sexta-feira, 28 de novembro de 2008

A tragédia da social-democracia retardatária no Brasil

Por Edmilson Costa [*]

E agora, José?
A festa acabou
a luz apagou
a noite esfriou
o povo sumiu
E agora, José?
Carlos Drumond de Andrade

A crise que o País e, especialmente, o Partido dos Trabalhadores, vem enfrentando enseja um debate aprofundado sobre o papel da esquerda no século XX e nestes primeiros anos do século XXI. Se não avaliarmos as raízes mais profundas da crise, não poderemos compreendê-la em sua plenitude e, muito menos, tirar as lições necessárias para uma retomada da luta social e da esquerda classista como referência revolucionária no Brasil. Em linhas gerais, a esquerda foi protagonista de três grandes momentos importantes da história do País:

O primeiro deles teve como atores principais os anarquistas, especialmente os imigrantes italianos, espanhóis e portugueses que vieram ao País no processo de transição entre a economia agro-exportadora e o início do processo industrial. Estes valorosos militantes propagandearam e desenvolveram a luta de classes, buscaram organizar os trabalhadores e chegaram a realizar uma greve geral em 1917, com relativo êxito [1] . Mas, a partir de 1922, com a formação do Partido Comunista Brasileiro (PCB), a influência dos anarquistas foi decrescendo, até mesmo porque muitos dos dirigentes anarquistas ajudaram a formar o Partidão.

A nova fase que se abre a partir de 1922 será caracterizada por uma hegemonia do PCB nos movimentos sociais, políticos e culturais do País, de modo que as outras organizações de esquerda, comparadas à influência dos comunistas, podem ser consideradas apenas residuais [2] , muito embora esse partido tenha se caracterizado ao longo de sua história por uma política de alianças com todas as forças progressistas.

Um dos aspectos singulares da trajetória do PCB, entre 1922 e 1975, começo de seu declínio político, foi a perseguição implacável das classes dominantes, tanto que esse partido viveu praticamente na clandestinidade durante toda a sua existência. Somente nos primeiros meses de fundação e, entre 1945 e 1947, pode desfrutar da legalidade política – o resto dos anos foram consumidos numa dura e tenaz luta clandestina – ao todo foram 60 anos de clandestinidade. Se levarmos em conta que o PCB só conquistou a legalidade em 1986, poderemos dizer que esta foi uma das organizações revolucionárias com maior tempo de clandestinidade na história do movimento revolucionário mundial.

Mas a repressão de 1974-75 (aliada à condução política equivocada do então Comitê Central desde o exílio, e mesmo após seu retorno, com a anistia em 1979) levaram o PCB a perder a influência no movimento social, permitindo assim o surgimento de uma nova geração de líderes operários, nascidos das lutas espontâneas de 1978-80, que posteriormente formariam o Partido dos Trabalhadores, organização que passaria a hegemonizar a luta social no Brasil por cerca de 25 anos.

O terceiro momento da esquerda brasileira começa com as lutas operárias em São Bernardo do Campo, que posteriormente se espalham pelo Brasil à fora, e se condensam politicamente com a formação do Partido dos Trabalhadores (PT), em 1980, e da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 1983. Essas lideranças e as lutas que desenvolveram deram aportes fundamentais para o enfraquecimento da ditadura militar e colocaram em movimento dezenas de milhares de lutadores sociais e políticos no País.

O PT se apresentava como uma organização renovada, distante dos métodos de organização dos comunistas, e com uma postura política aparentemente radical, à esquerda do PCB, ao mesmo tempo em que estrategicamente colocava o socialismo como referência programática, muito embora não explicitasse muito bem qual era exatamente o socialismo que queria, até mesmo porque nos primeiros anos de fundação a disputa pela hegemonia no PT era muito grande e tornava-se quase impossível chegar-se a um consenso em meio a uma colméia de tendências partidárias.

Portanto, a crise atual do Partido dos Trabalhadores marca o fim de uma era iniciada com as greves de São Bernardo. Qualquer desfecho que esta crise venha a ter, o PT não será mais o mesmo e nem terá mais a influência que teve junto aos movimento sociais. Poderá sobreviver até como uma organização tipicamente eleitoral, mas sem a aura que o norteou desde sua fundação.

Como sempre ocorre nos processos históricos, o movimento social não vai ficar esperando que o PT cure suas feridas, assim como não esperou que os anarquistas repensassem a estratégia para um Brasil transitando da fase agrária para a industrial e também não aguardou que o PCB refletisse melhor sobre o País na década de 70 e retificasse sua linha política. A história cobra um preço muito alto aos erros dos atores políticos e tanto o PT quanto seus aliados à esquerda, que amarraram seu destino ao destino do governo Lula, irão perder a influência política conquistado em passado recente.

No bojo dessa crise em curso, os trabalhadores saberão criar novas organizações sociais políticas para defender os seus interesses históricos e é exatamente esse o calcanhar de Aquiles da conjuntura que se desenha a partir de agora. A organização revolucionária que sintetizar teoricamente esse momento político, construir um projeto de País, inclusive compreendendo os novos fenômenos oriundos da globalização e dele tirando lições, será a nova porta-voz dos interesses dos trabalhadores.

ANTECEDENTES HISTÓRICOS

Pode-se dizer claramente que, de 1922 até 1975, quando a grande maioria dos militantes comunistas foram presos na Operação Jacarta , o Partido Comunista Brasileiro foi a força hegemônica da esquerda nacional, não apenas na arena política mas, principalmente, nos movimentos sociais e culturais. Comandou as principais batalhas da luta de classes da história do proletariado brasileiro do período, sofreu duras derrotas e obteve conquistas históricas, a grande maioria ainda hoje presente na sociedade brasileira. Como diria o poeta Ferreira Goulart, um antigo militante comunista, quem contar a história do Brasil e de seus heróis e não falar do PCB estará falseando a história.

Neste mais meio século de lutas, praticamente todas as conquistas dos trabalhadores foram influenciadas pela luta dos comunistas e muitas vezes seus militantes pagaram com a vida a ousadia de lutar contra o sistema capitalista. Se fizermos uma trajetória sumária poderemos dizer que já na década de 20 o PCB estava na vanguarda da luta pela industrialização do País, fato que se tornou realidade com a revolução de 1930.

A própria década de 30 vai encontrar um Partido Comunista influenciando a luta pela legalização dos sindicatos, pela conquista da jornada de oito horas e do descanso semanal remunerado, as férias de 30 dias, salário mínimo, e um conjunto de direitos posteriormente sistematizados na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ressalte-se que muitas dessas bandeiras de luta já eram reivindicadas por socialistas e anarquistas no período anterior ao surgimento do PCB, mas só se concretizaram após a luta organizada do PCB. [3] Muitos argumentam que estas conquistas foram uma dádiva de Getúlio Vargas, mas isso não corresponde à verdade, pois Vargas apenas chancelou velhas reivindicações dos trabalhadores, de forma a que não fosse ultrapassado pelo movimento de massas.

A criação da primeira central sindical do País - a Confederação Geral do Trabalho do Brasil, em 1929, foi um esforço do PCB, da mesma forma que também foi o incentivador da criação da segunda grande central dos trabalhadores - o Comando Geral dos Trabalhadores – o histórico CGT, junto com seus aliados do antigo PTB, na época um partido progressista. Na luta pelas reformas de base, com João Goulart na Presidência, lá estava novamente o PCB na linha de frente pelas transformações do País. Nesse período, os trabalhadores alcançaram uma de suas maiores conquistas, o 13º salário, fruto de uma greve geral comandada pelo CGT, cuja maioria era formada por dirigentes sindicais comunistas [4] .

Se avaliarmos ainda por outro ângulo, o da cultura, o PCB também tem uma trajetória bastante expressiva na frente cultural. Muitos dos fundadores da Semana da Arte Moderna foram militantes do PCB, como e Osvald de Andrade, Patrícia Galvão, a Pagu, para falar dos mais conhecidos. Na pintura contou com os traços marcantes de Cândido Portinari e na música com militantes dedicados como Nora Ney, Jorge Goulart ou compositores como Paulo da Portela e Mario Lago. Na literatura, também foram militantes do PCB Jorge Amado, Graciliano Ramos, Rui Facó, Eneida, entre outros grandes nomes da literatura. O PCB também foi um dos grandes incentivadores do CPC da UNE, um dos maiores movimentos culturais do País, que revelou grandes nomes da música, literatura, teatro, entre outros.

Mas recentemente, podemos dizer que a dramaturgia brasileira e, mesmo a teledramaturgia, foi profundamente influenciada pelos autores comunistas, tais como Vianinha, Paulo Pontes, Dias Gomes e Gianfrancesco Guarnieri. Também no cinema foram militantes do PCB João Batista de Andrade e Leon Hirzmann. Todo esse patrimônio de lutas, conquistas e formação da cultura brasileira representaram um patrimônio não apenas do PCB, mas de toda a população brasileira [5] .

Mas em 1974-75, como já constatamos, o PCB sofreu uma ofensiva terrorista da ditadura militar: milhares de comunistas foram presos ou torturados neste período e o DOI-CODI matou na tortura um terço do Comitê Central (CC), o que fez com que o restante CC fosse obrigado a se exilar. Quando as lutas populares emergiram em 1978, com a greve da Scania, o PCB estava na cadeia e sua direção no exterior. A militância que foi solta estava vigiada e os novos militantes não tinham a experiência suficiente para compreender aquele momento político, nem força política para dar uma direção revolucionária ao Partido, até mesmo porque, desde o exterior, a direção trabalhava em outra perspectiva [6] .

A ditadura militar foi científica na luta contra o PCB: diante do chamado processo de abertura lenta, segura e gradual que o regime buscava implementar era necessário liquidar o Partidão a qualquer preço, nem que para isso se utilizasse métodos semelhantes aos dos nazistas. O ódio do regime militar ao Partidão era explicado por duas circunstâncias básicas:

Primeiro, porque naquele período (1974-75) o Partido era a única organização que estava ainda praticamente intacta no País e, portanto, era também a única que podia desenvolver um combate efetivo contra a ditadura, até porque sua linha política de reunir amplas forças patrióticas e democráticas na luta contra a ditadura tinha sido vitoriosa: o PCB teve papel importante na organização do então Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e na vitória eleitoral de 1974, quando a ditadura foi derrotada para o Senado em 16 Estados. Ou seja, a palavra de ordem de acumular forças no movimento de massas para desgastar e, posteriormente, golpear a ditadura estava se mostrando correta.

Segundo, porque a repressão matou exatamente os quadros do Comitê Central com maior clareza da situação do País, justamente aqueles mais comprometidos com uma política de classe. Portanto, era questão de sobrevivência política da ditadura militar a destruição do PCB – daí a ferocidade repressiva, onde esses companheiros do Comitê Central não apenas foram mortos, mas esquartejados e os corpos escondidos para que o povo nunca reverenciasse sua memória. Foi um verdadeiro massacre: matou-se desde o presidente da União da Juventude Comunista (UJC), José Montenegro de Lima, que coordenava os esforços para a construção de uma UNE de massas, até membros de Comitês Estaduais e do Comitê Militar do Partido.

Para se ter uma idéia da força do PCB até aquele período, mesmo enfrentando a mais dura clandestinidade, é necessário dizer que o partido distribuía todo mês, na Volks, a maior empresa do País, em 1973, 300 jornais Voz Operária, o tablóide clandestino do Partido, e tinha 150 militantes em praticamente todas as seções da empresa, além de militantes nas grandes metalúrgicas da região [7] . O PCB dirigia ainda Centros Acadêmicos nas grandes universidades e até a Caixa Beneficiente da Polícia Militar de São Paulo, cujo oficial responsável foi assassinado na tortura. Praticamente todos os militantes do Partido, em todo o País, foram presos, entre 1974-75. É muito raro encontrar algum militante daquele período que não tenha passado pelas prisões da ditadura.

Portanto, o movimento social que começa a tomar fôlego com as lutas por reposições salariais, em função da falsificação dos dados estatísticos da inflação de 1973, pelo então ministro Delfim Neto, encontra a militância do PCB na cadeia ou intensamente marcada e vigiada pela repressão. Mesmo quando o PCB ganhava alguma eleição sindical, o governo impedia que a chapa assumisse o sindicato. Este foi o caso de Frei Chico (irmão mais velho de Lula e militante do PCB), que ganhou por duas vezes o Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano e não pode assumir. Esta situação se tornaria mais grave em função das divergências políticas que atingiram o Comitê Central no exílio. A repressão obtivera êxito em afastar o PCB do movimento de massas – Golbery podia considerar-se vitorioso.

Com a anistia, em 1979, a direção do Partido volta ao País já envolta numa dura luta interna entre o secretário geral, Luis Carlos Prestes, e o restante do Comitê Central. Reproduzia-se no interior do Partido a questão do eurocomunismo, um debate que era travado nos partidos comunistas europeus, especialmente no Partido Comunista Italiano, organização que influenciou enormemente o antigo Comitê Central. A derrota interna de Prestes e seu afastamento do Partido consolidou uma linha política que rebaixou a atuação histórica do PCB.

Em vez de incentivar o recrudescimento da luta operária e direcioná-la na luta contra a ditadura, o Comitê Central privilegiava a luta pela democracia, sob o pretexto de que o acirramento da luta dos trabalhadores poderia levar a um retrocesso no País. Não compreendia que a conjuntura tinha mudado e que agora a classe operária irrompia no processo político disposta a se impor enquanto sujeito político.

“As mobilizações operárias deslocam a base da luta contra a ditadura, relevando uma dimensão que vai para além do mero patamar politicista, incorporando, em sua crítica, outros elementos componentes da estrutura da forma-Estado militar-bonapartista, fundamentalmente, sua base econômica. Dentro dessa visão, o significado das reivindicações imediatas aparecem somente como elemento epifenomênico: além das exigências de aumento salarial, liberdade e autonomia sindical, o fundamento das greves articula-se em torno de dois fatores nodais: o questionamento da base econômica e à superestrutura jurídico-política do bonapartismo … O movimento operário, desse modo, distanciava-se, de um lado, de quem continuava a política de frente ampla — no âmbito da esquerda, o PCB —, quando aquela forma de luta encontrava-se exaurida, já que o núcleo que sustentava a forma-Estado militar-bonapartista está em pleno processo de esfacelamento” [8] .

O Comitê Central, influenciado por um debate tipicamente europeu, pensava mecanicamente e não conseguia combinar a luta democrática com a luta operária. Estava também aferrado a uma concepção etapista da revolução brasileira e a uma aliança com setores da burguesia nacional, como meio para alcançar o socialismo. Foi um erro fatal: o PCB desligou-se do movimento social e se tornou uma organização residual no cenário político do País. No entanto, mesmo levando-se em conta as prisões, torturas e assassinatos, o principal responsável pelo fracasso político do Partido foi sua direção, que conduziu a organização para um rumo diverso do que apontava a luta de classe naquele período [9] .

Se o Comitê Central tivesse apontado em outra direção, haveria condições para que o Partido, mesmo fragilizado, disputasse com outras forças a condução do processo social e político no País. Afinal, faziam parte do CC quadros históricos do movimento operário, muitos deles integrantes da direção do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT). Ora, com uma linha política correta e com a experiência acumulada nos combates do passado, esses dirigentes tinham condições de disputar os rumos do movimento social no País.

AS GREVES E O NOVO MOVIMENTO OPERÁRIO

Enquanto o PCB se digladiava com sua própria sombra, o que estava ocorrendo efetivamente na luta de classes do País? A classe operária, que vinha acumulando forças desde as derrotas das greves de 1968 [10] , entra em cena e passa a comandar a luta contra a ditadura. O movimento operário, iniciado em São Bernardo do Campo, se espalha para todo o Brasil como um rastilho de pólvora [11] , o que demonstra claramente que a situação estava madura para as lutas operárias de massas. Portanto, não tinha sentido se privilegiar a luta democrática pelo alto em contraposição à luta operária desde a base.

Mas o movimento operário que nasce das lutas de São Bernardo e do resto do País tinha uma característica muito acentuada de espontaneidade. A grande maioria de sua liderança não tivera vínculo com as lutas históricas do proletariado brasileiro. Portanto, não estava testada nas batalhas de classe, não tinha a ideologia vinculada à classe operária nem ao marxismo. Eram operários combativos, honestos, mas sem ideologia, apenas com um forte sentimento de justiça social.

Além disso, por falta de tradição, era uma liderança operária avessa ao estudo e às tradições de classe. Eram os anti-filhos do modelo econômico da ditadura, mas não poderiam significar sua antítese, se não se envolvessem com a ideologia proletária. Tornaram-se basicamente uma vanguarda sindical, com os limites e impossibilidades do próprio movimento sindical.

Além disso, um outro fator político também contribuiu para que não se gestasse no País uma liderança operária classista e ideológica. Muitos agrupamentos políticos e religiosos se aproximaram do movimento operário em ascensão e buscaram confrontá-lo com o Partido Comunista Brasileiro, transformando o PCB num inimigo dos trabalhadores, num bombeiro da luta de classe, num entulho a ser removido da vida política brasileira.

Valia tudo para alijá-lo do movimento social: a calúnia, o envenenamento anti-comunista das novas gerações de lutadores e até mesmo a falsificação da história. Procurava-se espertamente varrer da memória tudo aquilo que tinha sido feito no passado, afinal não era bom que as novas gerações soubessem que o PCB estava por trás das maiores batalhas e conquistas dos trabalhadores até então. Por isso, construíram uma “nova história”, na qual o movimento operário teria começado com as greves em São Bernardo do Campo. Negando a história, terminaram negando-se também e, ao negar-se, não construíram raízes, passaram a flutuar ideologicamente.

O terreno era fértil para esse discurso e, muitas vezes, o próprio PCB, com sua política equivocada, contribuiu para que essas falsificações vicejassem entre aquelas lideranças inexperientes, deslumbradas com seu próprio êxito e aduladas pela pequena burguesia radicalizada. Para os alpinistas revolucionários, escolados na derrota recente ou no gueto, a carona do movimento operário era um momento especial de se vingar do velho Partidão, com o qual todos tinham profundas divergências políticas ou ideológicas. Essa visão era funcional, pois retirava de cena o principal protagonista das lutas operárias no Brasil.

Quem eram os personagens que tanto influenciaram as novas gerações de lideranças operárias surgidas com as greves de São Bernardo? Fundamentalmente, os agrupamentos políticos que pegaram carona no movimento operário e depois fundaram o PT e Central Ùnica dos Trabalhadores (CUT) eram constituídos, de um lado, por militantes trotskistas, que sempre carregaram consigo o complexo de pigmeu e agora viam a possibilidade de crescer organicamente e ajustar as contas com o PCB; de outro, velhos camaradas sobreviventes da luta armada, que saíram magoados com o Partido porque este não os acompanhou na decisão de seguir esta forma de luta.; Ah! tinha ainda a esquerda católica, representada pelas Comunidades Eclesiais de Base, que praticava sorrateiramente o anticomunismo com ares de esquerda e terceiro-mundista. Por último, não se pode deixar de falar nos setores da pequena burguesia radicalizada que encontraram no PT um instrumento especial para exorcizar a sua má consciência.

Entretanto, ao analisarmos objetivamente o comportamento desses agrupamentos políticos ou religiosos não se pode deixar de levar em conta que eram também companheiros que, apesar de posição anti-PCB, estavam sinceramente querendo impulsionar a luta de classes e organizar os trabalhadores, muitos até desejavam o socialismo como horizonte do povo brasileiro. Na ânsia de dirigir o proletariado esqueceram-se das lições do passado e formaram uma geração de lideranças operárias desossadas ideologicamente, despreparadas para os embates classistas e, conseqüentemente, frágeis ideologicamente, portanto permeáveis aos encantamentos do sistema burguês. Era uma tragédia anunciada, que se consumou muito antes do que se esperava.

A FORMAÇÃO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES

Para compreendermos o momento da formação do PT é necessário avaliarmos a situação política do País naquele período, início dos anos 80. A ditadura vivia os seus estertores e não tinha mais condições de tomar nenhuma iniciativa política. Estava na defensiva e com o tempo contado. A luta operária desmantelara todo o arcabouço montado pelo regime, enquanto a luta democrática avançava crescentemente, contribuindo para isolar e golpear a ditadura. Como a derrota já era um dado da realidade, o estrategista do regime, general Golbery do Couto e Silva, buscou uma forma de fazer com que o colapso do regime não significasse o colapso do sistema e a emergência dos comunistas como força política, afinal foram eles que traçaram a estratégia vitoriosa de luta contra a ditadura e isso não poderia ser reconhecido pela população.

Vale ressaltar que o PCB era um fantasma que atormentava cotidianamente a imaginação do general Golbery. Ele pensava estrategicamente e sabia que o Partidão era um inimigo estratégico, aquele contra o qual não deveria haver vacilação – que o diga o massacre de 1974-75 no governo Geisel, quando Golbery era a eminência parda do regime Por isso, com a proximidade da democratização era necessário impedir novamente que o Partidão surgisse com alternativa para a esquerda no Brasil. Nesse sentido, é sintomático que ele tenha possibilitado a legalização do Partido dos Trabalhadores e mantido o PCB na clandestinidade.

Além disso, visando evitar qualquer perigo para a auto-reforma da ditadura, Golbery também maquinou maquavelicamente contra os nacionalistas, liderados por Leonel Brizola. Numa manobra aberta, visando evitar que estes também pudessem emergir como referência das massas, inviabilizou a formação do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) de Leonel Brizola e entregou a sigla para a governista Ivete Vargas, o que obrigou Brizola a formar um outro partido, o PDT.

Por que Golbery permitiu o surgimento do PT? Primeiro, porque sabia que o PT não representava um perigo para o regime capitalista, apesar da fraseologia esquerdista. Mesmo formado a partir das lutas operárias, desde o nascimento seus contatos internacionais eram com a social-democracia européia, que lhe concedeu vultosas verbas, em forma de bolsas para militantes e convênios para projetos políticos, de forma a que pudesse implantar sua organização e afastar dos comunistas qualquer possibilidade de influência junto aos trabalhadores. A social-democracia deslocou quadros da para o Brasil, visando assessorar na organização do PT, fortalecendo os vínculos políticos e econômicos. Com sua vasta experiência internacional na disputa com os comunistas, a social-democracia apostou no longo prazo e terminou conseguindo o que desejava.

Fundado em 1980, a partir de um determinado período, com a formação do Grupo dos 113, começa a se esboçar no PT um Núcleo Dirigente hegemônico, do qual fazia parte o próprio Lula, e que mais tarde passaria a ser conhecido por Articulação e atualmente Campo Majoritário. Este núcleo foi-se consolidando crescentemente a ampliando sua influência sobre o conjunto do Partido. A cada eleição procurava se diferenciar da esquerda do Partido, ampliar seus domínios sobre a máquina partidária e, muitas vezes, afastando tendências inteiras do interior do PT.

Á medida em que o PT ocupava importantes espaços políticos nas prefeituras e governos estaduais, também mudava sua prática orgânica em relação à militância e sua postura política como partido de esquerda. Assim, foi se tornando cada vez mais claro que o PT estava deixando de ser um partido da transformação — seu discurso inicial — para se transformar num partido da ordem. Abandonou a prática militante e buscou imitar os partidos tradicionais nos embates eleitorais, transformou-se num partido puramente eleitoreiro, construindo métodos de ação inteiramente atípicos às forças de esquerda [12] .

NOVO RUMO PROGRAMÁTICO E DEGENERAÇÃO

Os primeiros sintomas do apodrecimento da organização petista puderam ser sentidos com os esquemas de corrupção montados em Santo André e Ribeirão Preto, cidades administradas pelo PT, e que podem ser consideradas as pioneiras daquilo que viria a acontecer posteriormente em nível nacional. Esses esquemas municipais foram-se ampliando à medida em que o PT passava a comandar grandes cidades ou Estados. De esquemas municipais e estaduais estruturou-se o esquema nacional com a eleição de Lula em 2002.

Mesmo com todos esses problemas, alguns denunciados pela imprensa, o PT ainda era considerado o partido da ética, o campeão da moralidade no trato da coisa pública. Seus militantes de base se orgulhavam de ter uma organização que agia de modo diferente dos partidos tradicionais. Inovaram em vários pontos, como o orçamento participativo e a canalização de verbas públicas para os setores populares. Era o modo petista de governar.

Enquanto essa face pública era disseminada para a sociedade, nos bastidores a direção petista, especialmente o núcleo duro do chamado Campo Majoritário, procurava montar uma máquina eleitoral distanciada da militância, movida a dinheiro oriundo de doações legais e ilegais de grandes empresas e disposta a entrar no vale tudo pelas conquistas dos cargos públicos. O PT começava a perder a alma e a razão de ser. Entre as forças de esquerda já se comentava que em muitos locais o processo de corrupção das administrações petistas era muito semelhante aos das administrações tradicionais, mas jamais se imaginou que tivesse a dimensão que esta crise trouxe à tona.

Vale ressaltar ainda que o núcleo dirigente do Campo Majoritário, tanto nos Estados, quanto em nível nacional e na CUT, também se utilizou destes recursos para conquistar terreno no interior do partido e ampliar a hegemonia na luta contra as outras tendências do PT. Aquilo que era praticado externamente em função do jogo burguês, passou a prevalecer também na luta interna do PT. Os métodos externo e interno se confundiam plenamente e o Campo Majoritário passou a ditar completamente os rumos da política programática do PT.

Um elemento curioso nesta trajetória do discurso petista é o fato de que, quanto mais o PT aumentava sua influência social e política, mais abandonava as bandeiras programáticas históricas, em função de um pragmatismo avesso a qualquer princípio ou ideologia. De um discurso inicial que fazia até reverência a um indefinido socialismo futuro, o PT foi moderando seu programa e seu discurso até condensá-lo na Carta aos Brasileiros, divulgada no período imediatamente anterior às eleições, com o objetivo de garantir ao capital especulativo internacional que não haveria quebra dos contratos, nem rupturas que contrariasse os interesses do grande capital. Como forma de disfarçar sua essência conservadora, prometia algumas mudanças pontuais, que eram uma espécie de satisfação às bases internas e à esquerda que apoiava Lula.

A degeneração política e o abandono dos princípios programáticos vieram se somar, como se ficou sabendo agora, à degeneração pessoal, à corrupção individual. Esse vício degenerativo atingiu praticamente toda a cúpula do campo majoritário, com muitos obtendo bens pessoais que seus salários jamais poderiam amealhar. A cabeça do PT estava podre e a militância e a sociedade brasileira não sabiam. Os escândalos têm sido tão sórdidos que mesmo o adversário mais tenaz do PT dificilmente poderia imaginar a extensão da podridão. De uma hora para outra, aqueles dirigentes arrogantes e deslumbrados transformavam-se em escória da esquerda.

A NATUREZA DA DEGENERAÇÃO IDEOLÓGICA E PESSOAL

Quais os processos que levaram toda uma geração de líderes sindicais e políticos a degenerem-se dessa forma? Qual a natureza ideológica da degeneração? O PT ainda tem futuro na esquerda brasileira? Quais as possibilidades de construção de uma nova vanguarda revolucionária no País? Que ensinamentos os revolucionários brasileiros podem tirar destes dramáticos episódios envolvendo os principais dirigentes do Partido dos Trabalhadores? Estas são as questões que procuraremos refletir, ainda no calor dos acontecimentos, sem os desfechos definitivos da crise.

Antes de tudo, é necessário recordar que a tragédia que se abate sobre o PT, a nossa social-democracia retardatária, não é um fenômeno exclusivo brasileiro. A social-democracia no mundo inteiro viveu processo semelhante. Começou com a degeneração ideológica, expressa no rompimento com o marxismo, com a luta de classes; passou à degeneração política, com a gerência do neoliberalismo na Europa e, finalmente, chegou à degeneração pessoal, com a corrupção envolvendo os principais dirigentes sociais-democratas europeus. Os casos do Partido Socialista da Itália, do Partido Socialista Operário Espanhol, do Partido Socialista Francês, do Partido Social-Democrata Alemão, entre outros, são emblemáticos da postura social-democrata moderna.

É necessário um parêntese para compreendermos o papel que a social-democracia clássica e a social-democracia retardatária tiveram em suas respectivas épocas e países. Após a Segunda Guerra Mundial, a social-democracia clássica teve uma função importante na construção do Welfare State, o Estado do Bem Estar Social. Conquistou condições de vida dignas para os trabalhadores, incorporando parte da produtividade aos salários, e estruturou uma rede de proteção social expressiva, especialmente na Europa, tudo isso dentro de um pacto social estabelecido no contexto do Capitalismo Monopolista de Estado. Mas esse papel vai se esgotar com as mudanças qualitativa que ocorreram entre as frações do grande capital mundial.

A partir do final dos anos 70, operaram-se transformações de fundo no sistema de poder do capitalismo central, resultando numa uma enorme regressividade econômica e política. O setor mais reacionário das classes dominantes, ligados ao capital especulativo internacional, ocupou o poder político nestes países, especialmente nos EUA e Inglaterra, e a partir destes centros geopolíticos do poder mundial, subordinaram os outros segmentos do capital, impuseram a ideologia monetarista-neoliberal para o resto do mundo (fato que correspondeu à implantação de uma nova ordem econômica, política e social), e lançaram uma ofensiva contra direitos e garantias dos trabalhadores, numa espécie de vingança de classe.

Portanto, restou à social-democracia clássica um dilema de Sofia: a) sublevar-se contra a nova ordem, o que seria uma tarefa impensável, pois esta já havia aberto mão anteriormente de sua ossatura ideológica, ou b) adaptar-se à nova ordem, passando a ser uma gestora com face cor-de-rosa do neoliberalismo. Nesse contexto, a social-democracia clássica optou por eliminar de vez os últimos vestígios que a ligavam aos interesses dos trabalhadores, passando a ser um instrumento especial da nova ordem econômica internacional neoliberal.

No entanto, existe uma diferença especial entre a social-democracia clássica e a social-democracia retardatária brasileira. O processo de degeneração da social-democracia clássica levou mais de cem anos para se completar. Aqui no Brasil, exatamente por ser retardatária, o salto no escuro da social-democracia cabocla foi muito rápido: levou apenas 25 anos. Nesse período, a social-democracia retardatária não só não proporcionou vantagens econômicas e sociais para os trabalhadores, como ainda aprofundou o modelo neoliberal e anti-popular implantado no governo anterior do presidente Fernando Henrique Cardoso.

Praticou em larga escala a corrupção, não apenas no sentido de construir uma máquina eleitoral para se contrapor aos partidos então considerados tradicionais, mas no governo Lula amealhou parte desses recursos para corromper os partidos e parlamentares conservadores a votar em projetos de interesse das classes dominantes. Em outras palavras, pagou a direita para votar nos seus próprios projetos. Trata-se, evidentemente, de um caso singular de mimetismo às avessas.

A social-democracia retardatária brasileira também nasceu num espaço demográfico errado e num tempo errado. Primeiro, porque foi formada num país dependente, caracterizado pelo fato de que as classes dominantes, pela própria natureza da dependência, serem obrigadas a transferir parte do valor para os países centrais e, portanto, para compensar essa dependência, ampliam o processo de exploração dos trabalhadores [13] . Portanto, mesmo que seu projeto tivesse sido vitorioso nos tempos do pacto social do Welfare State a social-democracia retardatária dificilmente poderia proporcionar as mesmas benesses aos trabalhadores brasileiros que a social-democracia clássica proporcionou ao proletariado europeu.

Segundo, porque nasceu retardatariamente nos anos 80, quando o grande capital já tinha rompido o pacto social do Capitalismo Monopolista de Estado e avançava contra os direitos e garantias dos trabalhadores. Dessa forma, a social-democracia retardatária brasileira não poderia de forma alguma proporcionar melhores condições de vida para os trabalhadores, uma vez que seu limite histórico estava dado pelas novas condições do capital. Em outras palavras, a social-democracia retardatária não tinha mais as possibilidades históricas de amealhar migalhas para os trabalhadores em troca da paz social, porque o grande capital estava agora em outra fase, com outros interesses e, especialmente, em função da queda da âncora soviética, em condições de ditar as regras do jogo.

Além disso, a social-democracia brasileira, constituída ideologicamente, em sua grande maioria, por lideranças operárias despolitizadas ideologicamente, avessa ao estudo (o presidente Lula se orgulhava de nunca ter conseguido ler um livro inteiro) e ao marxismo, não tinha realmente capacidade teórica de construir um projeto de País nem de emancipação dos trabalhadores. No fogo da luta de classe, seus líderes constituíram o Partido Político, mas não conseguiram em tempo algum traçar um rumo de classe para esta organização. Enquanto as lutas sociais espontaneistas estavam em ascensão, o PT parecia realmente um instrumento dos trabalhadores, mas tão logo o movimento social entrou em refluxo o PT começou a dar mostra de sua insuficiência teórica e de perspectiva.

Influenciados pela social-democracia clássica a partir de dentro, a liderança do Partido dos Trabalhadores começou a perder o seu verniz de classe, elemento que era mascarado anteriormente em função da combatividade no período de ascenso das lutas espontâneas. Foram se adaptando às novas formas de vida dos gabinetes e da burocracia sindical e partidária, moldando o discurso político e buscando o jogo do poder pelo poder. De passo em passo passaram a reproduzir os mesmos vícios das elites dominantes, tanto internamente no PT quanto externamente no processo eleitoral. Ora, com uma trajetória dessa ordem, o destino do PT já estava escritos nas estrelas antes mesmo que a estrela começasse a se ofuscar.

Com o tempo, a conjuntura de sucessivos êxitos eleitorais do PT transformou essas lideranças em pessoas com enorme arrogância em relação aos outros partidos de esquerda, o que os cegava perante a necessidade de construção efetiva de um bloco de esquerda para realizar as transformações no País. Enquanto tratava a esquerda como políticos de segunda classe, costurava com desenvoltura alianças ao centro e à direita a cada nova eleição.

Imaginavam-se espertos o suficiente para tramar com a direita na lama e saírem limpos do processo. Subestimaram seus novos amigos e foram pegados com a boca na botija, denunciados pelos próprios novos aliados. Essas práticas, aliadas às facilidades do poder e à perspectiva de vantagens pessoais, além da falta de uma firmeza ideológica, transformaram-se no caldo de cultura que contribuiu para o apodrecimento desse Núcleo Dirigente e de muitos dos quadros médios enfronhados nas várias administrações pelo País a fora.

Num ambiente dessa ordem, como ter firmeza ideológica, se os militantes e quadros dirigentes já tinham perdido a perspectiva das transformações sociais estavam mais interessados no poder pelo poder, como forma de realização de projetos pessoais? Como resistir aos encantos da burguesia se as facilidades materiais estavam ao alcance da mão? Ora, para aqueles representantes da classe operária recém-chegados ao paraíso, foi uma tentação avassaladora.

Um aspecto doloroso que deve ser ressaltado é o fato de que a crise do PT, quer gostemos ou não, atinge de alguma forma todos os partidos de esquerda, mesmo aqueles que já estavam rompidos com este governo. Ao longo da história a esquerda pode ter cometido erros graves, mas nunca se envolveu em atos de corrupção ou coisa semelhante. Por isso, construiu uma aura de honestidade que era reconhecida até pelos inimigos de classe. Esta crise colocou uma mancha cinza num patrimônio que era orgulho de todos os militantes. No imaginário popular poderá prosperar a compreensão de que todos são iguais, o que pode ser estimulado pela própria direita para nivelar por baixo todas as forças políticas.

O dilaceramento do PT é o preço que este partido está pagando por ter trocado a ideologia dos trabalhadores e suas bandeiras históricas pelo pragmatismo; por ter trocado o trabalho militante pelo dinheiro fácil dos grandes empresários e pelo marketing político; por ter trocado o programa histórico de mudanças pelo concubinato com os banqueiros nacionais e internacionais; por ter trocado a bandeira histórica da reforma agrária pelo agro-negócio; por ter trocado a força dos movimentos sociais pela demagogia populista, expressa na fraseologia de mau gosto do presidente. Esse é o preço que está pago por ter vendido a alma ao diabo.

DILEMAS E PERSPECTIVAS

Que ensinamentos a esquerda revolucionária pode tirar desse episódio? A primeira lição a tirar da tragédia da social-democracia retardatária é o fato de que não se constrói nenhuma vanguarda operária fora do campo do marxismo e da ideologia proletária. Tentar uma construção fora desse espaço teórico é apostar na frustração e no fracasso político, como ficou demonstrado no Brasil.

A conseqüência dessa primeira constatação é o fato de que lideranças operárias, sem ideologia operária, terminam envolvidas pela ideologia das classes dominantes e passam a realizar, na prática, uma política contra a sua própria classe. E quando realizam a política da classe dominante, fazem-no com a autoridade de representantes dos trabalhadores, o que não só confunde os trabalhadores como torna mais difícil a luta contra a política que desenvolvem.

O domínio dos 25 anos da social-democracia retardatária contribuiu enormemente para a despolitização e o descrédito dos trabalhadores e da população em geral com relação à política. Nivelaram por baixo a educação popular e rebaixaram o discurso político aos atos de pragmatismo. Prestaram um grande desserviço à forças de esquerdas, que têm toda uma história ligadas à coerência e aos valores éticos, e contribuíram para que as forças de direita pudessem emergir dessa crise como paladinos da moralidade.

Se olharmos do ponto de vista dos milhares e milhares de lutadores sociais e políticos que se puseram em movimento com a ascensão das lutas operárias de 1978 em diante, o resultado global do desempenho desta social-democracia foi frustrante e pode retirar de cena muitos daqueles militantes menos preparados que acreditaram no PT e que se sentiram traídos com a crise atual. No entanto, os que permanecerem sairão mais fortalecidos desta crise e mais temperados para a luta política.

Em outras palavras, o desfecho da crise vai gerar uma enorme dispersão momentânea na militância petista, mas também haverá uma reorganização de forças num patamar superior, pois a trágica experiência do PT será por muito tempo um mau exemplo que não deverá ser seguido por nenhuma organização que queira realizar as transformações no Brasil. O tempo de incerteza também não será muito longo, pois a conjuntura nacional e os próprios trabalhadores irão reclamar uma nova vanguarda que responda às suas necessidades históricas. Portanto, mais uma vez está colocada no Brasil a questão da vanguarda revolucionária, como aconteceu em 1922 e 1980.

Se observarmos do ponto de vista mais global, poderemos avaliar que o neoliberalismo está em crise em todo mundo, por ter produzido uma regressividade social histórica nas relações capital-trabalho. Por isso mesmo, está sendo contestado em várias partes do mundo, especialmente na América Latina. Podemos dizer que esta região vive atualmente uma contra-ofensiva popular, após duas décadas de hegemonia neoliberal.

Esta contra-ofensiva não se expressa de maneira linear como pretende uma certa esquerda mecanicista. Em alguns momentos, toma a forma de insurreição popular, como as duas vezes em que ocorreu na Bolívia e no Equador e uma vez na Argentina; em outra ocasião se expressa no processo rico da revolução bolivariana, que se inicia com uma vitória eleitoral, se aprofunda com a reversão do golpe de direita e a derrota do lock out da PDVSA e amplia as possibilidades com o plebiscito revogatório e a radicalização do movimento de massas venezuelano; outras pela via puramente eleitoral, como a vitória de Lula no Brasil, período em que a população acreditara que este faria um governo de mudanças. Ou ainda na vitória de Kichner, na Argentina, ou Tabaré Vasquez, com a Frente Ampla Uruguaia.

Todos esses movimentos, respeitados os seus devidos graus de organização ou mobilização, fazem parte de um movimento maior de contra-ofensiva popular na região. A prova mais contundente desse processo é o fato de que o neoliberalismo perdeu a iniciativa política, não consegue mais o envolvimento manipulatório que conseguiu nos seus primeiros anos, quando o mercado se transformou num semideus, tanto para os setores mais pobres até os mais ricos da sociedade e o pensamento único ditava as regras de comportamento.

Nessa perspectiva, a crise do PT é também a crise do modelo neoliberal no Brasil, porque o Partido dos Trabalhadores consolidou e desenvolveu esta política, especialmente na área econômica. Vale lembrar que as massas votaram em Lula como contraposição à política neoliberal de Fernando Henrique Cardoso. Portanto se posicionaram pelas mudanças. Como o PT traiu o programa e o desejo de mudança dos trabalhadores, não resta outra alternativa ao movimento social do que buscar outra alternativa política.

Quais as possibilidades de reconstrução da vanguarda revolucionária no Brasil após a crise? Primeiro, é necessário analisar o destino do principal agente da crise, o Partido dos Trabalhadores. Em nossa opinião, o PT perdeu a legitimação e a autoridade política, enquanto possibilidade histórica. Não conseguirá mais representar os movimentos sociais que até então representara, nem se apresentar como reserva moral e ética, que era um patrimônio da esquerda, porque a crise lhe usurpou a aura e a alma enquanto organização dos trabalhadores. Seus dirigentes se nivelaram aos demais políticos tradicionais. Poderá até sobreviver como partido eleitoral, mas nunca mais como representante do proletariado brasileiro.

Essa análise nos leva à constatação de que os movimentos sociais ligados ao PT estão órfãos e agora tenderão a buscar novas alternativas políticas. Mesmo desorientados num primeiro momento, esses movimentos, que estavam de certa forma paralisados em função da chegada do PT ao governo, podem ganhar novas energias e emergir da letargia política com mais força e experiência de luta. Portanto, ao contrário do que se possa imaginar, está-se abrindo uma imensa avenida para o ascenso do movimento social e político no Brasil.

Vale ressaltar que as crises estão configuradas dentro da dialética social e política. Se por um lado provocam, como no caso do Brasil, um grande estrago no patrimônio da esquerda, por outro, abrem também enormes possibilidades para os lutadores sociais e políticos e para a construção de uma perspectiva revolucionária. Afinal, os tempos de calmaria são caracterizados por gerarem poucas novidades, enquanto as crises são as responsáveis pelas grandes mudanças. Todas as grandes transformações, todas as grandes mudanças foram gestadas nos períodos grandes crises.

Portanto, o momento está maduro para a reflexão e ousadia política. Torna-se mais do que necessário a elaboração de um projeto de nação, a ser construído por um novo bloco histórico de forças sociais e para um nova fase da esquerda no País, de forma a que possa colocar novamente o povo em movimento e resgatar a esperança de milhares e milhares de lutadores sociais e políticos, frustrados com o fazer político do Partido dos Trabalhadores. Esta é a tarefa de agora em diante: reagrupar as forças revolucionárias em torno de um partido que tenha capacidade de cumprir as tarefas da revolução brasileira.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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NOTAS
1- Para uma melhor compreensão do movimento anarquista no Brasil, consultar: DULLES, J. W F. Anarquistas e Comunistas no Brasil – 1900-1930. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977; KOVAL, B. História do Proletariado Brasileiro.São Paulo: Alfa Omega, 1982. BATALHA, C. O Movimento Operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 200.; LOPES; C. L. E.; TRIGUEIROS, N. N. História do Movimento Sindical no Brasil. São Paulo: Centro da Memória Sindical. Mimeo s/d; ZAIDAN FILHO, M. Comunistas em Céu Aberto –1922-1930. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1989.
2- Consultar KOVAL e DULLES, op. cit.
3- Um entendimento do período Vargas pode ser encontrado em: FONSECA, P. C. D. Vargas, o Capitalismo em Construção. São Paulo: Nova Fronteira, 1987.
4- Um balanço geral sobre o movimento sindical e o papel do PCB, entre 1948 e 1962, pode ser encontrado em: TELLES, J. O Movimento Sindical no Brasil. São Paulo: Ciências Humanas, 1981.
5- Um balanço geral da história do PCB e os principais documentos produzidos por esta organização podem ser encontrados na obra mais abrangente sobre o Partidão, publicada em 3 volumes, por ocasião do 60º aniversário de sua fundação, em: CARONE, Edgar. O PCB – 1922-1943; O PCB-1943-1964; O PCB-1964-1982. São Paulo: Difel, 1982.
6- Um relato bastante detalhado do período Geisel pode ser encontrado em: GASPARI, E. A Ditadura Derrotada. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
7- Depoimento de Lúcio Belantani, Secretário Político da Comitê de Empresa da Volkswagen, em 1995, para tese de doutorado do autor, posteriormente transformada em livro: COSTA, E. A Política Salarial no Brasil. São Paulo: Boitempo, 1998. A polícia política prendeu, ao longo de 1974, todos os militantes do PCB na empresa, após deter um de seus membros responsáveis e este não resistir à tortura e entregar outros companheiros. A partir da primeira detenção os militantes foram caindo um por um, inclusive o secretário político do PCB na empresa. Na década de 80, Balantani seria eleito coordenador da Comissão de Fábrica da Ford-Ipiranga, porém não militava mais no PCB.
8- MAZZEO, A. C. As tarefas históricas da esquerda brasileira e o Partido dos Trabalhadores. São Paulo: mimeo., 2004.
9- A linha política do PCB, de aliança coma burguesia, em função de uma suposta revolução nacional democrática, como primeira etapa para o socialismo, estava elaborada a partir de um diagnóstico de que o Brasil era um país com resquícios semi-feudais. Esta linha já vinha sendo contestada por vários militantes e por um dos mais brilhantes intelectuais do PCB: Caio Prado Jr, que em 1966 publicou sua famosa obra: A Revolução Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1966.
10- Em 1968 o governo derrotou as greves de Contagem e Osasco, esta última com enorme repercussão nacional, cujo desenlace foi a invasão da Cobrasma pelas forças militares. A partir daí o movimento operário passou por um grande período de refluxo.
11- Para uma compreensão mais abrangente do sindicalismo nos anos 80, consultar: ANTUNES, R. A Rebelião no Trabalho. São Paulo: Editora Unicamp, 1992; BOITO JR. et alli. O Sindicalismo Brasileiro nos anos 80. São Paulo, Paz e Terra, 1991.
12- Para entendermos a processo de transição do PT, consultar: Resoluções de Encontro e Congressos: 1979-1998. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000. Ver também Carta aos Brasileiros, 2002.
13- Para entender melhor a teoria da dependência do ponto de vista marxista, consultar: MARINI, R. M. Dialética de la Mercancia e Teoria del Valor. México: Editorial Universitária Centroamericana, 1982; DOS SANTOS, T. Imperialismo e Dependência. México: Edições Era, 1978; SANTOS, T. Teoria da Dependência, Balanço e Perspectiva. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. BANBIRRA, V. El Capitalismo Dependiente Latinoamericano. México: Siglo Veinte e Uno Editora1, 976. Para uma abordagem com outra vertente ideológica, ver: CARDOSO, F. H.; FALETTO, E. Dependência e Desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.

[*] Edmilson Costa é doutor em Economia pelo Instituto de Economia da Unicamp, com pós-doutorado no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da mesma instituição. É autor de Um Projeto para o Brasil (Tecno-Científica), A Política Salarial no Brasil (Boitempo Editorial), Imperialismo (Global Editora), além de vários ensaios publicados em revistas especializadas. É também membro do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro (PCB).

O autor agradece as críticas e sugestões de Sofia Manzano e Antônio Carlos Mazzeo, ressaltando que os mesmos não são responsáveis por eventuais erros ou omissões contidos neste trabalho.


segunda-feira, 24 de novembro de 2008

PROLETÁRIOS DE TODO O MUNDO, UNI-VOS!

Pronunciamento de Ivan Pinheiro, Secretário Geral do PCB, em nome do Partido, no X Encontro Mundial de Partidos Comunistas e Operários

Camaradas e Camaradas:

O PCB saúda os comunistas do mundo todo.

Estamos em casa. Não por estarmos no Brasil. Nosso país é o mundo. Estamos em casa, porque o lugar do Partido Comunista Brasileiro é o movimento comunista internacional. Fundado sob a influência da Revolução Russa, o PCB se orgulha de ter sido solidário ao Partido Comunista da União Soviética - em que pesem algumas diferenças e críticas - até a derrocada das experiências de construção do socialismo no leste europeu. Há 50 anos nos solidarizamos com a gloriosa Revolução Cubana. O movimento comunista internacional contou e conta com o nosso Partido, nas vitórias e derrotas, nos erros e acertos.

Este Encontro não poderia ocorrer em momento mais oportuno: a mais grave crise da história do capitalismo bate às portas da humanidade, anunciando várias conseqüências negativas para o proletariado.

Para tentar sair da crise, o capital não pensa duas vezes ao saquear os cofres públicos para salvar banqueiros e oligopólios; não vacilará um minuto em atacar ainda mais os salários, os direitos sociais e trabalhistas, além de diminuir a qualidade de serviços públicos; não tergiversará um só instante ao aprofundar a exploração e a barbárie, sem se importar com o agravamento da fome e da miséria; não titubeará em recorrer a mais guerras e agressões militares nem em recrudescer a criminalização e a repressão aos movimentos sociais e às organizações populares e revolucionárias.

Esta crise, apesar de seus elementos estruturais, não é necessariamente, por si só, a crise final do capitalismo, que não cairá de podre. Mas, dialeticamente, poderá criar as condições - com o provável acirramento da luta de classes em âmbito mundial – para colocar em relevo o protagonismo do proletariado e, a depender de certos fatores, influenciar positivamente a correlação de forças, abrindo possibilidades para o avanço da luta pela superação do capitalismo, na perspectiva do socialismo.

O papel dos comunistas e o grau de sua unidade de ação e de inserção nos movimentos de massa serão decisivos, nessa difícil conjuntura que vamos enfrentar.

A crise enterra as ilusões dos que pretenderam humanizar o capitalismo. Não há mais espaço também, no capitalismo cada vez mais globalizado, para ilusões nacional-desenvolvimentistas, baseadas em alianças dos trabalhadores com as chamadas burguesias nacionais.

Cada vez mais se acentuará no mundo a contradição entre o capital e o trabalho. Não apenas nos países desenvolvidos ou emergentes, como é o caso do Brasil, que é parte subordinada do imperialismo. É só olhar para países pouco desenvolvidos, como a Bolívia e a Venezuela, para entender a ilusão de alianças com as burguesias nacionais. Vejam a violência da burguesia boliviana, diante de uma revolução que não é socialista, mas ainda democrática e cultural, e o ódio que nutre a burguesia venezuelana frente à revolução bolivariana.

No estágio atual do capitalismo, e sobretudo em decorrência de sua profunda crise, se evidenciará cada vez mais a centralidade do trabalho. Estão sendo jogados no lixo da história todos os mitos construídos pelo neoliberalismo, como o "estado mínimo", o "livre-mercado" e o "fim da classe operária".

Ao contrário do que dizem os profetas do fim da história e os reformistas, o proletariado aumenta no mundo, em quantidade e qualidade. Nos países desenvolvidos, apesar da atual fragilidade e fragmentação do movimento operário e sindical, há grandes possibilidades de a luta de classe se intensificar.

Isto não significa subestimar as lutas dos povos de países periféricos. A América Latina, por exemplo, continuará sendo um importante palco de luta contra o capital, onde processos importantes de mudanças sociais procuram articular-se em torno da ALBA, em contraposição às frações imperialistas que disputam a hegemonia de mercados e riquezas naturais da região, inclusive setores monopolistas da burguesia brasileira.

Na América Latina, há uma questão que deve merecer a atenção solidária dos comunistas do mundo todo: a derrota do estado paramilitar e terrorista da Colômbia é parte da luta para fortalecer a defesa de Cuba Socialista e aprofundar os processos mudancistas na Venezuela, no Equador, na Bolívia e, possivelmente, no Paraguai e em outros países.

Na Colômbia, nossos esforços devem estar concentrados na busca de uma paz democrática, com justiça social e econômica, como acaba de conceituar o XX Congresso do Partido Comunista Colombiano. Além de nossa solidariedade irrestrita a este heróico Partido - que enfrenta de peito aberto a violência do terrorismo de Estado - não podemos colaborar, por omissão, com a satanização e criminalização de organizações políticas insurgentes, como as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Até porque não temos o direito de escolher as formas de luta de cada povo.

O mesmo vale para organizações insurgentes de outros países. O imperialismo precisa derrotá-las, para que não sirvam de exemplo. Não podemos esquecer que não são convencionais, mas insurgentes, as forças que resistem ao imperialismo na Palestina, no Iraque e no Afeganistão. Dependendo dos desdobramentos da crise do capitalismo, nenhuma forma de luta poderá ser descartada.

Propomos que nos somemos aos esforços que vêm sendo feitos pela intelectualidade colombiana e o Secretariado das FARC, através de cartas públicas. Pensamos que a nova carta que está sendo preparada pelos intelectuais, em resposta à sinalização construtiva da organização insurgente, não deve ter como destinatários apenas o povo e os atores locais.

Para forçar o governo fascista de Uribe a reconhecer o conteúdo político, econômico e social do conflito colombiano, devemos lutar para que a UNASUR chame para si a iniciativa de viabilizar o início de um processo de negociação política, como fez para evitar o acirramento do conflito boliviano, que também tem características de violência política. Uribe não poderá desconhecer o papel da UNASUR na solução de conflitos, nem alegar ingerência, pois compareceu pessoalmente à reunião deste organismo, em Santiago, para tratar da Bolívia.

Finalmente, camaradas, o PCB considera que, mesmo expressando a vontade majoritária do povo estadunidense por mudanças, o advento do governo Obama não mudará a essência do imperialismo ianque, sobretudo na política externa. O imperialismo se valerá desta mudança de fachada para iludir os povos e tentar afastá-los da necessária luta para enfrentar os efeitos da crise do capitalismo e para construir o socialismo.

Camaradas:

Mais cedo do que imaginamos e do que desejavam nossos inimigos, nossos Partidos estão voltando a ter vigência e atualidade.

Este Encontro precisa dar passos seguros para estreitar os laços entre nossos Partidos e a unidade de ação dos revolucionários, no âmbito mundial. A nossa responsabilidade aumenta, a partir de agora.

Outro mundo é necessário!

Vivam os Partidos Comunistas e Operários!

Viva o internacionalismo proletário!

Proletários de todo o mundo, uni-vos!

São Paulo, 22 de novembro de 2008

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Obama não trará as mudanças que o povo estadunidense e o mundo precisam:




As eleições e a responsabilidade do intelectual para com a verdade - por James Petras.

As eleições presidenciais nos EUA, mais uma vez, apresentam um teste ácido para a integridade e a coerência dos intelectuais estado-unidenses. Se o dever e a responsabilidade do intelectual público é dizer a verdade ao poder, as recentes declarações da maior parte dos nossos bem conhecidos e prestigiados sábios públicos fracassaram miseravelmente. Aos invés de destacar, revelar e denunciar as reaccionárias políticas externa e interna do candidato do Partido Democrata, senador Barack Obama, eles preferiram apoiá-lo, "criticamente", apresentando como desculpas que mesmo "diferenças limitadas" podem resultar em resultados positivos, e que "Obama é o mal menor" e "cria uma oportunidade para uma possibilidade de mudança".

O que faz estes argumentos indefensáveis é o facto de os pronunciamentos públicos de Obama, seus principais conselheiros políticos, e prováveis decisores políticos no seu governo, definirem abertamente uma política externa mais belicosa e uma política económica interna profundamente reaccionária alinhada com Paulson-Bush-Wall Street. Quanto às grandes questões da guerra, da paz, da crise económica e do ataque brutal aos salários e à classe assalariada estado-unidense, Obama promete estender e aprofundar as políticas que a maioria dos americanos rejeita e repudia.

Doze razões para rejeitar Obama

1- Obama pública e reiteradamente promete escalar a intervenção militar dos EUA nos Afeganistão, aumentando o número das tropas estado-unidenses, expandindo as suas operações e empenhando-se em sistemáticos ataques trans-fronteiriços. Por outras palavras, Obama é mais fomentador da guerra do que Bush.

2- Obama declarou publicamente que o seu regime estendera a "guerra contra o terrorismo" através sistemáticos ataques em grande escala, por terra e por ar, ao Paquistão, portanto escalando a guerra para incluir aldeias e cidades consideradas simpáticas à resistência afegã.

3- Obama opõe-se à retirada das tropas estado-unidenses no Iraque preferindo a sua redisposição; a relocalização das tropas dos EUA das zonas de combate para posições de treino e logística, condicionada à capacidade militar do exército iraquiano para derrotar a resistência. Obama opõe-se a uma data claramente definida para a retirada das forças estado-unidenses no Iraque porque estas tropas são essenciais para prosseguir suas políticas gerais no Médio Oriente, as quais incluem confrontações militares com o Irão, Síria e Sul do Líbano.

4- Obama declarou seu apoio incondicional à posição do lobby pró Israel e às políticas de expansionismo colonial e belicosas do estado judeu. Ele prometeu apoiar ataques militares israelenses seja qual for o custo para os EUA. O seu abjecto servilismo a Israel foi evidente no seu discurso na conferência anual da AIPAC, em Washington, 2008. Conselheiros principais que têm antigas e notórias ligações aos escalões de topo das fábricas de propaganda sionista e aos presidentes da Leading Jewish American Organizations escreveram o discurso e formularam a sua política para o Médio Oriente.

5- Obama prometeu atacar o Irão se este continuar a processar urânio para os seus programas nucleares. Por duas vezes, poucas semanas antes das eleições, o candidato companheiro de Obama, Joseph Biden, explicou uma série de "pontos de conflito" (incluindo Irão, Afeganistão, Paquistão, Rússia e Coreia do Norte) enfatizando que Obama "responderia vigorosamente". Entre os conselheiros senior de Obama para o Médio Oriente incluem-se sionistas importantes como Dennis Ross, estreitamente ligado ao "Bipartisan Policy Center", o qual publicou um relatório que serve como um plano para a guerra contra o Irão. A oferta de Obama para negociar com o Irão é pouco mais do que um pretexto para a emissão de uma ultimatum ao Irão para abdicar da sua soberania ou enfrentar um assalto militar maciço.

6. Obama apoia incondicionalmente a expulsão de palestinos cometida por Israel e a expansão de colonatos judeus na Cisjordânia, a principal causa da hostilidade, guerra e descrédito da política estado-unidense na Médio Oriente. Com três dúzias de "Israel em primeiro lugar" (Israel-Firsters) entre os principais organizadores da sua campanha, conselheiros políticos de topo, redactores de discursos e entre os prováveis candidatos para posições ministeriais, não há virtualmente nenhuma esperança de "influenciar a partir de dentro" ou de "aplicar pressão popular" para mudar a servil submissão de Obama à Configuração do Poder Sionista. Ao apoiar Obama, os "intelectuais progressistas" são, com efeito, aliados dos seus mentores sionistas.

7- Na frente interna, os conselheiros económicos chave de Obama têm credenciais da Wall Street impecáveis. Ele deu endosso cego e imediato ao salvamento de US$700 mil milhões com dinheiro dos contribuintes, do secretário do Tesouro Paulson, aos mais ricos bancos de investimento dos EUA. Obama sequer desafiou Paulson ou os bancos quanto à utilização dos fundos federais para buyouts e aquisições ao invés de serem usados para empréstimos e créditos a produtores e proprietários de casas. O endosso de Obama ao salvamento de Paulson e da Wall Street é equivalente às suas misérrimas propostas para suspender arrestos por um período de três meses, durante as re-negociações dos pagamentos de juros. Obama propõe aumentar as transferências de fundos do governo para instituições financeiras mal administradas e corporações capitalistas em bancarrota, em esforços para salvar o capitalismo fracassado ao invés de defender quaisquer novos programas de investimento público em grande escala e a longo prazo os quais gerariam empregos bem pagos para os trabalhadores.

8- A equipe económica de Obama declarou abertamente abraçar e praticar a ideologia do "mercado livre" e a sua oposição a qualquer esforço para aplicar injecções de fundos governamentais em grande escala em actividade produtivos do sector público e em serviços sociais diante do fracasso generalizado, a corrupção e o colapso do sector privado.

9- Obama abraça os fracassados planos de saúde do sector privado, dirigidos e controlados por companhias corporativas de seguros, médicos conservadores, associações de hospitais e a grande indústria farmacêutica. Ele rejeita publicamente um programa universal nacional de saúde modelado de acordo o bem sucedido programa Federal Medicare, preferindo os ineficientes planos privados lucrativos subsidiados pelo estado que são custosos e para além dos meios de um terço das famílias dos EUA.

10- Obama é e continua a ser um advogado da Big Agro e do seus altamente subsidiados e lucrativo programa etanol, o qual aumentou os preços dos alimentos para milhões nos EUA e para centenas de milhões no mundo.

11- Obama advoga a continuidade do embargo criminoso contra Cuba, a confrontação hostil contra o populista presidente Chávez da Venezuela e outros reformadores da América Latina e a política dúplice de promover o proteccionismo internamente e o acesso ao livre mercado na América Latina. Seus conselheiros políticos chave sobre a América Latina propõem mudanças cosméticas no estilo e na diplomacia mas um apoio implacável para a reafirmação da hegemonia dos EUA.

12- Obama não propôs, nem tão pouco seus conselheiros de livre mercado e os multimilionários das finanças que o apoiam, qualquer plano abrangente ou estratégia para escaparmos ao aprofundamento da recessão. Ao contrário, o rol de medidas fragmentárias apresentadas por Obama não têm consistência interna. A austeridade fiscal é incompatível com a criação de empregos; o salvamento da Wall Street drena fundos do investimento produtivo; e prosseguir novas guerra mina a recuperação interna.

CONCLUSÃO

Os intelectuais que, em nome do "realismo", apoiam um político que pública e abertamente abraça novas guerras, salvamentos multimilionários e programas de saúde dirigidos pelo sector privado, para o lucro, estão a repudiar as suas próprias afirmações de serem "críticos responsáveis". Eles são o que C. Wright Mills chamava "realistas da corda" ("crackpot realists"), que abdicam da sua responsabilidade como intelectuais críticos. Tendo em vista apoiar o "mal menor" eles estão a promover o "mal maior". A continuação de mais quatro anos de aprofundamento da recessão, de guerras coloniais e de alienação popular. Além disso, eles são aliados dos mass media, grandes partidos e do sistema legal que marginalizou ou excluiu sem rodeios os candidatos alternativos, Ralph Nader e Cynthia McKinney , que falam abertamente em oposição à guerra e aos salvamentos da Wall Street, propondo investimento genuíno em grande escala na economia interna, um programa universal de saúde com pagamento por um único fundo (single payer), políticas sustentáveis e pró ambiente, e políticas em grande escala e a longo prazo de redistribuição do rendimento.

O que é obtuso e inaceitável na argumentação destes intelectuais (uma espinha insignificante no traseiro do burro democrata) é que por um instante acreditam que o seu "apoio crítico" à máquina política de Obama abrirá espaço para ideias radicais. Os sionistas e militaristas civis controlam totalmente a política de guerra de Obama no Médio Oriente: Não haverá espaço para a paz com o Irão, Palestina, Paquistão, Afeganistão ou Iraque. A Wall Street controla a política financeira de Obama: Não haverá espaço para alguns progressistas de Cambridge darem uma esmola para as famílias que estão a perder as suas casas.

Se tesourarias sindicais multimilionárias gastaram uma centena de milhão de dólares em cada campanha presidencial, o que não garantiu uma única peça de legislação progressista em mais de 50 anos, não será ilusório os nossos progressistas "intelectuais públicos" imaginarem, no seu esplêndido isolamento, poderem "pressionar" o presidente Obama a renunciar aos seus conselheiros, apoiantes e à defesa pública da escalada militar a fim de seguirem o caminho da paz com o Irão e promoverem a justiça social para os nossos trabalhadores e desempregados?
30/Outubro/2008

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