com apoio de pessoas por todo o país e no exterior. Entre eles estão os professores Franklin Leopoldo e Silva, da faculdade de Filosofia da USP; Ricardo Antunes, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp; e Régis Michel, conservador-chefe do Departamento de Artes Gráficas do Museu Louvre na França. Também assinaram organizações internacionais como o Sindicato de los Trabajadores de Luz y Fuerza de La Paz (Bolívia) e Asociación de Profesores Universitarios del Hospital Larcade de San Miguel (Argentina).

A assessora de imprensa da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, logo após a demissão, ligou para o sindicato e informou que o ministro Paulo Vannucchi se diz “preocupado com a situação e pediu para ser informado de todos os fatos”.
Como diz Brandão “a demissão não é um ataque individual e sim, uma tentativa por parte da reitoria de neutralizar as movimentações na universidade”.

A reitoria passa um recado para funcionários, estudantes e professores: não serão aceitas medidas que abalem a “paz” e a “normalidade” da universidade. “A demissão de Brandão, por motivos políticos, fere os direitos democráticos da livre manifestação sindical”, diz a estudante Flavia Vale.


http://carosamigos.terra.com.br/

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Grécia: revolta popular e desobediência civil




Dezembro 10, 2008.

Estimados camaradas,

Algumas informações sobre o desenvolvimento dos acontecimentos na Grécia:

Atividades do Partido Comunista da Grécia (KKE) e Juventude Comunista da Grécia (KNE)

Desde o primeiro momento KKE e KNE se pronunciaram condenando o assassinato do menor (de 15 anos) pela polícia, e destacando as enormes responsabilidades políticas do governo do ND's e assinalando que as medidas e atitudes anti-democráticas e autoritárias, a repressão estatal, são o complemento natural da política que promove golpe após golpe para os direitos trabalhistas e sociais dos trabalhadores e da juventude.

A delegação do KKE deslocou-se à sede central da polícia em Atenas no domingo e apresentou um protesto contra a morte do jovem rapaz, cujo funeral terá lugar hoje, às 3 à tarde.

Ontem, 8 de dezembro, o KKE realizou uma série de protestos e manifestações nas principais cidades da Grécia contra a repressão estatal. Em Atenas, a Secretária Geral do CC (KKE) Aleka Papariga, liderou um enorme comício no centro da cidade. Ela frisou que os eventos que levaram ao assassinato do menino são uma "Crônica de uma Morte Anunciada", por uma política que considera o povo como o inimigo, por uma política que detesta a greve, a manifestação, a luta.

Além disso, os deputados do KKE apresentaram uma interpelação parlamentar ao Governo sobre o caso.

Ao mesmo tempo, o KKE tem chamado também os sindicatos e outras organizações de massa populares da juventude para organizar as suas próprias ações massivas de protesto, sublinhando que a repressão e o autoritarismo estatal atacam primeiro e principalmente os trabalhadores e os movimentos populares.

Desde a manhã de segunda-feira, 8 de dezembro, todas as faculdades estão fechadas por iniciativa da KNE.

As coordenação de estudantes ao redor de Atenas decidiram fechar todas as escolas de 8 a 10 de dezembro e tendo chamado para uma manifestação no dia 9 de dezembro, em Atenas, enquanto se fortalecem localmente protestos de estudantes ganham espaço em todo o país.

Também hoje 9 de dezembro, 24 horas, greves foram declaradas pelos professores do ensino secundário e superior, enquanto os funcionários públicos irão realizar paralisação dos trabalhos após 12 hs., pelo funeral do menino assassinado.

Professores do ensino superior estão cogitando uma parada de 24 horas de terça-feira indicando seu luto pela perda do menino Alexis. Kindergarten. A Federação dos Professores debate uma greve. O funeral do menino assassinado será às 15:00 no cemitério Faliron.

Para quarta-feira, 10 de dezembro, a greve geral que tinha sido anunciada por pensões, salários, contra as demissões, pelo direito à educação e os cuidados de saúde, será definitivamente ligada aos acontecimentos.

Sobre os motins

Ao mesmo tempo, o KKE salientou aquela que é a necessidade de hoje, a condenação política do governo, de toda a rede de mecanismos de intimidação e repressão estatal, incluindo os invisíveis. A resposta ao autoritarismo estatal é a luta organizada dentro de um movimento de massas, ordenado para o fim de garantir que as verdadeiras causas não sejam ocultadas.

Os contínuos, organizados e coordenados motins que assistimos paralelamente às enormes mobilizações e protestos têm pouco a ver com a espontânea expressão de raiva e ira, e cada vez mais e mais assumem a forma de abertas provocações contra a crescente onda de protestos. Em qualquer caso, a forma de reagir não reside em motins de retaliação. Pelo contrário, tais eventos são bastante cômodos para aqueles que querem impor o medo e intimidação para o povo, que estão tentando impedir o surgimento de um poderoso movimento de massas organizado e que será capaz de fazer esquecer não só o ND e quaisquer outros governos anti-populares, e preparar o caminho para uma mudança real no nível do poder em favor do povo. Eles serão usados como uma desculpa para a maior intensificação das medidas anti-democráticas e repressivas medidas e atitudes.

O contexto político

Os eventos encontram a Grécia num momento em que a agitação popular foi crescendo, e a posição do governo ND era já de completa dificuldade. As recentemente anunciadas "medidas de crise" em favor dos monopólios, das reivindicações dos industriais para maiores reversões de direitos trabalhistas e sociais - sequer falou do trabalho semanal de 4 dias! -, O orçamento do Estado, os escândalos, a subida dos pedágios, das demissões já acumularam uma insatisfação. Ao mesmo tempo centros do establishment fazem esforços concretos no sentido de rejuvenescer o sistema do bipartidarismo, alteração que foi afrouxando a confiabilidade diante dos olhos dos setores populares. Na opinião do KKE, a tarefa mais urgente é a aceleração do movimento de massas, ação organizada dos trabalhadores e do movimento popular. Só este pode oferecer uma resposta adequada às política anti-populares e às medidas repressivas, pode descobrir e isolar manobras, provocações e planos para apanhar em armadilha o radicalismo emergente, e ao mesmo tempo, pavimentar um caminho para desdobramentos positivos para o povo.

Info pela Seção Internacional

Traduzido por Dario da Silva.

ORIGINAL: http://inter.kke.gr/News/2008news/2008-information/

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

A vida nos acampamentos das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia)




por Néstor Kohan/ CCB Argentina

Entrevista ao historiador Ezequiel Rodríguez Labriego

Um dos principais feitos da fabricação industrial do consenso consiste no cancelamento a priori de toda dissidência radical. Trata-se de eliminar de antemão qualquer pensamento crítico e até a menor possibilidade de oposição séria ao sistema.

Mesclando em uma mesma colagem as imagens mais obscuras das novelas anti-utópicas clássicas (Um mondo feliz de Aldous Huxley, 1984 de Goerge Orwell ou Fahrenheit 451 de Ray Bradbury) com as histórias mais truculentas de terror infantil, as usinas comunicacionais do imperialismo têm fabricado um novo fantasma, macabro, tenebroso e ameaçador. Trata-se do suposto “narco-terrorismo”, que ocupou o lugar do antigo espantalho conhecido como “conspiração comunista”, típico do cinema da guerra fria.

Assim foi fabricado um novo demônio, completamente amorfo, onipresente, incomensurável, impensável e, inclusive, inimaginável.

Esse novo Lúcifes é o que persegue a caça às bruxas contemporânea, esporte preferido do neo-macartismo, pois assume diversos nomes e rostos, segundo a conveniência do momento. Um dos mais célebres é o das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo (FARC-EP), inimigo mortífero em todas as hipóteses de conflito que manejam os yankees.

Por trás das telas desinformativas do poder, além do labirinto de manipulação dos cabos, agências e comunicados oficiais, do outro lado das operações da guerra psicológica, campanhas midiáticas e totalitarismo cultural, como serão realmente as FARC-EP? Que rosto terão na intimidade estes guerrilheiros sem documento, sem rastro e sem nome? Que costumes têm em sua vida cotidiana? O que sonham a cada noite, cada manhã, cada aniversário e cada dia 31 de dezembro?

Para imaginar a vida das guerrilhas, contamos com aqueles relatos épicos do Che Guevara (Passagens da guerra revolucionária), de Omar Cabezas (A montanha é algo mais que uma imensa estepe verde) ou o já clássico de Jorge Ricardo Masetti (Os que lutam e os que choram). Trata-se de histórias, em todos esses casos, sobre Cuba e Nicarágua. Não obstante, até onde sabemos, excetuando duas excelentes biografias de Manuel Marulanda escritas pelo historiador Arturo Alape (As vidas de Pedro Antonio Marin, Os sonhos e as montanhas) e os diários de campanha de Jacobo Arenas e Manuel Marulanda (que são ilustrativos do início da insurgência), a revolução colombiana não possui relatos que mostrem o mundo cotidiano da insurgência. As FARC esperam essas histórias, tarefa que começou a ser realizada no cinema pelo recente filme Guerrillera Girl (do diretor norueguês Frank Piasecki Poulsen, disponível na internet). Excelente documentário que dá um rosto cotidiano ao espectro itinerante e clandestino da guerrilha. Fantasma temido, odiado ou admirado, mas sempre desconhecido.

O historiador uruguaio Ezequiel Rodrígues Labriego teve, este ano, o privilégio de conhecer ao vivo e diretamente a vida cotidiana das guerrilhas colombianas, o suposto “monstro”, segundo o imaginário inquisitório do Pentágono, a CNN, Uribe e a extrema direita troglodita.

Junto a um sacerdote francês, dois sociólogos italianos e uma jornalista norte-americana, Rodríguez Labriego visitou nas montanhas da Colômbia os acampamentos das FARC. Ali pôde observar, dialogar e conviver com os combatentes deste exército do povo que, em pleno século XXI segue incomodando o imperialismo yankee e suas prepotentes bases militares com as bandeiras intrínsecas de Simón Bolívar, Che Guevara e Manuel Marulanda.

Em seguida reproduzimos parte da entrevista que fizemos a Rodríguez Labriego, focalizando o interesse nos aspectos mais cotidianos de sua experiência, aqueles que humanizam a todos e todas combatentes comunistas, os resgatam do retrato gótico e monstruoso que a CIA debulhou para demonizá-los, devolvendo-os ao simples, porém belo, terreno da construção do homem novo e a mulher nova do século XXI.

A entrevista ao historiador uruguaio, que muito amavelmente respondeu a nossas perguntas, foi realizada na Universidade do Rio de Janeiro em 28 de outubro de 2008, ocasião em que tivemos a honra de conhecer e dialogar com a historiadora brasileira Anita Prestes, filha de outro legendário combatente revolucionário da América Latina, Luis Carlos Prestes.

Néstor Kohan: Por que decidiu ir conhecer as FARC-EP?

Ezequiel Rodrígues Labriego: Por múltiplas razões, mas principalmente por duas. Em primeiro lugar, por uma curiosidade que me surgiu ao ler o livro Rebeldes do célebre historiador marxista britânico Eric Hobsbawm, que analisa diversas rebeldias camponesas e disse, referindo-se às FARC (Hobsbawm as conheceu em primeira mão), que o caso colombiano constitui “a maior mobilização camponesa do hemisfério ocidental”. Em segundo lugar, porque me surpreende, me incomoda e me indigna o brutal silêncio –muitas vezes próximo à cumplicidade com o poder- que hoje rodeia e encobre a Colômbia. Então me pergunto: devemos dar crédito de veracidade ao terrorista e guerreirista Uribe? Vamos acreditar nele? Vamos calar a boca sobre o genocídio que hoje padece o povo colombiano? Por estas razões, algumas históricas, outras presentes, queria conhecer de forma direta as FARC, sem “filtros” macartistas. Por isso fui. Lhe asseguro que não me arrependo.

Néstor Kohan: Como viajou até os acampamentos?

Ezequiel Rodrígues Labriego: Bom, através de uma longa travessia. Não é fácil chegar. Vários dias de ônibus, caminhão, camionete, lombo de mula, muitos penhascos, encostas íngremes, vales agressivos, travessias de riachos e finalmente caminhadas na montanha, no barro e debaixo de chuva, enquanto os combatentes que nos guiavam iam contando histórias sobre a luta de Simón Bolívar. Era realmente emocionante sentir que Bolívar nos acompanhava, que não era uma figura meramente decorativa ou um frio objeto de estudo, como acontece na Academia quando se estuda a história da América Latina.

Néstor Kohan: Que imagem esses jovens guerrilheiros tinham de Bolívar?

Ezequiel Rodrígues Labriego: Tive a impressão que eles, os jovens das FARC, sentia Bolívar como mais um de seus companheiros, como maus um de seus próprios combatentes. Eles imaginavam, por exemplo, que Bolívar, apesar de aparecer em todas as estátuas das praças esculpido ou retratado a cavalo e com um gesto napoleônico, de conquistador, na realidade andaria de mula, já que nessas montanhas onde lutou o Libertador, o cavalo mal consegue marchar enquanto a nobre mula, talvez menos elegante e majestosa, pode subir e descer facilmente as ríspidas, molhadas e lamacentas encostas. Se perguntavam também se Bolívar gostava de dançar, se escaparia para ver mulheres (diziam, rindo, que quando o Libertador ia ver a noiva não podia ir na mula, tinha que ir a cavalo, para ter mais ‘presença’ como galã [Risos]). Também se perguntavam se Bolívar, por acaso, não teria a pele escura e o cabelo crespo, em lugar de parecer um branquelo... Para estes combatentes, Bolívar era um ser humano de carne e osso, com uma vida cotidiana como qualquer um deles, não um pedaço de bronze, não uma estátua morta e petrificada.

Néstor Kohan: Como foi a chegada?

Ezequiel Rodrígues Labriego: Todos cheios de barro! [Risos]. Caímos diversas vezes. Os combatentes nos ajudaram solidariamente a nos levantar. Tratavam de nos ajudar. Nos apoiavam. Ali descobrimos um detalhe prático, nenhum calçado da cidade serve para esses lugares. Os revolucionários insurgentes estão acostumados a caminhar por lamaçais de 20 ou 30 centímetros de barro como algo “normal”. Como chovia muitíssimo, nos emprestaram capas impermeáveis. Foi então que escutei a primeira de muitas piadas. Chamaram a mim e o sacerdote francês de “Batman e Robin da primeira geração, antes que inventassem o automóvel, quando ainda andavam de mula” [Risos]. O primeiro vínculo com os guerrilheiros comunistas abriu-se então, com uma piada. Outra piada marcou o final da experiência. Quando fomos nos despedir, nos disseram: “Esta terra os saúda e despede-se com orgulho... Não é qualquer um que a dá tantos beijos com a bunda...”, fazendo alusão a todas as nossas quedas no barro [Risos]. O humor esteve na ordem do dia o tempo todo.

Néstor Kohan: Então o pessoal das FARC não estavam derrotado, desmoralizado e cabisbaixo?

Ezequiel Rodrígues Labriego: Não! Pelo contrário! Os encontrei alegres, com uma moral muito alta, com uma convicção muito forte e seguros de que vão triunfar. Não era uma pose ou uma encenação. Dava para ver que estavam seguros. Por isso todo o humor e as piadas (entre eles e com os visitantes, sempre em um tom de cordialidade, de amizade solidária e camaradagem). Se estivessem derrotados, como o presidente Uribe e a inteligência militar colombiana apresentam, assim como os grandes meios de comunicação que difundem os comunicados das Forças Armadas e sua visão da guerra, se eles se sentissem vencidos, pensando que vão ser aniquilados –sobretudo por um exército tão selvagem e impiedoso como o colombiano, assessorado e dirigido no terreno pelos próprios yankees- não ficariam fazendo graça e contando piadas. Isso é óbvio, certo? O humor expressa algo. Acredito que é produto de uma moral combativa alta e de uma forte convicção no triunfo popular.

Néstor Kohan: O acesso aos acampamentos era direto?

Ezequiel Rodrígues Labriego: Não, havia que dar antes muitas voltas. Mas o que mais me surpreendeu foi o contato prévio com as populações que os apóiam e sustentam. A propaganda oficial, da qual fazem eco os grandes meios de comunicação, os pintam como bandoleiros, como um grupo de foragidos armados e sem ideologia, isolados do povo ou presos no tempo. Eu vi outra coisa bem diferente. Não li, não me contaram, vi com meus próprios olhos. Gente comum dos povoados e vilas que os apóiam, trabalhadores em sua maioria, camponeses, vestidos com roupa muito humilde. Mulheres do povo com muitos filhos (lembro, por exemplo, de uma senhora, muito jovem, muito humilde, com uma mula onde iam três crianças e ela ia a pé grávida de um quarto filho...). Toda essa gente dos povoados, civis, falam deles, dos combatentes das FARC e de seus acampamentos na montanha, dizendo “lá em cima”, “o pessoal lá de cima”, “os camaradas”... (na Colômbia quase não se utiliza a palavra “companheiro”, todo o mundo se chama “camarada”, que é muito mais comum”. Essas expressões eram referências elípticas aos acampamentos na montanha das FARC. As pessoas dos povoados lhes dão comida, cigarros, várias coisas. Um grupo revolucionário que não tivesse apoio popular não contaria com essa simpatia e essa colaboração. Por isso os militares e paramilitares da Colômbia assassinam tantos civis, porque estes últimos apóiam a guerrilha. É evidente o apoio que dão às FARC. Eu vi. As FARC e suas frentes de trabalho político fazem trabalho social com as pessoas, com as populações: vacinam os guris (quer dizer, as crianças), constroem escolas, postos de saúde, estradas, pequenas represas para os rios, registram as crianças que ainda não possuem documentos. Em síntese, vi muitas famílias e muitas crianças rodeando as FARC. Definitivamente é uma guerrilha popular.

Néstor Kohan: Como os receberam nos acampamentos?

Ezequiel Rodrígues Labriego: O primeiro contato foi com os postos de guarda. Tínhamos que caminhar olhando para o chão de barro, para que não tropeçássemos e, ao levantar os olhos um momento, surpreendentemente nos encontrávamos com os guardas do acampamento a meio metro [Risos]. Cuidavam do acampamento contra as incursões do Exército. O primeiro que dissemos foi “não podemos cumprimentá-los porque estamos todos cheios de barro” [Risos]. Cruzamos com eles sem tê-los visto. Logo seguimos subindo e chegamos ao posto de comando. Ali os comandantes nos receberam. Foram muito amáveis. Nos sentamos ao redor de uma mesa cheia de livros. Logo trouxeram a comida. Haviam muitos livros e, repito, muito bom humor. Riam o tempo todo, o que me surpreendeu. Eu esperava encontrar gente muito séria, como nos filmes e me encontrei com algo muito diferente. Muitas piadas. Ao longo de toda essa experiência, em várias ocasiões, quando fazia perguntas tinha que perguntar várias vezes, porque é certo que as primeiras respostas eram piadas. Não demoramos para nos acostumar, também começamos a devolver as piadas (ainda que demorasse um pouco para os visitantes europeus compreenderem as ironias). Nada mais distante desses combatentes, desses garotos e garotas, que a tristeza, a sensação de derrota ou desânimo.

Néstor Kohan: Chegaram de noite ou de dia?

Ezequiel Rodrígues Labriego: Era plena noite, não se via nada. A selva é muito escura. As árvores são altas, muito altas. A vegetação é espessa. Às vezes tem até neblina.

Néstor Kohan: Tinha iluminação com tochas ou velas, como fazemos no campo, onde não há luz elétrica?

Ezequiel Rodrígues Labriego: Não! [Risos]. É muito diferente do campo que nós estamos acostumados a ver. Havia pouquíssima luz, porque os aviões do exército colombiano contam com uma nova tecnologia militar proporcionada pelos Estados Unidos. Essa nova tecnologia de controle, que facilita a repressão do exército, está formada pelo uso de satélite, de globos espiões e até aviões não-tripulados, que contam com instrumentos que detectam em tempo real concentrações de fumaça, calos e luz na selva e assim, automaticamente, vêm os aviões militares e começam a bombardear. Portanto, de noite há pouquíssima luz. Mas nesse primeiro encontro vimos os rostos. Havia um pequeno fogo e lanternas. De repente um combatente alertou “Avião...” e todo mundo apaga a lanterna. O acampamento inteiro fica no escuro e não se vê absolutamente nada. E mesmo ali aparece uma piada nova. Como na guerrilha não se sabe se o barulho é de um avião comercial ou avião militar, ou seja, bombardeiros das forças armadas, simplesmente se referem ao avião como “o jato”. Então depois especificam, rindo, que se trata do “jato... o cheio de bombas...”. Um humor muito apurado.

Néstor Kohan: Escutavam música?

Ezequiel Rodrígues Labriego: Na realidade havia muito silêncio, escutava-se apenas os sons da selva, os grilos, a chuva, as folhas que se moviam quando ventava, às vezes o correr da água de um rio, e sempre escutavam as notícias. O que acontece é que “a guerrilheirada”, como eles se referem às pessoas da guerrilha, estavam escutando as notícias... Ainda que nos fizessem escutar música das FARC, escrita e interpretada pela própria guerrilha, com letras revolucionárias e música em diferentes ritmos: rock, merengue, tango, salsa, ballenato e etc. A escutamos em um computador. Aos domingos há música, interpretada por eles. Os jovens tocam violão, sanfona e também cantam.

Néstor Kohan: Quais foram os primeiros relatos e as primeiras conversas?

Ezequiel Rodrígues Labriego: Obviamente, tudo começou com diálogos políticos. A situação na Colômbia, a violação aos direitos humanos de Uribe sobre a qual ninguém fala, quando semana a semana são seqüestrados e assassinados dirigentes sindicais, camponeses, padres, monges, estudantes, etc. Também se falou do terrível tratamento que recebem os combatentes capturados pelo exército, a necessidade da solidariedade internacional, os debates atuais do marxismo, etc. Mas na hora de dormir também aparecem outros tipos de histórias. Histórias de ursos, tigres (os tigres que comem os animais domésticos das pessoas), as cobrinhas... Por sorte, só depois fiquei sabendo que o que eles, os colombianos, chamam de “cobrinhas” são as víboras. Eu pensei que falavam de cobrinhas pequenas de 10, 15 ou 20 centímetros de comprimento e, afinal de contas, falavam de cobras de até dois ou três metros [Risos]. Menos mal que só descobri isso na hora de ir embora! [Risos]. Me contaram uma história, uma das tantas histórias dessa oralidade mágica onde a selva cobra a vida desses habitantes das montanhas, sobre um guerrilheiro que capturava as víboras com a mão, falava com elas e não as matava, as soltava. Então as cobras iam serpenteando... Porque estavam humilhadas! Moviam-se assim pela humilhação diante do homem, do guerrilheiro, do camponês [Risos]. Nós começamos a brincar, esperando que as familiares dessa não viessem se vingar por sua parente... [Risos]. Também nos contavam a história de outro guerrilheiro que falava com os bichos do bosque, o chamavam carinhosamente de “o louco”. Parece que era um dos melhores guerrilheiros, por sua mística, por sua entrega e sua disciplina, mas riam quando contavam que era “louco” porque não parava um segundo de contar piadas e falava com os animais do bosque.

Néstor Kohan: Onde dormiam?

Ezequiel Rodrígues Labriego: Em barracas. Haviam camas de bambu, madeira, folhas. Haviam colchões. Plásticos para se cubrir da chuva. Barro. Devo destacar o esforço que essa gente fazia para que os convidados se sentissem acomodados. A chuva, por momentos, era torrencial. Não passou um dia sequer sem chover nos acampamentos. O barro era onipresente. Sentia-se o tempo todo o aroma da terra molhada no meio da chuva ou da neblina. Nesse panorama, se esforçavam para brindar nos com a maior comodidade possível. Nos contaram que os guerrilheiros devem dormir com grande parte de suas coisas preparadas caso se apresente uma situação de “ordem pública”, combate ou assédio militar iminente.

Néstor Kohan: A que hora se levantavam?

Ezequiel Rodrígues Labriego: Cedíssimo. Antes das 5 am. A vida na montanha e no campo é muito diferente da cidade. Tudo começa antes e termina antes. Tanto que teve um dia em que os comandantes queriam ler, discutir e debater as teses de um livro que falava sobre a Colômbia e a América Latina, parece que era muito polêmico, e se levantaram ás 3 da manhã. Ali tudo se escuta. Desde longe,. Onde estava nossa barraca, escutávamos o debate. Deve-se estar muito politizado e ter muita vontade de polemizar para acordar às 3 da manha... para debater um livro! Não é verdade? Nada mais longe da realidade que eu vivi do que a imagem oficial de “bandoleiros narcotraficantes sem ideologia”.

Néstor Kohan: O que comiam no café da manhã?

Ezequiel Rodrígues Labriego: A primeira coisa que tomam, cerca das 5 da manhã, é um “tinto”. Não é vinho! [ Risos] Eles chamam de o café negro de “tinto”. Mais tarde, por volta das 7 am, comem muita comida, arepas (comida feita com farinha de milho), ovos, etc. Muita comida, não apenas para os convidados ou as visitas internacionais. Um velho guerrilheiro nos explicou que as FARC brindam aos seus combatentes com boa alimentação, entre outras coisas, para prevenir doenças. Um guerrilheiro mal alimentado pode ficar doente mais fácil. Inclusive, em termos econômicos, é melhor comer bem que ficar doente. Cada combatente tem também uma escova de dentes e sua pasta para prevenir enfermidades na boca.

Néstor Kohan: Como é a vida durante o dia? Praticavam tiro ou pontaria o tempo todo?

Ezequiel Rodrígues Labriego: Não, são atiradores muito bons (os militares chamavam o comandante Marulanda de ‘Tirofijo’, ou seja, ‘tiro certeiro’) mas, na realidade, a maior parte do dia, todo o acampamento é um gigantesco coletivo de trabalho. Trabalham muito durante o dia! Há grupos de trabalho por esquadra de combate. Cortam lenha, serram, trabalham a madeira, lavam cozinham, constroem, transportam distintos materiais. Os acampamentos se parecem mais com enormes coletivos de trabalhadores do que qualquer outra coisa. Por isso nos explicavam a necessidade de uma boa alimentação: muito trabalho físico. As mulheres trabalhavam ao lado dos homens, em todos os serviços. Na marcha pela selva, as mulheres e os homens carregam mochilas de 30 quilos aproximadamente (eles medem em libras) com roupa, armas, munição, comida, etc.

Néstor Kohan: Haviam mulheres na guerrilha?

Ezequiel Rodrígues Labriego: Muitas! Carregavam armas longas (diversos tipos de fuzis), uniforme das FARC e, ao mesmo tempo, lixas de unha, espelhos e esmalte. Elas levavam as mesmas cargas que os homens e todo mundo trabalhava por igual.

Néstor Kohan: Quem cozinhava?

Ezequiel Rodrígues Labriego: Haviam várias cozinhas, com fornos fabricados por eles mesmos, ao estilo vietnamita ou cubano, segundo nos explicavam. Eles os denominavam “ranchas”. Vi gente cozinhando, tanto mulheres como homens, ambos por igual.

Néstor Kohan: Todos se vestiam igual?

Ezequiel Rodrígues Labriego: Sim, com uniforme verde-oliva e as insígnias das FARC-EP. Tinham todos, homens e mulheres, um asseio tremendo. Se nos viam sujos de barro por conta das caminhadas, faziam piadas, sugerindo que trocássemos de roupa. Cada combatente tem mais de um uniforme, que eles mesmos confeccionam. A limpeza dos combatentes está regulamentada. No meio desse lamaçal, tudo estava limpo. Incrível! De alguma forma sentiam-se orgulhosos, se minha percepção não me enganou, de saber caminhar longas jornadas de barro sem se sujar. Sentiam-se de estarem assim, limpos no meio da selva. Inclusive nos perguntavam com ironia porque estávamos cheios de barro, dizendo: “Vocês não estão acostumados a caminhar no barro, certo?” Ainda que, ao mesmo tempo, com a maior naturalidade, alguns combatentes também nos perguntavam: “É verdade que é a primeira vez que visitam acampamentos guerrilheiros?”... como se fosse a coisa mais normal do mundo... [Risos]. Vestiam-se igual, mas as pessoas eram as mais variadas possíveis. Vimos combatentes brancos, mestiços, indígenas, afro descendentes, homens e mulheres. Dava para perceber que eram integrados, em um coletivo integrado. Por exemplo, vi gente branca cozinhando e servindo gente mestiça ou afro descendente. Tudo ao contrário do capitalismo racista e da discriminação a qual nossa sociedade nos tem acostumados.

Néstor Kohan: Durante o dia todo só trabalhavam?

Ezequiel Rodrígues Labriego: Não, além de comer, trabalhar e descansar, também vi reuniões e discussões que transcorriam a tarde. Essas reuniões eram chamadas “a hora cultural”. Na realidade, duravam uma hora e meia ou duas. Juntavam-se e escutavam as notícias, primeiro, para analisá-las depois. Logo debatem em uma espécie de assembléia sobre a notícia do dia.

Néstor Kohan: Notícias de que tipo?

Ezequiel Rodrígues Labriego: Notícias da Colômbia e da América Latina, principalmente. Mas também de outras partes do mundo.

Néstor Kohan: De onde obtém as notícias na selva e em plena montanha?

Ezequiel Rodrígues Labriego: Da rádio e da TV. Assistem TV em uma hora do dia. Principalmente noticiários, como TELESUR. Também obtém notícias de Caracol, etc. mas também viam uma série de TV, jogos de futebol, etc. Lembro uma das tantas piadas que faziam: “Fulano é um leninista estrito, porque primeiro de tudo vem o partido... o partido de futebol” [Risos]. Esta pessoa não perdia um jogo por nada no mundo.

Néstor Kohan: Como debatiam?

Ezequiel Rodrígues Labriego: Por grupos, por esquadras. As esquadras são as menores estruturas de combate, mas, ao mesmo tempo, são células políticas [na tradição do pensamento leninista, as “células” constituem-se na menor forma de organização de todo partido político] . O interessante é que cada esquadra tem seu comandante mas também possui seu secretário político. Os dois cargos não podem ser exercidos pela mesma pessoa. Dessa maneira fica garantida a democracia interna nas FARC e a possibilidade de debate. Então nas horas culturais dedicadas à informação, à educação e ao debate, cada esquadra é responsável por transmitir uma notícia. Quando todas as esquadras disserem a sua, começa o debate coletivo sobre as notícias. Ali elas são analisadas criticamente. Todos e todas falam, a palavra circula. Participam desde os que tem melhor oratória, mais fluida, até aqueles que penam mais em falar ou ler em público. O chamativo é que falam e debatem no escuro ou com pouquíssima luz. Ao presenciar essas cenas vêm à memória os relatos do marxista norte-americano John Reed quando escrevia a história da revolução bolchevique. John Reed, aquele jornalista dos EUA, se espantava pelo fato dos soldados bolcheviques de Lenin, ainda que estivessem com fome e no meio da guerra, se desesperavam por receber notícias ou livros no front de batalha... As horas culturais na selva colombiana me fizeram lembrar aquele livro.

Néstor Kohan: Por que as horas culturais aconteciam no escuro?

Ezequiel Rodrígues Labriego: Pela possibilidade de bombardeios dos aviões militares. A ausência de luz estava destinada a esconder dos aviões as posições dos acampamentos guerrilheiros. Os combatentes nos contavam que essas horas culturais antes eram feitas com toda a luz, dando para ver as caras, mas como Uribe recrudesceu a guerra –tudo em nome da “paz” e da “democracia”... – têm recebido ultimamente tecnologia militar yankee de última geração, dedicada a aniquilar a insurgência com o chamado “Plano Patriota”, então já não se podia continuar desenvolvendo essas atividades com luz. Essa tecnologia militar yankee inclui globos espiões ou informação por satélite, destinada a detectar concentrações de luz, fumaça ou calor na selva. Isso motiva os debates no escuro. É muito raro para alguém que vive na cidade assistir a essa espécie de assembléias no escuro, no meio do barro, onde se discute a informação de conjuntura. É um sacrifício muito grande viver assim! Mas todo mundo participa com entusiasmo, com “mística”, com alegria nas discussões. O que conheci é, realmente, uma força político-militar muito informada, muito politizada e muito atualizada no dia a dia.

Néstor Kohan: Não são então uns loucos soltos, perdidos na selva, que não foram enterrados quando caiu o Muro de Berlim...

Ezequiel Rodrígues Labriego: [Risos] Não! Estão muito, mas muito informados mesmo. E não apenas da Colômbia, mas também de outros países. Recebem visitas. Conversam sobre a luta popular de outros países. São internacionalistas convencidos. Além do que, a maioria dos combatentes que conheci ingressou nas FARC após a queda do Muro de Berlim. Não são “dinossauros nostálgicos”. São marxistas leninistas, guevaristas e bolivarianos, com um projeto político atual, pensado para a América Latina no século XXI. Este projeto bolivariano não está pensado apenas para a Colômbia, mas para a Grã - Colômbia e a Pátria Grande, ou seja, para toda a América Latina. As FARC constituem uma organização guerrilheira muito conectada com o mundo.

Néstor Kohan: Não haviam diferenças de formação entre seus integrantes?

Ezequiel Rodrígues Labriego: Na verdade, pelo tempo que passei não poderia afirmar. Mas acredito que sim. Haviam trabalhadores, camponeses, estudantes. Alguns tinham oratória fluida, outros custavam a ler em voz alta. Mas todos e todas participavam por igual. A palavra era rotativa! Até os mais tímidos tinham que falar. Os papéis de organização das “horas culturais” (espécie de assembléias culturais) trocavam e se alternavam todos os dias. Sinceramente, os vi muito informado e muito interessados no que acontecia na Colômbia (por exemplo as mobilizações urbanas, crise política, etc.) e em outros países.

Néstor Kohan: Isso se referindo aos combatentes. E os comandantes?

Ezequiel Rodrígues Labriego: Bom, devo reconhecer que me surpreenderam. Ainda que tivesse lido a historiografia sobre as guerrilhas e tenha entrevistado alguma vez dirigentes políticos e guerrilheiros de outros países, estes comandantes me fizeram rir muito [Risos]. Como já te contei, viviam fazendo piadas, entre eles e com os visitantes (os visitantes europeus demoravam um pouco para captar as piadas, mas também contavam algumas). Além disso, discutiam poesia e literatura. Estavam metidos em uma discussão, entre eles, sobre a obra e o pensamento do escritor Vargas Vila [modernista, da geração de Rubén Dario]. Na mesa de comando tinham a Crítica da razão pura de Kant!... Ali também vi livros do poeta e revolucionário salvadorenho Roque Dalton, escutei conversas sobre Mariátegui, Nietzche, Habermas, os manuais soviéticos de Konstantinov, polêmicas sobre Saramago, entre outros. Os escutei conversar também, com erudição e devoção sobre Simón Bolívar, se morreu de morte natural ou se foi morto. Também falavam sobre o pensamento de Che Guevara. Me pareceu, em suma, gente muito instruída, muito lida e preparada. Sobretudo muito sensível. Inclusive, quando um dos visitantes perguntou sobre as recordações sobre o comandante Marulanda, percebi uma lágrima rodando por aí. Também vi rostos de nojo, indignação e muita raiva quando se falavam dos crimes dos “paracos” (os paramilitares colombianos), o uso que fazem da moto-serra para mutilar gente, a tortura, o aniquilamento de dirigentes populares, indígenas, sindicais, camponeses, jovens estudantes. Um dos comandantes que conheci, de evidente origem camponesa, tinha seis irmãos mortos. Ao conhecer esse comandante camponês, antigo lugar-tenente de Marulanda, recordamos os relatos histográficos sobre a guerra civil e a revolução da Espanha, com seus generais operários e camponeses. Mas em todas as conversas predominava o humor, as piadas e a falta de cerimônia. Sobre todas as coisas, muita ironia e muito humor. Não é, por acaso, o humor o melhor gesto de saúde mental, imprescindível para levar adiante qualquer luta radical em condições tão difíceis?

Néstor Kohan: Como se levava a vida na selva?

Ezequiel Rodrígues Labriego: Era difícil. Muito sacrifício! Apesar de ninguém se queixar e todo mundo encará-lo com “naturalidade”, esta gente vive com muito sacrifício. Em primeiro lugar, nuvens inteiras e permanentes de mosquitos. Complicado viver assim todos os dias, certo? Eles o chamam “a praga”. Diziam, por exemplo, “hoje há muita praga”, como quem diz “está nublado”, com naturalidade. Nas zonas onde não há tantos mosquitos...tem carrapatos! Nesses outros lugares também há vespas. Depois estão as víboras... Enfim, a vida das guerrilhas das FARC é uma vida tremendamente abnegada e sacrificada. Só pode ser encarada, eu imagino, se houver um projeto político claro, realista e viável, que lhe dê sentido e se tenha intimamente fé no triunfo. Senão, não entendo como poderiam viver assim cotidianamente. As FARC estão certas de que vão vencer.

Néstor Kohan: Como as pessoas fazem para ir ao banheiro?

Ezequiel Rodrígues Labriego: Fazendo as necessidades fisiológicas em um poço (homens e mulheres), rodeado de folhas, sem teto, no meio da chuva permanente... Dizem que as FARC vivem como “magnatas”, cheios de luxo e dólares, e como “milionários narcos”... Por favor! Que infâmia! Te asseguro que tudo isso não passa de uma mentirosa e absurda propaganda militar, destinada a deslegitimá-los e isolá-los de possíveis apoios, seguramente elaborada pelos assessores em guerra psicológica dos yankees.

Néstor Kohan: Que balanço geral você faz de tudo o que viu e conheceu nos acampamentos das FARC-EP?

Ezequiel Rodrígues Labriego: Quando me lembro do que conhecemos nos acampamentos, penso em tanto acadêmico medíocre bancado por alguma ONG, ou nesses jornalistas ignorantes pagos pelos grandes monopólios, que vivem insultando e depreciando estes jovens guerrilheiros e guerrilheiras, afirmando que são “narcos” e não sei quantas outras besteiras do tipo. Me causa muita indignação ver esses submissos e medíocres caluniarem as FARC. Entendo se alguém não compartilha da estratégia política da insurgência comunista e bolivariana. É lógico e compreensível. Cada um tem direito a seu ponto de vista e a opinar a respeito. Mas me parece que, qualquer um que opine, deveria antes tirar o chapéu. Ou seja, falar com sumo RESPEITO [Rodríguez Labriego faz o gesto para que sublinhe a palavra] diante de tanta dignidade, diante de tanta abnegação, diante de tanto sacrifício.

Como conclusão pessoal, queria enfatizar o tremendo RESPEITO, a sincera admiração que sinto e que me geram estas pessoas, as pessoas das FARC. Os vi muito sérios, muito esforçados, principalmente muito convencidos da causa do socialismo. Não apenas do socialismo na Colômbia, mas em toda a Pátria Grande latino-americana e no mundo. Me parece que necessitam de muita solidariedade internacional. Além das anedotas ou as impressões, acredito que isso seja o fundamental. A solidariedade.

Néstor Kohan: Por que acredita que se fala tão pouco de Colômbia? Por que pensa que a esquerda mundial hesita em levantar como própria a bandeira insurgente das FARC?

Ezequiel Rodrígues Labriego: Talvez por muitas causas. Em primeiro lugar, pela impressionante campanha macartista contra as FARC. A esquerda, reconheçamos, não permaneceu alheia nem à margem dos efeitos desse macartismo oficial que obriga a todos que se “afastem” das FARC (e outros grupos radicais) para obter um certificado de “boa conduta”. Não é verdade? Ou estou errado? Em segundo lugar, as FARC e o Partido Comunista Clandestino da Colômbia (PC3 ou PCCC) marcam uma continuidade com a esquerda revolucionária de outras décadas, mantendo a centralidade da luta pelo poder, apesar de várias décadas de domínio pós-moderno e/ou social-democrata. Não se coloca a Colômbia no centro da agenda latino-americana (onde habitualmente se fala de Bolívia e Venezuela sem sequer mencionar a Colômbia) porque isso implicaria automaticamente em discutir a pertinência da luta armada. Apesar de milhares e milhares de mortos e desaparecidos, isso provoca medo. Muito medo. Devemos reconhecê-lo...eles têm medo, apesar de não o confessarem publicamente ou o encobrirem com falsas elaborações “teóricas”. Deve-se vencer de uma vez esse medo!

Então trata-se de recuperar a solidariedade. Não podemos abandoná-los! Não devemos continuar cedendo à chantagem macartista. Não podemos cair no silêncio cúmplice nem na comodidade da indiferença.

Néstor Kohan: Quando você fala de solidariedade, você se refere exclusivamente à esquerda?

Ezequiel Rodrígues Labriego: Não necessariamente. Não apenas a esquerda. As FARC se definem anti-imperialista e bolivarianos. O arco de solidariedade vai muito além da esquerda. Toda pessoa que se oponha ao guerreirismo de Uribe e a violação dos direitos humanos deveria se solidarizar. Da mesma forma que se apoiaram no sandinismo na Nicarágua, no FMLN em El Salvador, a Fidel e Che em Cuba, à URNG na Guatemala, ao zapatismo no México, ao MST no Brasil ou a Chávez na Venezuela. Hoje deve-se apoiar as FARC. As FARC são parte insubstituível e fundamental desse conjunto latino-americano. Não podemos continuar nos fazendo de distraídos frente à luta do povo colombiano. O apoio às FARC-EP deve estar na ordem do dia na esquerda latino-americana e mundial.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

A tragédia da social-democracia retardatária no Brasil

Por Edmilson Costa [*]

E agora, José?
A festa acabou
a luz apagou
a noite esfriou
o povo sumiu
E agora, José?
Carlos Drumond de Andrade

A crise que o País e, especialmente, o Partido dos Trabalhadores, vem enfrentando enseja um debate aprofundado sobre o papel da esquerda no século XX e nestes primeiros anos do século XXI. Se não avaliarmos as raízes mais profundas da crise, não poderemos compreendê-la em sua plenitude e, muito menos, tirar as lições necessárias para uma retomada da luta social e da esquerda classista como referência revolucionária no Brasil. Em linhas gerais, a esquerda foi protagonista de três grandes momentos importantes da história do País:

O primeiro deles teve como atores principais os anarquistas, especialmente os imigrantes italianos, espanhóis e portugueses que vieram ao País no processo de transição entre a economia agro-exportadora e o início do processo industrial. Estes valorosos militantes propagandearam e desenvolveram a luta de classes, buscaram organizar os trabalhadores e chegaram a realizar uma greve geral em 1917, com relativo êxito [1] . Mas, a partir de 1922, com a formação do Partido Comunista Brasileiro (PCB), a influência dos anarquistas foi decrescendo, até mesmo porque muitos dos dirigentes anarquistas ajudaram a formar o Partidão.

A nova fase que se abre a partir de 1922 será caracterizada por uma hegemonia do PCB nos movimentos sociais, políticos e culturais do País, de modo que as outras organizações de esquerda, comparadas à influência dos comunistas, podem ser consideradas apenas residuais [2] , muito embora esse partido tenha se caracterizado ao longo de sua história por uma política de alianças com todas as forças progressistas.

Um dos aspectos singulares da trajetória do PCB, entre 1922 e 1975, começo de seu declínio político, foi a perseguição implacável das classes dominantes, tanto que esse partido viveu praticamente na clandestinidade durante toda a sua existência. Somente nos primeiros meses de fundação e, entre 1945 e 1947, pode desfrutar da legalidade política – o resto dos anos foram consumidos numa dura e tenaz luta clandestina – ao todo foram 60 anos de clandestinidade. Se levarmos em conta que o PCB só conquistou a legalidade em 1986, poderemos dizer que esta foi uma das organizações revolucionárias com maior tempo de clandestinidade na história do movimento revolucionário mundial.

Mas a repressão de 1974-75 (aliada à condução política equivocada do então Comitê Central desde o exílio, e mesmo após seu retorno, com a anistia em 1979) levaram o PCB a perder a influência no movimento social, permitindo assim o surgimento de uma nova geração de líderes operários, nascidos das lutas espontâneas de 1978-80, que posteriormente formariam o Partido dos Trabalhadores, organização que passaria a hegemonizar a luta social no Brasil por cerca de 25 anos.

O terceiro momento da esquerda brasileira começa com as lutas operárias em São Bernardo do Campo, que posteriormente se espalham pelo Brasil à fora, e se condensam politicamente com a formação do Partido dos Trabalhadores (PT), em 1980, e da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 1983. Essas lideranças e as lutas que desenvolveram deram aportes fundamentais para o enfraquecimento da ditadura militar e colocaram em movimento dezenas de milhares de lutadores sociais e políticos no País.

O PT se apresentava como uma organização renovada, distante dos métodos de organização dos comunistas, e com uma postura política aparentemente radical, à esquerda do PCB, ao mesmo tempo em que estrategicamente colocava o socialismo como referência programática, muito embora não explicitasse muito bem qual era exatamente o socialismo que queria, até mesmo porque nos primeiros anos de fundação a disputa pela hegemonia no PT era muito grande e tornava-se quase impossível chegar-se a um consenso em meio a uma colméia de tendências partidárias.

Portanto, a crise atual do Partido dos Trabalhadores marca o fim de uma era iniciada com as greves de São Bernardo. Qualquer desfecho que esta crise venha a ter, o PT não será mais o mesmo e nem terá mais a influência que teve junto aos movimento sociais. Poderá sobreviver até como uma organização tipicamente eleitoral, mas sem a aura que o norteou desde sua fundação.

Como sempre ocorre nos processos históricos, o movimento social não vai ficar esperando que o PT cure suas feridas, assim como não esperou que os anarquistas repensassem a estratégia para um Brasil transitando da fase agrária para a industrial e também não aguardou que o PCB refletisse melhor sobre o País na década de 70 e retificasse sua linha política. A história cobra um preço muito alto aos erros dos atores políticos e tanto o PT quanto seus aliados à esquerda, que amarraram seu destino ao destino do governo Lula, irão perder a influência política conquistado em passado recente.

No bojo dessa crise em curso, os trabalhadores saberão criar novas organizações sociais políticas para defender os seus interesses históricos e é exatamente esse o calcanhar de Aquiles da conjuntura que se desenha a partir de agora. A organização revolucionária que sintetizar teoricamente esse momento político, construir um projeto de País, inclusive compreendendo os novos fenômenos oriundos da globalização e dele tirando lições, será a nova porta-voz dos interesses dos trabalhadores.

ANTECEDENTES HISTÓRICOS

Pode-se dizer claramente que, de 1922 até 1975, quando a grande maioria dos militantes comunistas foram presos na Operação Jacarta , o Partido Comunista Brasileiro foi a força hegemônica da esquerda nacional, não apenas na arena política mas, principalmente, nos movimentos sociais e culturais. Comandou as principais batalhas da luta de classes da história do proletariado brasileiro do período, sofreu duras derrotas e obteve conquistas históricas, a grande maioria ainda hoje presente na sociedade brasileira. Como diria o poeta Ferreira Goulart, um antigo militante comunista, quem contar a história do Brasil e de seus heróis e não falar do PCB estará falseando a história.

Neste mais meio século de lutas, praticamente todas as conquistas dos trabalhadores foram influenciadas pela luta dos comunistas e muitas vezes seus militantes pagaram com a vida a ousadia de lutar contra o sistema capitalista. Se fizermos uma trajetória sumária poderemos dizer que já na década de 20 o PCB estava na vanguarda da luta pela industrialização do País, fato que se tornou realidade com a revolução de 1930.

A própria década de 30 vai encontrar um Partido Comunista influenciando a luta pela legalização dos sindicatos, pela conquista da jornada de oito horas e do descanso semanal remunerado, as férias de 30 dias, salário mínimo, e um conjunto de direitos posteriormente sistematizados na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ressalte-se que muitas dessas bandeiras de luta já eram reivindicadas por socialistas e anarquistas no período anterior ao surgimento do PCB, mas só se concretizaram após a luta organizada do PCB. [3] Muitos argumentam que estas conquistas foram uma dádiva de Getúlio Vargas, mas isso não corresponde à verdade, pois Vargas apenas chancelou velhas reivindicações dos trabalhadores, de forma a que não fosse ultrapassado pelo movimento de massas.

A criação da primeira central sindical do País - a Confederação Geral do Trabalho do Brasil, em 1929, foi um esforço do PCB, da mesma forma que também foi o incentivador da criação da segunda grande central dos trabalhadores - o Comando Geral dos Trabalhadores – o histórico CGT, junto com seus aliados do antigo PTB, na época um partido progressista. Na luta pelas reformas de base, com João Goulart na Presidência, lá estava novamente o PCB na linha de frente pelas transformações do País. Nesse período, os trabalhadores alcançaram uma de suas maiores conquistas, o 13º salário, fruto de uma greve geral comandada pelo CGT, cuja maioria era formada por dirigentes sindicais comunistas [4] .

Se avaliarmos ainda por outro ângulo, o da cultura, o PCB também tem uma trajetória bastante expressiva na frente cultural. Muitos dos fundadores da Semana da Arte Moderna foram militantes do PCB, como e Osvald de Andrade, Patrícia Galvão, a Pagu, para falar dos mais conhecidos. Na pintura contou com os traços marcantes de Cândido Portinari e na música com militantes dedicados como Nora Ney, Jorge Goulart ou compositores como Paulo da Portela e Mario Lago. Na literatura, também foram militantes do PCB Jorge Amado, Graciliano Ramos, Rui Facó, Eneida, entre outros grandes nomes da literatura. O PCB também foi um dos grandes incentivadores do CPC da UNE, um dos maiores movimentos culturais do País, que revelou grandes nomes da música, literatura, teatro, entre outros.

Mas recentemente, podemos dizer que a dramaturgia brasileira e, mesmo a teledramaturgia, foi profundamente influenciada pelos autores comunistas, tais como Vianinha, Paulo Pontes, Dias Gomes e Gianfrancesco Guarnieri. Também no cinema foram militantes do PCB João Batista de Andrade e Leon Hirzmann. Todo esse patrimônio de lutas, conquistas e formação da cultura brasileira representaram um patrimônio não apenas do PCB, mas de toda a população brasileira [5] .

Mas em 1974-75, como já constatamos, o PCB sofreu uma ofensiva terrorista da ditadura militar: milhares de comunistas foram presos ou torturados neste período e o DOI-CODI matou na tortura um terço do Comitê Central (CC), o que fez com que o restante CC fosse obrigado a se exilar. Quando as lutas populares emergiram em 1978, com a greve da Scania, o PCB estava na cadeia e sua direção no exterior. A militância que foi solta estava vigiada e os novos militantes não tinham a experiência suficiente para compreender aquele momento político, nem força política para dar uma direção revolucionária ao Partido, até mesmo porque, desde o exterior, a direção trabalhava em outra perspectiva [6] .

A ditadura militar foi científica na luta contra o PCB: diante do chamado processo de abertura lenta, segura e gradual que o regime buscava implementar era necessário liquidar o Partidão a qualquer preço, nem que para isso se utilizasse métodos semelhantes aos dos nazistas. O ódio do regime militar ao Partidão era explicado por duas circunstâncias básicas:

Primeiro, porque naquele período (1974-75) o Partido era a única organização que estava ainda praticamente intacta no País e, portanto, era também a única que podia desenvolver um combate efetivo contra a ditadura, até porque sua linha política de reunir amplas forças patrióticas e democráticas na luta contra a ditadura tinha sido vitoriosa: o PCB teve papel importante na organização do então Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e na vitória eleitoral de 1974, quando a ditadura foi derrotada para o Senado em 16 Estados. Ou seja, a palavra de ordem de acumular forças no movimento de massas para desgastar e, posteriormente, golpear a ditadura estava se mostrando correta.

Segundo, porque a repressão matou exatamente os quadros do Comitê Central com maior clareza da situação do País, justamente aqueles mais comprometidos com uma política de classe. Portanto, era questão de sobrevivência política da ditadura militar a destruição do PCB – daí a ferocidade repressiva, onde esses companheiros do Comitê Central não apenas foram mortos, mas esquartejados e os corpos escondidos para que o povo nunca reverenciasse sua memória. Foi um verdadeiro massacre: matou-se desde o presidente da União da Juventude Comunista (UJC), José Montenegro de Lima, que coordenava os esforços para a construção de uma UNE de massas, até membros de Comitês Estaduais e do Comitê Militar do Partido.

Para se ter uma idéia da força do PCB até aquele período, mesmo enfrentando a mais dura clandestinidade, é necessário dizer que o partido distribuía todo mês, na Volks, a maior empresa do País, em 1973, 300 jornais Voz Operária, o tablóide clandestino do Partido, e tinha 150 militantes em praticamente todas as seções da empresa, além de militantes nas grandes metalúrgicas da região [7] . O PCB dirigia ainda Centros Acadêmicos nas grandes universidades e até a Caixa Beneficiente da Polícia Militar de São Paulo, cujo oficial responsável foi assassinado na tortura. Praticamente todos os militantes do Partido, em todo o País, foram presos, entre 1974-75. É muito raro encontrar algum militante daquele período que não tenha passado pelas prisões da ditadura.

Portanto, o movimento social que começa a tomar fôlego com as lutas por reposições salariais, em função da falsificação dos dados estatísticos da inflação de 1973, pelo então ministro Delfim Neto, encontra a militância do PCB na cadeia ou intensamente marcada e vigiada pela repressão. Mesmo quando o PCB ganhava alguma eleição sindical, o governo impedia que a chapa assumisse o sindicato. Este foi o caso de Frei Chico (irmão mais velho de Lula e militante do PCB), que ganhou por duas vezes o Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano e não pode assumir. Esta situação se tornaria mais grave em função das divergências políticas que atingiram o Comitê Central no exílio. A repressão obtivera êxito em afastar o PCB do movimento de massas – Golbery podia considerar-se vitorioso.

Com a anistia, em 1979, a direção do Partido volta ao País já envolta numa dura luta interna entre o secretário geral, Luis Carlos Prestes, e o restante do Comitê Central. Reproduzia-se no interior do Partido a questão do eurocomunismo, um debate que era travado nos partidos comunistas europeus, especialmente no Partido Comunista Italiano, organização que influenciou enormemente o antigo Comitê Central. A derrota interna de Prestes e seu afastamento do Partido consolidou uma linha política que rebaixou a atuação histórica do PCB.

Em vez de incentivar o recrudescimento da luta operária e direcioná-la na luta contra a ditadura, o Comitê Central privilegiava a luta pela democracia, sob o pretexto de que o acirramento da luta dos trabalhadores poderia levar a um retrocesso no País. Não compreendia que a conjuntura tinha mudado e que agora a classe operária irrompia no processo político disposta a se impor enquanto sujeito político.

“As mobilizações operárias deslocam a base da luta contra a ditadura, relevando uma dimensão que vai para além do mero patamar politicista, incorporando, em sua crítica, outros elementos componentes da estrutura da forma-Estado militar-bonapartista, fundamentalmente, sua base econômica. Dentro dessa visão, o significado das reivindicações imediatas aparecem somente como elemento epifenomênico: além das exigências de aumento salarial, liberdade e autonomia sindical, o fundamento das greves articula-se em torno de dois fatores nodais: o questionamento da base econômica e à superestrutura jurídico-política do bonapartismo … O movimento operário, desse modo, distanciava-se, de um lado, de quem continuava a política de frente ampla — no âmbito da esquerda, o PCB —, quando aquela forma de luta encontrava-se exaurida, já que o núcleo que sustentava a forma-Estado militar-bonapartista está em pleno processo de esfacelamento” [8] .

O Comitê Central, influenciado por um debate tipicamente europeu, pensava mecanicamente e não conseguia combinar a luta democrática com a luta operária. Estava também aferrado a uma concepção etapista da revolução brasileira e a uma aliança com setores da burguesia nacional, como meio para alcançar o socialismo. Foi um erro fatal: o PCB desligou-se do movimento social e se tornou uma organização residual no cenário político do País. No entanto, mesmo levando-se em conta as prisões, torturas e assassinatos, o principal responsável pelo fracasso político do Partido foi sua direção, que conduziu a organização para um rumo diverso do que apontava a luta de classe naquele período [9] .

Se o Comitê Central tivesse apontado em outra direção, haveria condições para que o Partido, mesmo fragilizado, disputasse com outras forças a condução do processo social e político no País. Afinal, faziam parte do CC quadros históricos do movimento operário, muitos deles integrantes da direção do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT). Ora, com uma linha política correta e com a experiência acumulada nos combates do passado, esses dirigentes tinham condições de disputar os rumos do movimento social no País.

AS GREVES E O NOVO MOVIMENTO OPERÁRIO

Enquanto o PCB se digladiava com sua própria sombra, o que estava ocorrendo efetivamente na luta de classes do País? A classe operária, que vinha acumulando forças desde as derrotas das greves de 1968 [10] , entra em cena e passa a comandar a luta contra a ditadura. O movimento operário, iniciado em São Bernardo do Campo, se espalha para todo o Brasil como um rastilho de pólvora [11] , o que demonstra claramente que a situação estava madura para as lutas operárias de massas. Portanto, não tinha sentido se privilegiar a luta democrática pelo alto em contraposição à luta operária desde a base.

Mas o movimento operário que nasce das lutas de São Bernardo e do resto do País tinha uma característica muito acentuada de espontaneidade. A grande maioria de sua liderança não tivera vínculo com as lutas históricas do proletariado brasileiro. Portanto, não estava testada nas batalhas de classe, não tinha a ideologia vinculada à classe operária nem ao marxismo. Eram operários combativos, honestos, mas sem ideologia, apenas com um forte sentimento de justiça social.

Além disso, por falta de tradição, era uma liderança operária avessa ao estudo e às tradições de classe. Eram os anti-filhos do modelo econômico da ditadura, mas não poderiam significar sua antítese, se não se envolvessem com a ideologia proletária. Tornaram-se basicamente uma vanguarda sindical, com os limites e impossibilidades do próprio movimento sindical.

Além disso, um outro fator político também contribuiu para que não se gestasse no País uma liderança operária classista e ideológica. Muitos agrupamentos políticos e religiosos se aproximaram do movimento operário em ascensão e buscaram confrontá-lo com o Partido Comunista Brasileiro, transformando o PCB num inimigo dos trabalhadores, num bombeiro da luta de classe, num entulho a ser removido da vida política brasileira.

Valia tudo para alijá-lo do movimento social: a calúnia, o envenenamento anti-comunista das novas gerações de lutadores e até mesmo a falsificação da história. Procurava-se espertamente varrer da memória tudo aquilo que tinha sido feito no passado, afinal não era bom que as novas gerações soubessem que o PCB estava por trás das maiores batalhas e conquistas dos trabalhadores até então. Por isso, construíram uma “nova história”, na qual o movimento operário teria começado com as greves em São Bernardo do Campo. Negando a história, terminaram negando-se também e, ao negar-se, não construíram raízes, passaram a flutuar ideologicamente.

O terreno era fértil para esse discurso e, muitas vezes, o próprio PCB, com sua política equivocada, contribuiu para que essas falsificações vicejassem entre aquelas lideranças inexperientes, deslumbradas com seu próprio êxito e aduladas pela pequena burguesia radicalizada. Para os alpinistas revolucionários, escolados na derrota recente ou no gueto, a carona do movimento operário era um momento especial de se vingar do velho Partidão, com o qual todos tinham profundas divergências políticas ou ideológicas. Essa visão era funcional, pois retirava de cena o principal protagonista das lutas operárias no Brasil.

Quem eram os personagens que tanto influenciaram as novas gerações de lideranças operárias surgidas com as greves de São Bernardo? Fundamentalmente, os agrupamentos políticos que pegaram carona no movimento operário e depois fundaram o PT e Central Ùnica dos Trabalhadores (CUT) eram constituídos, de um lado, por militantes trotskistas, que sempre carregaram consigo o complexo de pigmeu e agora viam a possibilidade de crescer organicamente e ajustar as contas com o PCB; de outro, velhos camaradas sobreviventes da luta armada, que saíram magoados com o Partido porque este não os acompanhou na decisão de seguir esta forma de luta.; Ah! tinha ainda a esquerda católica, representada pelas Comunidades Eclesiais de Base, que praticava sorrateiramente o anticomunismo com ares de esquerda e terceiro-mundista. Por último, não se pode deixar de falar nos setores da pequena burguesia radicalizada que encontraram no PT um instrumento especial para exorcizar a sua má consciência.

Entretanto, ao analisarmos objetivamente o comportamento desses agrupamentos políticos ou religiosos não se pode deixar de levar em conta que eram também companheiros que, apesar de posição anti-PCB, estavam sinceramente querendo impulsionar a luta de classes e organizar os trabalhadores, muitos até desejavam o socialismo como horizonte do povo brasileiro. Na ânsia de dirigir o proletariado esqueceram-se das lições do passado e formaram uma geração de lideranças operárias desossadas ideologicamente, despreparadas para os embates classistas e, conseqüentemente, frágeis ideologicamente, portanto permeáveis aos encantamentos do sistema burguês. Era uma tragédia anunciada, que se consumou muito antes do que se esperava.

A FORMAÇÃO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES

Para compreendermos o momento da formação do PT é necessário avaliarmos a situação política do País naquele período, início dos anos 80. A ditadura vivia os seus estertores e não tinha mais condições de tomar nenhuma iniciativa política. Estava na defensiva e com o tempo contado. A luta operária desmantelara todo o arcabouço montado pelo regime, enquanto a luta democrática avançava crescentemente, contribuindo para isolar e golpear a ditadura. Como a derrota já era um dado da realidade, o estrategista do regime, general Golbery do Couto e Silva, buscou uma forma de fazer com que o colapso do regime não significasse o colapso do sistema e a emergência dos comunistas como força política, afinal foram eles que traçaram a estratégia vitoriosa de luta contra a ditadura e isso não poderia ser reconhecido pela população.

Vale ressaltar que o PCB era um fantasma que atormentava cotidianamente a imaginação do general Golbery. Ele pensava estrategicamente e sabia que o Partidão era um inimigo estratégico, aquele contra o qual não deveria haver vacilação – que o diga o massacre de 1974-75 no governo Geisel, quando Golbery era a eminência parda do regime Por isso, com a proximidade da democratização era necessário impedir novamente que o Partidão surgisse com alternativa para a esquerda no Brasil. Nesse sentido, é sintomático que ele tenha possibilitado a legalização do Partido dos Trabalhadores e mantido o PCB na clandestinidade.

Além disso, visando evitar qualquer perigo para a auto-reforma da ditadura, Golbery também maquinou maquavelicamente contra os nacionalistas, liderados por Leonel Brizola. Numa manobra aberta, visando evitar que estes também pudessem emergir como referência das massas, inviabilizou a formação do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) de Leonel Brizola e entregou a sigla para a governista Ivete Vargas, o que obrigou Brizola a formar um outro partido, o PDT.

Por que Golbery permitiu o surgimento do PT? Primeiro, porque sabia que o PT não representava um perigo para o regime capitalista, apesar da fraseologia esquerdista. Mesmo formado a partir das lutas operárias, desde o nascimento seus contatos internacionais eram com a social-democracia européia, que lhe concedeu vultosas verbas, em forma de bolsas para militantes e convênios para projetos políticos, de forma a que pudesse implantar sua organização e afastar dos comunistas qualquer possibilidade de influência junto aos trabalhadores. A social-democracia deslocou quadros da para o Brasil, visando assessorar na organização do PT, fortalecendo os vínculos políticos e econômicos. Com sua vasta experiência internacional na disputa com os comunistas, a social-democracia apostou no longo prazo e terminou conseguindo o que desejava.

Fundado em 1980, a partir de um determinado período, com a formação do Grupo dos 113, começa a se esboçar no PT um Núcleo Dirigente hegemônico, do qual fazia parte o próprio Lula, e que mais tarde passaria a ser conhecido por Articulação e atualmente Campo Majoritário. Este núcleo foi-se consolidando crescentemente a ampliando sua influência sobre o conjunto do Partido. A cada eleição procurava se diferenciar da esquerda do Partido, ampliar seus domínios sobre a máquina partidária e, muitas vezes, afastando tendências inteiras do interior do PT.

Á medida em que o PT ocupava importantes espaços políticos nas prefeituras e governos estaduais, também mudava sua prática orgânica em relação à militância e sua postura política como partido de esquerda. Assim, foi se tornando cada vez mais claro que o PT estava deixando de ser um partido da transformação — seu discurso inicial — para se transformar num partido da ordem. Abandonou a prática militante e buscou imitar os partidos tradicionais nos embates eleitorais, transformou-se num partido puramente eleitoreiro, construindo métodos de ação inteiramente atípicos às forças de esquerda [12] .

NOVO RUMO PROGRAMÁTICO E DEGENERAÇÃO

Os primeiros sintomas do apodrecimento da organização petista puderam ser sentidos com os esquemas de corrupção montados em Santo André e Ribeirão Preto, cidades administradas pelo PT, e que podem ser consideradas as pioneiras daquilo que viria a acontecer posteriormente em nível nacional. Esses esquemas municipais foram-se ampliando à medida em que o PT passava a comandar grandes cidades ou Estados. De esquemas municipais e estaduais estruturou-se o esquema nacional com a eleição de Lula em 2002.

Mesmo com todos esses problemas, alguns denunciados pela imprensa, o PT ainda era considerado o partido da ética, o campeão da moralidade no trato da coisa pública. Seus militantes de base se orgulhavam de ter uma organização que agia de modo diferente dos partidos tradicionais. Inovaram em vários pontos, como o orçamento participativo e a canalização de verbas públicas para os setores populares. Era o modo petista de governar.

Enquanto essa face pública era disseminada para a sociedade, nos bastidores a direção petista, especialmente o núcleo duro do chamado Campo Majoritário, procurava montar uma máquina eleitoral distanciada da militância, movida a dinheiro oriundo de doações legais e ilegais de grandes empresas e disposta a entrar no vale tudo pelas conquistas dos cargos públicos. O PT começava a perder a alma e a razão de ser. Entre as forças de esquerda já se comentava que em muitos locais o processo de corrupção das administrações petistas era muito semelhante aos das administrações tradicionais, mas jamais se imaginou que tivesse a dimensão que esta crise trouxe à tona.

Vale ressaltar ainda que o núcleo dirigente do Campo Majoritário, tanto nos Estados, quanto em nível nacional e na CUT, também se utilizou destes recursos para conquistar terreno no interior do partido e ampliar a hegemonia na luta contra as outras tendências do PT. Aquilo que era praticado externamente em função do jogo burguês, passou a prevalecer também na luta interna do PT. Os métodos externo e interno se confundiam plenamente e o Campo Majoritário passou a ditar completamente os rumos da política programática do PT.

Um elemento curioso nesta trajetória do discurso petista é o fato de que, quanto mais o PT aumentava sua influência social e política, mais abandonava as bandeiras programáticas históricas, em função de um pragmatismo avesso a qualquer princípio ou ideologia. De um discurso inicial que fazia até reverência a um indefinido socialismo futuro, o PT foi moderando seu programa e seu discurso até condensá-lo na Carta aos Brasileiros, divulgada no período imediatamente anterior às eleições, com o objetivo de garantir ao capital especulativo internacional que não haveria quebra dos contratos, nem rupturas que contrariasse os interesses do grande capital. Como forma de disfarçar sua essência conservadora, prometia algumas mudanças pontuais, que eram uma espécie de satisfação às bases internas e à esquerda que apoiava Lula.

A degeneração política e o abandono dos princípios programáticos vieram se somar, como se ficou sabendo agora, à degeneração pessoal, à corrupção individual. Esse vício degenerativo atingiu praticamente toda a cúpula do campo majoritário, com muitos obtendo bens pessoais que seus salários jamais poderiam amealhar. A cabeça do PT estava podre e a militância e a sociedade brasileira não sabiam. Os escândalos têm sido tão sórdidos que mesmo o adversário mais tenaz do PT dificilmente poderia imaginar a extensão da podridão. De uma hora para outra, aqueles dirigentes arrogantes e deslumbrados transformavam-se em escória da esquerda.

A NATUREZA DA DEGENERAÇÃO IDEOLÓGICA E PESSOAL

Quais os processos que levaram toda uma geração de líderes sindicais e políticos a degenerem-se dessa forma? Qual a natureza ideológica da degeneração? O PT ainda tem futuro na esquerda brasileira? Quais as possibilidades de construção de uma nova vanguarda revolucionária no País? Que ensinamentos os revolucionários brasileiros podem tirar destes dramáticos episódios envolvendo os principais dirigentes do Partido dos Trabalhadores? Estas são as questões que procuraremos refletir, ainda no calor dos acontecimentos, sem os desfechos definitivos da crise.

Antes de tudo, é necessário recordar que a tragédia que se abate sobre o PT, a nossa social-democracia retardatária, não é um fenômeno exclusivo brasileiro. A social-democracia no mundo inteiro viveu processo semelhante. Começou com a degeneração ideológica, expressa no rompimento com o marxismo, com a luta de classes; passou à degeneração política, com a gerência do neoliberalismo na Europa e, finalmente, chegou à degeneração pessoal, com a corrupção envolvendo os principais dirigentes sociais-democratas europeus. Os casos do Partido Socialista da Itália, do Partido Socialista Operário Espanhol, do Partido Socialista Francês, do Partido Social-Democrata Alemão, entre outros, são emblemáticos da postura social-democrata moderna.

É necessário um parêntese para compreendermos o papel que a social-democracia clássica e a social-democracia retardatária tiveram em suas respectivas épocas e países. Após a Segunda Guerra Mundial, a social-democracia clássica teve uma função importante na construção do Welfare State, o Estado do Bem Estar Social. Conquistou condições de vida dignas para os trabalhadores, incorporando parte da produtividade aos salários, e estruturou uma rede de proteção social expressiva, especialmente na Europa, tudo isso dentro de um pacto social estabelecido no contexto do Capitalismo Monopolista de Estado. Mas esse papel vai se esgotar com as mudanças qualitativa que ocorreram entre as frações do grande capital mundial.

A partir do final dos anos 70, operaram-se transformações de fundo no sistema de poder do capitalismo central, resultando numa uma enorme regressividade econômica e política. O setor mais reacionário das classes dominantes, ligados ao capital especulativo internacional, ocupou o poder político nestes países, especialmente nos EUA e Inglaterra, e a partir destes centros geopolíticos do poder mundial, subordinaram os outros segmentos do capital, impuseram a ideologia monetarista-neoliberal para o resto do mundo (fato que correspondeu à implantação de uma nova ordem econômica, política e social), e lançaram uma ofensiva contra direitos e garantias dos trabalhadores, numa espécie de vingança de classe.

Portanto, restou à social-democracia clássica um dilema de Sofia: a) sublevar-se contra a nova ordem, o que seria uma tarefa impensável, pois esta já havia aberto mão anteriormente de sua ossatura ideológica, ou b) adaptar-se à nova ordem, passando a ser uma gestora com face cor-de-rosa do neoliberalismo. Nesse contexto, a social-democracia clássica optou por eliminar de vez os últimos vestígios que a ligavam aos interesses dos trabalhadores, passando a ser um instrumento especial da nova ordem econômica internacional neoliberal.

No entanto, existe uma diferença especial entre a social-democracia clássica e a social-democracia retardatária brasileira. O processo de degeneração da social-democracia clássica levou mais de cem anos para se completar. Aqui no Brasil, exatamente por ser retardatária, o salto no escuro da social-democracia cabocla foi muito rápido: levou apenas 25 anos. Nesse período, a social-democracia retardatária não só não proporcionou vantagens econômicas e sociais para os trabalhadores, como ainda aprofundou o modelo neoliberal e anti-popular implantado no governo anterior do presidente Fernando Henrique Cardoso.

Praticou em larga escala a corrupção, não apenas no sentido de construir uma máquina eleitoral para se contrapor aos partidos então considerados tradicionais, mas no governo Lula amealhou parte desses recursos para corromper os partidos e parlamentares conservadores a votar em projetos de interesse das classes dominantes. Em outras palavras, pagou a direita para votar nos seus próprios projetos. Trata-se, evidentemente, de um caso singular de mimetismo às avessas.

A social-democracia retardatária brasileira também nasceu num espaço demográfico errado e num tempo errado. Primeiro, porque foi formada num país dependente, caracterizado pelo fato de que as classes dominantes, pela própria natureza da dependência, serem obrigadas a transferir parte do valor para os países centrais e, portanto, para compensar essa dependência, ampliam o processo de exploração dos trabalhadores [13] . Portanto, mesmo que seu projeto tivesse sido vitorioso nos tempos do pacto social do Welfare State a social-democracia retardatária dificilmente poderia proporcionar as mesmas benesses aos trabalhadores brasileiros que a social-democracia clássica proporcionou ao proletariado europeu.

Segundo, porque nasceu retardatariamente nos anos 80, quando o grande capital já tinha rompido o pacto social do Capitalismo Monopolista de Estado e avançava contra os direitos e garantias dos trabalhadores. Dessa forma, a social-democracia retardatária brasileira não poderia de forma alguma proporcionar melhores condições de vida para os trabalhadores, uma vez que seu limite histórico estava dado pelas novas condições do capital. Em outras palavras, a social-democracia retardatária não tinha mais as possibilidades históricas de amealhar migalhas para os trabalhadores em troca da paz social, porque o grande capital estava agora em outra fase, com outros interesses e, especialmente, em função da queda da âncora soviética, em condições de ditar as regras do jogo.

Além disso, a social-democracia brasileira, constituída ideologicamente, em sua grande maioria, por lideranças operárias despolitizadas ideologicamente, avessa ao estudo (o presidente Lula se orgulhava de nunca ter conseguido ler um livro inteiro) e ao marxismo, não tinha realmente capacidade teórica de construir um projeto de País nem de emancipação dos trabalhadores. No fogo da luta de classe, seus líderes constituíram o Partido Político, mas não conseguiram em tempo algum traçar um rumo de classe para esta organização. Enquanto as lutas sociais espontaneistas estavam em ascensão, o PT parecia realmente um instrumento dos trabalhadores, mas tão logo o movimento social entrou em refluxo o PT começou a dar mostra de sua insuficiência teórica e de perspectiva.

Influenciados pela social-democracia clássica a partir de dentro, a liderança do Partido dos Trabalhadores começou a perder o seu verniz de classe, elemento que era mascarado anteriormente em função da combatividade no período de ascenso das lutas espontâneas. Foram se adaptando às novas formas de vida dos gabinetes e da burocracia sindical e partidária, moldando o discurso político e buscando o jogo do poder pelo poder. De passo em passo passaram a reproduzir os mesmos vícios das elites dominantes, tanto internamente no PT quanto externamente no processo eleitoral. Ora, com uma trajetória dessa ordem, o destino do PT já estava escritos nas estrelas antes mesmo que a estrela começasse a se ofuscar.

Com o tempo, a conjuntura de sucessivos êxitos eleitorais do PT transformou essas lideranças em pessoas com enorme arrogância em relação aos outros partidos de esquerda, o que os cegava perante a necessidade de construção efetiva de um bloco de esquerda para realizar as transformações no País. Enquanto tratava a esquerda como políticos de segunda classe, costurava com desenvoltura alianças ao centro e à direita a cada nova eleição.

Imaginavam-se espertos o suficiente para tramar com a direita na lama e saírem limpos do processo. Subestimaram seus novos amigos e foram pegados com a boca na botija, denunciados pelos próprios novos aliados. Essas práticas, aliadas às facilidades do poder e à perspectiva de vantagens pessoais, além da falta de uma firmeza ideológica, transformaram-se no caldo de cultura que contribuiu para o apodrecimento desse Núcleo Dirigente e de muitos dos quadros médios enfronhados nas várias administrações pelo País a fora.

Num ambiente dessa ordem, como ter firmeza ideológica, se os militantes e quadros dirigentes já tinham perdido a perspectiva das transformações sociais estavam mais interessados no poder pelo poder, como forma de realização de projetos pessoais? Como resistir aos encantos da burguesia se as facilidades materiais estavam ao alcance da mão? Ora, para aqueles representantes da classe operária recém-chegados ao paraíso, foi uma tentação avassaladora.

Um aspecto doloroso que deve ser ressaltado é o fato de que a crise do PT, quer gostemos ou não, atinge de alguma forma todos os partidos de esquerda, mesmo aqueles que já estavam rompidos com este governo. Ao longo da história a esquerda pode ter cometido erros graves, mas nunca se envolveu em atos de corrupção ou coisa semelhante. Por isso, construiu uma aura de honestidade que era reconhecida até pelos inimigos de classe. Esta crise colocou uma mancha cinza num patrimônio que era orgulho de todos os militantes. No imaginário popular poderá prosperar a compreensão de que todos são iguais, o que pode ser estimulado pela própria direita para nivelar por baixo todas as forças políticas.

O dilaceramento do PT é o preço que este partido está pagando por ter trocado a ideologia dos trabalhadores e suas bandeiras históricas pelo pragmatismo; por ter trocado o trabalho militante pelo dinheiro fácil dos grandes empresários e pelo marketing político; por ter trocado o programa histórico de mudanças pelo concubinato com os banqueiros nacionais e internacionais; por ter trocado a bandeira histórica da reforma agrária pelo agro-negócio; por ter trocado a força dos movimentos sociais pela demagogia populista, expressa na fraseologia de mau gosto do presidente. Esse é o preço que está pago por ter vendido a alma ao diabo.

DILEMAS E PERSPECTIVAS

Que ensinamentos a esquerda revolucionária pode tirar desse episódio? A primeira lição a tirar da tragédia da social-democracia retardatária é o fato de que não se constrói nenhuma vanguarda operária fora do campo do marxismo e da ideologia proletária. Tentar uma construção fora desse espaço teórico é apostar na frustração e no fracasso político, como ficou demonstrado no Brasil.

A conseqüência dessa primeira constatação é o fato de que lideranças operárias, sem ideologia operária, terminam envolvidas pela ideologia das classes dominantes e passam a realizar, na prática, uma política contra a sua própria classe. E quando realizam a política da classe dominante, fazem-no com a autoridade de representantes dos trabalhadores, o que não só confunde os trabalhadores como torna mais difícil a luta contra a política que desenvolvem.

O domínio dos 25 anos da social-democracia retardatária contribuiu enormemente para a despolitização e o descrédito dos trabalhadores e da população em geral com relação à política. Nivelaram por baixo a educação popular e rebaixaram o discurso político aos atos de pragmatismo. Prestaram um grande desserviço à forças de esquerdas, que têm toda uma história ligadas à coerência e aos valores éticos, e contribuíram para que as forças de direita pudessem emergir dessa crise como paladinos da moralidade.

Se olharmos do ponto de vista dos milhares e milhares de lutadores sociais e políticos que se puseram em movimento com a ascensão das lutas operárias de 1978 em diante, o resultado global do desempenho desta social-democracia foi frustrante e pode retirar de cena muitos daqueles militantes menos preparados que acreditaram no PT e que se sentiram traídos com a crise atual. No entanto, os que permanecerem sairão mais fortalecidos desta crise e mais temperados para a luta política.

Em outras palavras, o desfecho da crise vai gerar uma enorme dispersão momentânea na militância petista, mas também haverá uma reorganização de forças num patamar superior, pois a trágica experiência do PT será por muito tempo um mau exemplo que não deverá ser seguido por nenhuma organização que queira realizar as transformações no Brasil. O tempo de incerteza também não será muito longo, pois a conjuntura nacional e os próprios trabalhadores irão reclamar uma nova vanguarda que responda às suas necessidades históricas. Portanto, mais uma vez está colocada no Brasil a questão da vanguarda revolucionária, como aconteceu em 1922 e 1980.

Se observarmos do ponto de vista mais global, poderemos avaliar que o neoliberalismo está em crise em todo mundo, por ter produzido uma regressividade social histórica nas relações capital-trabalho. Por isso mesmo, está sendo contestado em várias partes do mundo, especialmente na América Latina. Podemos dizer que esta região vive atualmente uma contra-ofensiva popular, após duas décadas de hegemonia neoliberal.

Esta contra-ofensiva não se expressa de maneira linear como pretende uma certa esquerda mecanicista. Em alguns momentos, toma a forma de insurreição popular, como as duas vezes em que ocorreu na Bolívia e no Equador e uma vez na Argentina; em outra ocasião se expressa no processo rico da revolução bolivariana, que se inicia com uma vitória eleitoral, se aprofunda com a reversão do golpe de direita e a derrota do lock out da PDVSA e amplia as possibilidades com o plebiscito revogatório e a radicalização do movimento de massas venezuelano; outras pela via puramente eleitoral, como a vitória de Lula no Brasil, período em que a população acreditara que este faria um governo de mudanças. Ou ainda na vitória de Kichner, na Argentina, ou Tabaré Vasquez, com a Frente Ampla Uruguaia.

Todos esses movimentos, respeitados os seus devidos graus de organização ou mobilização, fazem parte de um movimento maior de contra-ofensiva popular na região. A prova mais contundente desse processo é o fato de que o neoliberalismo perdeu a iniciativa política, não consegue mais o envolvimento manipulatório que conseguiu nos seus primeiros anos, quando o mercado se transformou num semideus, tanto para os setores mais pobres até os mais ricos da sociedade e o pensamento único ditava as regras de comportamento.

Nessa perspectiva, a crise do PT é também a crise do modelo neoliberal no Brasil, porque o Partido dos Trabalhadores consolidou e desenvolveu esta política, especialmente na área econômica. Vale lembrar que as massas votaram em Lula como contraposição à política neoliberal de Fernando Henrique Cardoso. Portanto se posicionaram pelas mudanças. Como o PT traiu o programa e o desejo de mudança dos trabalhadores, não resta outra alternativa ao movimento social do que buscar outra alternativa política.

Quais as possibilidades de reconstrução da vanguarda revolucionária no Brasil após a crise? Primeiro, é necessário analisar o destino do principal agente da crise, o Partido dos Trabalhadores. Em nossa opinião, o PT perdeu a legitimação e a autoridade política, enquanto possibilidade histórica. Não conseguirá mais representar os movimentos sociais que até então representara, nem se apresentar como reserva moral e ética, que era um patrimônio da esquerda, porque a crise lhe usurpou a aura e a alma enquanto organização dos trabalhadores. Seus dirigentes se nivelaram aos demais políticos tradicionais. Poderá até sobreviver como partido eleitoral, mas nunca mais como representante do proletariado brasileiro.

Essa análise nos leva à constatação de que os movimentos sociais ligados ao PT estão órfãos e agora tenderão a buscar novas alternativas políticas. Mesmo desorientados num primeiro momento, esses movimentos, que estavam de certa forma paralisados em função da chegada do PT ao governo, podem ganhar novas energias e emergir da letargia política com mais força e experiência de luta. Portanto, ao contrário do que se possa imaginar, está-se abrindo uma imensa avenida para o ascenso do movimento social e político no Brasil.

Vale ressaltar que as crises estão configuradas dentro da dialética social e política. Se por um lado provocam, como no caso do Brasil, um grande estrago no patrimônio da esquerda, por outro, abrem também enormes possibilidades para os lutadores sociais e políticos e para a construção de uma perspectiva revolucionária. Afinal, os tempos de calmaria são caracterizados por gerarem poucas novidades, enquanto as crises são as responsáveis pelas grandes mudanças. Todas as grandes transformações, todas as grandes mudanças foram gestadas nos períodos grandes crises.

Portanto, o momento está maduro para a reflexão e ousadia política. Torna-se mais do que necessário a elaboração de um projeto de nação, a ser construído por um novo bloco histórico de forças sociais e para um nova fase da esquerda no País, de forma a que possa colocar novamente o povo em movimento e resgatar a esperança de milhares e milhares de lutadores sociais e políticos, frustrados com o fazer político do Partido dos Trabalhadores. Esta é a tarefa de agora em diante: reagrupar as forças revolucionárias em torno de um partido que tenha capacidade de cumprir as tarefas da revolução brasileira.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

ANTUNES, R. A rebelião no Trabalho. São Paulo: Editora da Unicamp, 1992.
BANBIRRA , V. El Capitalismo Dependiente Latinoamericano. México: Siglo Veinte e Uno, 1976.
BATALHA, C. O movimento Operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 2000.
BOITO JR. A. et alli. O Sindicalismo Brasileiro nos Anos 80. São Paulo: Paz e Terra, 1991.
CARDOSO , F. H.; FALETTO , E. Dependência e Desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.
CARONE , E. O PCB – 1922-1943; O PCB – 1943-1964; O PCB – 1964-982. São Paulo: Difel, 1982.
COSTA, E. A Política Salarial no Brasil. São Paulo: Boitempo, 1998.
DOS SANTOS, T. Imperialismo e Dependência. México: Edições Era, 1978.
______________. Teoria da Dependência, Balanço e Perspectiva. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
DULLES, J. W. F. Anarquistas e Comunistas no Brasil 1900-1930. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977.
FONSECA , P. C. D. Vargas, o Capitalismo em Construção. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987.
GASPARI , E. A Ditadura Derrotada. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
KOVAL , B. História do Proletariado Brasileiro. São Paulo: Alfa Omega, 1982.
LOPES , C. L. E.; TRIGUEIROS, N. N. História do Movimento Sindical no Brasil. Mimeo, s/d.
MARINI, R. M. Dialética de la Mercancia e Teoria Del Valor. México: Editorial Universitaria Centroamericana, 1982.
MAZZEO, A.. C. As Tarefas Históricas da Esquerda Brasileira e o Partido dos Trabalhadores. Mimeo, 2004.
PARTIDO DOS TRABALHADORES . Resoluções de Encontros e congressos. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000.
PRADO JR. C . A revolução Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1966.
TELLES , J. O Movimento Sindical no Brasil. São Paulo: Ciências Humanas, 1981.
ZAIDAN FILHO , M. Comunistas em Céu Aberto – 1922-1930. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1989.

NOTAS
1- Para uma melhor compreensão do movimento anarquista no Brasil, consultar: DULLES, J. W F. Anarquistas e Comunistas no Brasil – 1900-1930. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977; KOVAL, B. História do Proletariado Brasileiro.São Paulo: Alfa Omega, 1982. BATALHA, C. O Movimento Operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 200.; LOPES; C. L. E.; TRIGUEIROS, N. N. História do Movimento Sindical no Brasil. São Paulo: Centro da Memória Sindical. Mimeo s/d; ZAIDAN FILHO, M. Comunistas em Céu Aberto –1922-1930. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1989.
2- Consultar KOVAL e DULLES, op. cit.
3- Um entendimento do período Vargas pode ser encontrado em: FONSECA, P. C. D. Vargas, o Capitalismo em Construção. São Paulo: Nova Fronteira, 1987.
4- Um balanço geral sobre o movimento sindical e o papel do PCB, entre 1948 e 1962, pode ser encontrado em: TELLES, J. O Movimento Sindical no Brasil. São Paulo: Ciências Humanas, 1981.
5- Um balanço geral da história do PCB e os principais documentos produzidos por esta organização podem ser encontrados na obra mais abrangente sobre o Partidão, publicada em 3 volumes, por ocasião do 60º aniversário de sua fundação, em: CARONE, Edgar. O PCB – 1922-1943; O PCB-1943-1964; O PCB-1964-1982. São Paulo: Difel, 1982.
6- Um relato bastante detalhado do período Geisel pode ser encontrado em: GASPARI, E. A Ditadura Derrotada. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
7- Depoimento de Lúcio Belantani, Secretário Político da Comitê de Empresa da Volkswagen, em 1995, para tese de doutorado do autor, posteriormente transformada em livro: COSTA, E. A Política Salarial no Brasil. São Paulo: Boitempo, 1998. A polícia política prendeu, ao longo de 1974, todos os militantes do PCB na empresa, após deter um de seus membros responsáveis e este não resistir à tortura e entregar outros companheiros. A partir da primeira detenção os militantes foram caindo um por um, inclusive o secretário político do PCB na empresa. Na década de 80, Balantani seria eleito coordenador da Comissão de Fábrica da Ford-Ipiranga, porém não militava mais no PCB.
8- MAZZEO, A. C. As tarefas históricas da esquerda brasileira e o Partido dos Trabalhadores. São Paulo: mimeo., 2004.
9- A linha política do PCB, de aliança coma burguesia, em função de uma suposta revolução nacional democrática, como primeira etapa para o socialismo, estava elaborada a partir de um diagnóstico de que o Brasil era um país com resquícios semi-feudais. Esta linha já vinha sendo contestada por vários militantes e por um dos mais brilhantes intelectuais do PCB: Caio Prado Jr, que em 1966 publicou sua famosa obra: A Revolução Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1966.
10- Em 1968 o governo derrotou as greves de Contagem e Osasco, esta última com enorme repercussão nacional, cujo desenlace foi a invasão da Cobrasma pelas forças militares. A partir daí o movimento operário passou por um grande período de refluxo.
11- Para uma compreensão mais abrangente do sindicalismo nos anos 80, consultar: ANTUNES, R. A Rebelião no Trabalho. São Paulo: Editora Unicamp, 1992; BOITO JR. et alli. O Sindicalismo Brasileiro nos anos 80. São Paulo, Paz e Terra, 1991.
12- Para entendermos a processo de transição do PT, consultar: Resoluções de Encontro e Congressos: 1979-1998. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000. Ver também Carta aos Brasileiros, 2002.
13- Para entender melhor a teoria da dependência do ponto de vista marxista, consultar: MARINI, R. M. Dialética de la Mercancia e Teoria del Valor. México: Editorial Universitária Centroamericana, 1982; DOS SANTOS, T. Imperialismo e Dependência. México: Edições Era, 1978; SANTOS, T. Teoria da Dependência, Balanço e Perspectiva. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. BANBIRRA, V. El Capitalismo Dependiente Latinoamericano. México: Siglo Veinte e Uno Editora1, 976. Para uma abordagem com outra vertente ideológica, ver: CARDOSO, F. H.; FALETTO, E. Dependência e Desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.

[*] Edmilson Costa é doutor em Economia pelo Instituto de Economia da Unicamp, com pós-doutorado no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da mesma instituição. É autor de Um Projeto para o Brasil (Tecno-Científica), A Política Salarial no Brasil (Boitempo Editorial), Imperialismo (Global Editora), além de vários ensaios publicados em revistas especializadas. É também membro do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro (PCB).

O autor agradece as críticas e sugestões de Sofia Manzano e Antônio Carlos Mazzeo, ressaltando que os mesmos não são responsáveis por eventuais erros ou omissões contidos neste trabalho.