sexta-feira, 29 de junho de 2012

Camarada Herzog, presente!



Nesta quarta-feira, 27 de junho, o militante do PCB Valdimir Herzog completaria 75 anos se vivo fosse. Assassinado pela ditadura em 1975, sua morte - como a do operário metalúrgico Manoel Fiel Filho, também militante do PCB - marcaram profundamente a sociedade brasileira e foram determinantes para levar ao público as torturas e assassinatos que ocorriam nos porões da ditadura.

Reproduzimos abaixo matéria escrita em 2005 pelo jornalista Celso Miranda sobre como se deu a morte de Herzog e suas consequências para a vida política brasileira, além de uma carta divulgada na última semana por seu então colega de trabalho e camarada de Partido, Paulo Markun, endereçada a Vladimir.

Vladimir Herzog: Mataram o Vlado

Celso Miranda - 01/10/2005

Há 30 anos, a morte do jornalista Vladimir Herzog em um quartel do exército em São Paulo escancarou para o Brasil os porões da ditadura militar. Causou a mobilização inédita da sociedade contra a tortura, encurralou o governo geisel e acelerou o processo de abertura política

Vladimir acordou mais cedo que de costume no sábado, 25 de outubro de 1975. Fez a barba, tomou banho e se despediu da mulher Clarice, ainda na cama, com um beijo. Ela quis se levantar e preparar o café, ele disse para não se preocupar, que no caminho pararia em um bar e tomaria café com leite. Vlado chegou ao número 1 030 da rua Tomás Carvalhal, no bairro do Paraíso, em São Paulo, perto das 9h. No prédio de muros altos guardados por sentinelas armados, onde funcionava o Destacamento de Operações Internas - Comando Operacional de Informações do 2º Exército, o DOI-CODI, Vlado entrou pela porta da frente. Disse ao atendente seu nome completo, sua profissão e o número de seu RG. Informou que na noite anterior, por volta das 21h30, dois homens que se identificaram como agentes de segurança do Exército o tinham procurado na TV Cultura, onde trabalhava, e que, para não ser detido, se comprometera a se apresentar ali no dia seguinte. E assim o fizera. Depois disso se pôs a esperar, sentado em um dos bancos de madeira que margeavam o largo corredor que levava a uma porta fechada de aço e vidro. Minutos depois, quando foi levado para interrogatório, ele permanecia tranqüilo.

O Brasil de 1975 não parecia ser um lugar em que um jornalista com emprego fixo e endereço conhecido, casado e pai de dois filhos, devesse se preocupar com a própria segurança. Mas era. Em março de 1974, o general Ernesto Geisel assumira a presidência com a promessa de promover a abertura do regime ditatorial. A palavra usada na época era “distensão” e significava aliviar a censura, investigar denúncias de tortura e aumentar a participação da sociedade civil na política. A ditadura light de Geisel, porém, encontrou duas contrariedades. Primeiro a derrota do partido do governo, a Arena, nas eleições para a Câmara e o Senado. Em novembro, o oposicionista MDB fizera 16 dos 22 senadores e 160 das 364 cadeiras da Câmara. Depois, o impacto da crise do petróleo, que colocava fim aos anos do milagre, quando a economia brasileira cresceu mais de 5% ao ano.

Nos bastidores da política dominada pelos quartéis, esse cenário despertou o medo da chamada linha dura do regime. Gente que via qualquer oposição como subversão e que combatia qualquer subversão com violência, tortura e assassinato. Gente que se apoiava no CIE – Centro de Inteligência do Exército – e encontrava nos DOIs espalhados pelo país guarida para atividades ilegais e violentas. Gente que preferia o inferno à “distensão” e ao que ela representava. Em menor ou maior grau, essa gente viveu nos porões da ditadura e, dependendo da ocasião e do apoio oportunista de políticos e militares às suas práticas, teve menor ou maior influência sobre o governo. Foi maior entre 1969 e 1973, depois da publicação do AI-5, quando o combate ao terrorismo e focos de guerrilha os alçaram à linha de frente do regime. Foi menor em 1974, quando Geisel assumiu. Entre outubro de 1969 e dezembro de 1973, 2 mil pessoas passaram pelo DOI-CODI em São Paulo: 502 reclamaram de tortura e pelo menos 40 foram assassinadas. Em 1974, apenas uma foi presa.

Em 1975, porém, a repressão estava de volta. “Sem terroristas para caçar e com o guerrilha do Araguaia devolvida ao silêncio da floresta, o Centro de Informações do Exército avançou contra o Partido Comunista”, diz o jornalista Elio Gaspari, autor de A Ditadura Encurralada. Em 13 de janeiro o CIE invadiu a gráfica da Voz Operária, o jornal do partido, que operava na clandestinidade, num sítio no Rio de Janeiro. No dia seguinte, Elson Costa, um dos responsáveis pela gráfica e dirigente do PCB, desapareceu. Foi morto numa casa mantida pelo CIE na periferia de São Paulo, segundo testemunho do sargento Marival Chaves Dias do Canto à revista Veja, em 1992. Entre janeiro e julho, pelo menos 500 membros do partido foram identificados, 200 foram presos e pelo menos 14 morreram. Em outubro, nova onda de prisões: 61 pessoas foram detidas. A intenção era demonstrar a tese do CIE de que o PCB havia se infiltrado no MDB, na imprensa e até no governo. Essa última acusação era, inclusive, foco das desavenças entre o comandante do 2º Exército, o general Ednardo D’Avila Mello, e o governador do Estado, Paulo Egydio Martins.

Aos 38 anos, Herzog assumira, em setembro, a diretoria de jornalismo da Cultura, emissora do governo. Era militante comunista, mas não desenvolvia atividade clandestina e sua participação se limitava a ir a reuniões. Em sua direção, porém, confluíam três crises, todas regadas de ódio. “Uma era o choque da linha dura com Geisel. Outra, a caçada ao PCB. A terceira era o conflito entre o general Ednardo e o governador Paulo Egydio. A prisão de Vlado servia a todas”, diz Gaspari.

Tortura e morte

Antes de ser preso, em 17 de outubro, Paulo Markun, também jornalista da Cultura, conseguiu mandar um recado aos colegas, indicando quem seriam os próximos. Anthony de Cristo, George Duque Estrada e Rodolfo Konder foram presos antes de serem alertados. Fernando Morais conseguiu escapar. Vladimir foi avisado, mas não quis fugir.

Depois que entrou no DOI, Vlado trocou de roupa e vestiu o macacão dos presos. Ainda pela manhã, foi acareado com dois presos. Com as cabeças cobertas por capuzes de feltro preto, eles não podiam se ver. Mas um deles, Konder, reconheceu o amigo: “Empurrei a borda do pano e vi o preso que chegava. Eu o reconheci pelos sapatos: eram os mocassins pretos que Vlado usava.” Nessa hora, Vlado negou que pertencesse ao PCB e Konder e o outro preso foram retirados para um corredor, de onde ouviram os gritos de Vlado e a ordem para que fosse trazida a máquina de choques elétricos. “Os gritos duraram até o fim da manhã. Os choques eram tão violentos que faziam Vlado urrar de dor”, diz Konder. Um rádio foi ligado em alto volume para abafar os sons. Meia hora depois, por volta das 11h, Vlado foi para a sala de interrogatórios.

“Mais ou menos uma hora depois, me levaram a outra sala onde pude retirar o capuz e ver o Vlado. O interrogador, um homem de uns 35 anos, magro, musculoso, com uma tatuagem de âncora no braço, mandou que eu dissesse a ele que não adiantava resistir”, lembra Konder. Vlado estava com o capuz enfiado na cabeça, trêmulo, abatido, nervoso. Sua voz estava por um fio. “Fui obrigado a ajudá-lo a redigir uma confissão que dizia que ele tinha sido aliciado por mim para entrar no PCB e listava outras pessoas que integrariam o partido.” Konder foi levado e os gritos recomeçaram. Essa foi a última vez que Vlado foi visto e ouvido. “No meio da tarde, fez-se silêncio na carceragem”, diz George Duque Estrada que também estava preso no DOI, em relato no livro Dossiê Herzog – Prisão, Tortura e Morte, de Fernando Pacheco Jordão.

Às 22h08 a Agência Central do SNI, em Brasília, recebeu uma mensagem: “Info que hoje, dia 25 out, cerca de 15 hs, o jornalista Vladimir Herzog suicidou-se no DOI/CODI/II Exército”. Seria o 38º suicida, o 18º a se enforcar e, de acordo com o Laudo de Encontro de Cadáver, emitido pela Polícia Técnica de São Paulo, teria feito isso com uma tira de pano. Herzog teria se amarrado pelo pescoço numa grade a 1,63 metro do chão. Sem espaço para que seu corpo pendesse, teria ficado com os pés no chão e as pernas curvadas, como mostrava a foto anexada ao laudo. Segundo comunicado do comandante do DOI, a tira de pano era a “cinta do macacão que o preso usava”. Os macacões do DOI não tinham cinto. “Suicídios desse tipo são possíveis, porém raros. No porão da ditadura, tornaram-se comuns, maioria até. O último, em São Paulo, acontecera cerca de um mês antes, na mesma cela. Dos 17 casos anteriores de suicídio por enforcamento, oito não tiveram vão livre. Em dois, os presos teriam morrido sentados”, diz Gaspari.

O morto fala

Sem notícias do marido desde a manhã, Clarice estava preocupada. Por volta das 23h bateu à sua porta um grupo de diretores e funcionários da Cultura. Entraram calados, sentaram-se na sala e disseram-lhe que as coisas se complicaram. “Mataram o Vlado!”, ela teria dito, segundo seu relato no livro Vlado, de Paulo Markun. “Eles me falaram que Vlado estava morto e que fora suicídio. Senti ódio. E uma grande impotência.”

“Eles mataram o Vlado”, disse o amigo e jornalista Fernando Pacheco Jordão, autor de Dossiê Herzog, em telefonema para Audálio Dantas, presidente do Sindicato dos Jornalistas. Era quase 1 da manhã e Jordão ainda daria muitos telefonemas na madrugada. “Mataram o Vlado”, repetiu a dom Paulo Evaristo Arns. “Não sei se já não é hora de um protesto mais forte. Quem sabe sair pelas ruas”, respondeu o cardeal.

O jornalista Mino Carta, na época diretor da revista Veja, foi um dos primeiros a chegar à casa dos Herzog. Ele vinha de Santos, onde estivera justamente para pedir a ajuda do secretário de Segurança do Estado, Erasmo Dias, no caso das prisões dos colegas. Segundo depoimento a Paulo Markun, no livro Vlado, Mino ligou para o coronel Golbery do Couto e Silva, ministro da Casa Civil. “Vá ao Paulo Egydio”, teria dito o “feiticeiro”, como era conhecido por sua intimidade quase mágica com o poder. Golbery lhe disse, ainda, que aquilo, a morte de Vlado, era uma tentativa de golpe contra Geisel. Mino seguiu o conselho e procurou o governador Paulo Egydio, no Palácio dos Bandeirantes. Quando saiu, o governador chorava.

Desde a morte do ex-deputado Rubens Paiva, num quartel da Polícia do Exército no Rio, em 1971, era a primeira vez que morria no porão da ditadura alguém da elite, com vida profissional legal e atividade política praticamente nula. “Horas depois da morte de Herzog começou um daqueles processos em que reações individuais e desarticuladas desembocam em comportamentos que, sem coordenação ou planejamento, constroem os fatos históricos”, diz Gaspari.

Mas o DOI tinha sua própria estratégia para lidar com o assunto. O corpo de Herzog foi entregue à Polícia Técnica e levado ao Instituto Médico Legal, onde chegou sem a roupa com que fora fotografado, mas com os próprios trajes. O laudo do exame de corpo de delito, assinado pelos médicos Harry Shibata e Arildo de Toledo Viana, do IML, concluiu: “quadro médico legal clássico de asfixia mecânica por enforcamento”. Ainda na noite de sábado, o corpo foi enviado ao Hospital Albert Einstein. Estava tudo pronto para mais um sepultamento típico de mortes ocorridas nas dependências das Forças Armadas, durante a ditadura: rápidos e discretos.

Clarice não quis assim. Para que houvesse velório, ela marcou o enterro para a segunda. No domingo, cerca de 600 pessoas foram à cerimônia, entre eles o cardeal Arns e o senador Franco Montoro. “Era a primeira vez que um arcebispo e um senador da República velavam um morto do regime”, diz Gaspari. “Formou-se uma grande frente e, na segunda, todos estavam mobilizados pela morte de Herzog.”

No cemitério israelita do Butantã, os responsáveis pelo funeral apressaram tanto a cerimônia que dona Zora, mãe de Vlado, não chegou a tempo de se despedir do filho, viu apenas quando jogavam terra por cima do caixão. Quatro jornalistas que estavam presos no DOI-CODI foram levados até o local. Konder foi um deles: “Não deixaram a gente se trocar, me levaram com roupas sujas de urina, sangue e fezes. Foi assim que assisti ao enterro de meu amigo.”

“Senhor Deus dos Desgraçados, / Dizei-me Vós, Senhor Deus / Se é mentira, se é verdade, / Tanto horror perante os céus.” Depois de ler o trecho de Navio Negreiro, de Castro Alves, Audálio Dantas fez correr entre os presentes outro verso: “Reunião no sindicato”.

Ação e reação

“Se a tigrada quisera desmantelar o PCB, já o conseguira. Se queria outra coisa, era outra coisa que queria”, afirma Elio Gaspari. Pelo menos uma pessoa achou, assim que Vlado morreu, que era “outra coisa”: o presidente Geisel.

Ele só soube da morte de Herzog no domingo. Na segunda, em visita ao Rio, não tratou do assunto e parecia ter assimilado o golpe. Mas a linha dura queria mais. Na manhã de quarta, dia 29, o general Sylvio Frota, ministro do Exército, ligou para o ministro da Justiça, Armando Falcão. Falcão relata o telefonema em seu livro Tudo a Declarar. “O senador do Paraná, Leite Chaves, disse no Congresso que o suicídio do jornalista Vladimir Herzog não passa de ‘um crime ignominioso’. Estou reunido com o Alto-Comando e ninguém aceita o insulto. Queremos uma reparação imediata.” Era a “outra coisa que queriam”. Queriam atacar o Congresso, provocar cassações e, por tabela, jogar areia no projeto de distensão de Geisel.

Nas ruas de São Paulo, o clima era outro. Ainda na segunda-feira, cerca de 30 mil estudantes da USP, PUC e Fundação Getúlio Vargas entraram em greve. A garotada queria marchar pela cidade, mas aguardava a reunião com os jornalistas. Juntos, aprovaram a realização de um ato religioso pela memória de Vlado na sexta, dia 31. O cardeal Arns tomou a iniciativa: ofereceu a catedral da Sé e disse que estaria lá.

Na quarta-feira, Geisel mandou chamar Frota. Há duas versões parecidas para a conversa dos dois generais. Uma narrada pelo presidente ao seu secretário Heitor Ferreira e relatada por Gaspari em A Ditadura Encurralada.“Vocês escolham lá um presidente e venham me substituir”, teria dito. A outra foi narrada por Frota a Falcão e reproduzida em Tudo a Declarar: “O presidente me disse que se quisessem insistir no caso tratassem de ir arranjando outro para colocar em seu lugar”. A ameaça encostou Frota na parede. O ministro recuou.

Até o fim da semana, os dois lados temeram que o outro reagisse e fosse para a rua. Em Brasília temia-se que os universitários promovessem passeatas. Em São Paulo, o medo era de que o regime proibisse a manifestação. Geisel foi a São Paulo na quinta e se hospedou no Palácio dos Bandeirantes, onde se reuniu com os chefes militares do Estado. Para começo de conversa, perguntou ao general Ednardo sobre o Inquérito Policial Militar a respeito da morte de Herzog. Não fora instalado, porque o ministro Frota determinara que não fosse. Pois seria. Embora não se destinasse a apurar as causas da morte de Vlado, mas “as circunstâncias em que ocorreu o suicídio do jornalista”, a instauração do IPM já era uma derrota para Ednardo, Frota e a turma do porão.

“À noite, o governador promoveu uma festa em homenagem a Geisel. Entre os 1500 convidados estava a bancada oposicionista, até o deputado Alberto Goldman, líder do partido na Assembléia e militante do PCB”, diz Gaspari. Goldman relata a rápida conversa que teve com o presidente em seu livro Caminhos de Luta. “Presidente, o MDB está apreensivo com o que vem acontecendo em São Paulo, quanto ao respeito dos direitos humanos”, disse o deputado. “Não pensem que eu não entendo o significado de suas presenças aqui, neste momento”, respondeu o general.

No dia seguinte, o povo estava na rua e fazia a primeira manifestação contra a ditadura após o AI-5. Um pouco antes da hora do culto, dois secretários do governador ainda procuraram o arcebispo de São Paulo e lhe pediram para cancelar o evento. “Fui informado que existiriam mais de 500 policiais na praça com ordem de atirar ao primeiro grito. Se houvesse protestos, eles metralhariam a população”, lembra dom Paulo. A estratégia dos manifestantes era chegar à praça em pequenos grupos, evitando aglomerações. Cerca de 8 mil pessoas se espalharam pelas escadarias da Sé. As que conseguiram entrar viram o cardeal, o rabino Henry Sobel e mais 20 sacerdotes, entre eles dom Helder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife. “Ninguém toca impunemente no homem, que nasceu do coração de Deus para ser fonte de amor”, disse dom Paulo. “Nas minhas dores, ó Senhor, fica ao meu lado”, respondeu a audiência.

Para Elio Gaspari, naquela tarde de 31 de outubro de 1975, a oposição brasileira passou a encarnar a ordem e a decência. “A ditadura, com sua ‘tigrada’ e seu aparato policial, revelara-se um anacronismo que procurava na anarquia um pretexto para a própria reafirmação.”

Veias abertas - Exumação refuta falsa versão de suicídio
Por Marina Della Valle

Durante mais de 30 anos, os restos mortais da psicóloga Iara Iavelberg (na foto) ficaram na ala dos sepultados “com desonras” do Cemitério Israelita de São Paulo. O motivo foi que o laudo oficial não era claro sobre a causa de sua morte. O legista anotou: “Suicídio?” – assim mesmo, com ponto de interrogação. Segundo a versão dos militares da Operação Pajussara (que perseguia Iara e seu companheiro, Carlos Lamarca), ela teria se suicidado com um tiro no peito em Salvador, em 1971, ao se ver cercada pelos agentes do governo. “No judaísmo, o suicídio é um crime tão grave quanto o assassinato”, diz o rabino Henry Sobel. Na época, a família de Iara não teve acesso ao corpo, que foi enterrado num caixão lacrado. Em 2003, após anos de brigas na Justiça contra o cemitério, a família conseguiu encaminhar os restos mortais para a exumação. A análise do legista Daniel Muñoz, da USP, mostrou que a distância do disparo que matou Iara era incompatível com um ato suicida. O jornalista Samuel Iavelberg, irmão da vítima, falou sobre o resultado. O que a exumação significou para a família?

A vitória foi saber a verdade tantos anos depois. É o primeiro indício concreto sobre a maneira como ela morreu. O importante é que a tiramos da área de suicidas. Para lá ela não volta. O que será feito com o corpo? Gostaríamos que ela fosse colocada ao lado de meus pais, como eles pediram, mas, se não houver lugar, ela pode ser enterrada por perto, em terra consagrada. A entidade que dirige o cemitério alega motivos religiosos, mas na verdade não quer que um crime militar seja esclarecido.

A gota d’água - A morte de Manoel Fiel Filhoteve impacto inédito: custou acabeça de um general
Erasmo Dias, coronel reformado do Exército, viu coisas muito sujas durante a ditadura – e fala delas com uma mórbida naturalidade. Em janeiro de 1976, quando era secretário de Segurança do Estado de São Paulo, teve que ir verificar mais uma morte ocorrida nas celas do DOI-CODI. “Fui lá e levei o Rodrigues comigo. Combinei com ele que íamos ver se era mesmo suicídio. Ele me diria, em uma escala de 1 a 100, se era possível”, relembra Dias, referindo-se ao legista Armando Canges Rodrigues. O médico logo afirmou que a chance de que aquele homem tivesse tirado a própria vida era de apenas 0,1 em 100. “Bem, aí fizemos a autópsia, porque 0,1 era uma chance e precisávamos verificar. E deu suicídio. Foi assim: ele enrolou três lenços, fez um nó, e apertou no pescoço até morrer”, afirma o militar. O laudo oficial sobre a morte do operário Manoel Fiel Filho (na foto), porém, não corresponde ao relato de Dias – na melhor das hipóteses, por falha na memória do velho ex-secretário. Segundo a versão divulgada, o metalúrgico de 49 anos, pai de duas crianças, teria se enforcado com um par de meias de náilon azuis. Na manhã do dia 16 de janeiro, uma sexta-feira, Fiel Filho foi retirado da Metal Arte, onde era chefe de setor de prensas metálicas, e conduzido por agentes armados para sua casa. Eles buscavam exemplares do jornal comunista Voz Operária, do qual o metalúrgico era acusado de ser distribuidor. Não acharam nada e o levaram para o DOI-CODI, sob os protestos da esposa Teresa – a quem foi dito, segundo Carlos Alberto Luppi, autor de Manoel Fiel Filho – Quem Vai Pagar por este Crime?, que seu marido retornaria em breve. Ele foi levado de volta no sábado. Morto. A tragédia teria um grande impacto nos bastidores da ditadura. Enforcar alguém no mesmo lugar em que, 84 dias antes, haviam matado Herzog soava como uma grande provocação à autoridade do presidente. No domingo à noite, quando soube do “suicídio” pelo governador paulista Paulo Egydio Martins, Geisel não conseguiu dormir. Na segunda-feira, o comandante do 2º Exército, Ednardo D’Avila Mello, responsável pelo DOI-CODI, recebeu um telefonema durante uma reunião com seus generais subalternos. Levantou-se, saiu da sala e foi atender. Ao voltar, conforme relata Elio Gaspari em A Ditadura Encurralada, disse: “Fui exonerado”. Era a primeira vez em toda a história brasileira que um general era destituído de seu cargo. Quando D’Avila Mello tentou voltar a presidir a reunião, foi interrompido por Ariel Pacca da Fonseca. O comandante da 2ª Região Militar era seu sucessor imediato e não perdeu tempo em assumir a nova função.




Meu querido Vlado
16 de junho de 2012

Na próxima quarta-feira, amigo, você fará 75 anos. Por razões alheias à nossa vontade, não vou poder lhe dar os parabéns pessoalmente e assim, aproveito para fazer isso aqui – e contar algumas coisas que aconteceram desde a última vez que nos vimos, numa sexta-feira, 19 de outubro de 1975 – sim, há 37 anos!

Você certamente não ficou sabendo, mas no sábado seguinte, 25 de outubro, um carcereiro chegou diante da grade e chamou meu nome. Eu estava com pelo menos uma dúzia de presos na última cela de um corredor do Doi-Codi em São Paulo, o centro de tortura do regime militar. Todos vestidos com macacões verdes do exército, sem cinto e no meu caso, sem botões também. O fulano abriu a cela, colocou o capuz preto sobre a minha cabeça e começou a me guiar como um cego. Imaginei que pudesse ser uma acareação com outro preso, mais um interrogatório, nova sessão de tortura, quem sabe uma excursão pelas ruas da cidade em busca de outro companheiro. Já passara por tudo isso e por muito mais – até mesmo a insólita saída para batizar Ana, a minha filha (virou atriz), acompanhado por uma equipe com as armas enfiadas em duas sacolas de lona preta. Mas quando o sujeito tirou meu capuz, havia diante de mim uma carteira de fórmica, dessas de escola, com uma espécie de prancheta do lado direito. Sobre ela, uma pilha de papel almaço e uma caneta. Antes de me deixar ali, recebi uma ordem curta e grossa:
- Escreva tudo o que você sabe sobre Vladimir Herzog.

Embora já ganhasse a vida escrevendo há quatro anos, foi meu texto mais difícil.  Quase trinta anos mais tarde, encontrei as folhas amareladas no Arquivo do Estado, quando buscava as informações para contar nossa história.
Lembro que nos conhecemos na redação da Folha de São Paulo, em março de 1975, provavelmente. Você assumira a chefia da sucursal do Opinião e queria que eu fosse um dos colaboradores. O jornalzinho era o sonho de consumo, se é que a metáfora se aplica, para os jornalistas que viam a profissão como uma trincheira de luta pela democracia. Não conseguia noticiar quase nada, barrado pela censura, mas se dispunha a fazer o que muito jornalão evitava.
Escrevi umas matérias – um punhado passou pela censura – e substituí você na direção da sucursal, durante uma viagem aos Estados Unidos. Na volta, emprestei uma casinha de praia pra você escrever o roteiro do Doramundo, aquele filme que você queria fazer e o João Batista de Andrade realizou e ficamos amigos. Mas, caramba, você nunca me contou sua história. Nem deu tempo. Fiquei sabendo em 1985, quando escrevi meu primeiro livro sobre sua história e descobri sua infância como refugiado judeu na Itália, vivendo sob nome falso, seu pai fingindo ser mudo para esconder o sotaque iugoslavo, o resto da família indo parar num campo de concentração. Aos oito anos, quando os Herzog chegaram a São Paulo e foram morar na Mooca, o Brasil vivia a abertura democrática. Eu tinha seis anos quando você se preparava para o vestibular e fez um teste no jornal O Estado de S. Paulo. Começou a estudar filosofia, mas já tinha mergulhado no jornalismo. Integrou a equipe pioneira que implantou a sucursal de Brasília. No final de 1962, conheceu Clarice, com quem se casou pouco antes do golpe de 1964. Em 65, com uma bolsa de estudos, você foi trabalhar na BBC e Clarice o seguiu seis meses depois.

Em setembro de 1975, você se tornou diretor de jornalismo da TV Cultura e teve a coragem de me transformar em chefe de reportagem (eu tinha 23 anos, lembra?). Bom, o resto da história, a gente conhece: fomos alvejados por uma campanha destinada a abater o governador Paulo Egydio Martins e, por tabela, o general Ernesto Geisel, que era presidente. Campanha facilitada pela repressão ao Partido Comunista, onde nós dois militávamos, em posições secundárias e acreditando que era um caminho para reconquistar a democracia e construir um Brasil socialista e livre.

Naquele sábado, 25 de outubro, os militares do Doi-Codi reuniram os jornalistas que estavam presos e nos disseram que você tinha se suicidado e que era agente da KGB! Ninguém aceitou a ideia e para provar que choque não mata ninguém, me fizeram acionar a máquina chamada pimentinha com um torturador segurando os fios. No dia seguinte, fomos soltos temporariamente para ir ao seu enterro.  Tinha muita gente, todos chocados.
Voltamos ao Doi-Codi e dali para o DOPS, onde ouvimos os policiais treinando tiro para reprimir o culto ecumênico que aconteceu na catedral da Sé. Primeira grande manifestação contra a tortura, resultado da ação de dom Paulo Arns, do rabino Henry Sobbel e do reverendo James Wright, com respaldo do Sindicato dos Jornalistas, de estudantes e políticos da oposição.

Depois disso, amigo, muita coisa aconteceu. Um inquérito armado pelo governo e manipulado concluiu que você se matara, apesar de todas os depoimentos em contrário. O general Geisel demitiu o comandante do II Exército quando outro comunista desimportante, o operário Manoel Fiel Filho foi “suicidado” no Doi-Codi. O problema do presidente era a desobediência, não a tortura.

Clarice entrou com uma ação na Justiça e provou que o Estado era responsável pela sua morte. Não pediu indenização, só justiça. Houve a anistia, os exilados voltaram e com eles, as eleições diretas para governador – a oposição ganhou em dez estados. A campanha das diretas parou o país e se não acabou com o colégio eleitoral, garantiu a eleição indireta do Tancredo Neves, que morreu antes da posse. José Sarney virou presidente, fez a Constituinte e em 1989, elegemos um certo Fernando Collor, de que você nunca ouviu falar. Acabou saindo pelo impeachment.

Fernando Henrique, que era do conselho editorial do Opinião virou presidente, foi reeleito e passou a faixa para o Lula (lembra?) que também governou oito anos e foi sucedido por uma ex-guerrilheira, Dilma Roussef, que afinal criou a Comissão da Verdade para apurar casos como o seu e tantos outros menos conhecidos.

Seu filho Ivo criou o Instituto Vladimir Herzog, para valorizar a liberdade de imprensa e os direitos humanos. Está fazendo um belo trabalho de resgate da história dos jornais alternativos e uma programação de festa pelos seus 75 anos. Quando lembro dele e do André garotinhos, me sinto meio velho. André trabalha em Washington no Banco Mundial com políticas públicas para Ásia e África. Clarice vai muito bem, obrigado.

O Brasil também vai bem. Não tanto quanto sonhamos, mas muito melhor do que no tempo em que convivemos. A democracia tem seu valor, apesar (ou por causa) das denúncias e das CPIs, que não existiam na ditadura. Ah, vivo parte do tempo em Florianópolis. Escrevi uns livros, fiz uns documentários e fui presidente da TV Cultura. Mas um dia conto como foi essa experiência.
Abraços, saudades e parabéns.
Markun


quinta-feira, 28 de junho de 2012

Palestra: "Marxismo e crítica à pós-modernidade", com Lizia Nagel - IMPERDÍVEL!


OLHA O QUE DÁ CONCILIAR COM A DIREITA

"O Lula assumiu em 2003 sob a desconfiança de que era um Fidel Castro brasileiro. Achava que ele tinha que ter estágio no governo brasileiro até para o povo se decepcionar com ele. Mas, da maneira que exerceu a Presidência, diria que ele está à minha direita. Eu, perto do Lula, sou comunista.
Eu não teria tanta vontade de defender os bancos e as multinacionais como ele defende. Quando ele tira imposto dos carros, tira da Volkswagen, da Ford, da Mercedes. Quando defende sistema bancário, defende quem? Os banqueiros.
Eu, Paulo Maluf, industrial, estou à esquerda do Lula. De modo que ele foi uma grata revelação do livre mercado, da livre iniciativa."

domingo, 24 de junho de 2012

CONTRA O GOLPE! APOIAMOS A LUTA DO POVO E DA JUVENTUDE PARAGUAIA


O golpe de estado impetrado no Paraguai no dia 22 de julho de 2012 revela a faceta mais cínica, covarde e autoritária da direita e do imperialismo na América Latina. A destituição do Presidente Lugo, eleito pelo povo paraguaio, após décadas de ditaduras e de domínio do conservador Partido Colorado, representa um duro golpe nas lutas por democracia e justiça social do povo e da juventude paraguaia.
 É notório que o impedimento de Lugo está sendo financiado e conduzido pelo capital internacional associado à burguesia local, que se sentiram atacados em seu “direito sagrado a propriedade privada” com a crescente luta de massas pela reforma agrária que se desenvolve em todo o país. E que teve no massacre de Camendiyú, que resultou na morte de onze companheiros sem-terra, uma das expressões de como esta questão vem sendo conduzida no Paraguai.
 Repudiamos o Golpe, assim como repudiamos a grande mídia que vem procurando dar um ar de “normalidade” e de “respeito às regras democráticas” as ações produzidas pelos golpistas.
 Cobramos do Governo Dilma que saia de cima do muro, e tome a iniciativa de não reconhecer o governo golpista e de romper relações diplomáticas e comerciais enquanto o Presidente Lugo não seja reconduzido ao cargo. A manutenção da postura adotada pelo Itamaraty revelará o consentimento com o golpe de estado e a preocupação em atender aos interesses sub-imperialistas que o Estado brasileiro historicamente construiu em relação ao Paraguai.
 Não criamos ilusões com relação à democracia burguesa. Sabemos que as verdadeiras lutas por democracia e pela recondução do Presidente Lugo será fruto das lutas nas ruas e no campo, que já vem sendo articuladas pelos lutadores paraguaios.
 O povo e a juventude paraguaia saberão conduzir a luta pela real democracia, sem vacilação e sem conciliação.


Coordenação Nacional da União da Juventude Comunista
Junho 2012

"Depois de 90 anos de luta, pelos anos que virão adiante, eu desejo ao PCB sucesso irrevogável na realização dessa grande tarefa histórica." István Mészáros

Em nossa conjuntura histórica decisiva, o aprofundamento da crise estrutural do capital ameaça a própria sobrevivência da humanidade. Apenas uma estratégia revolucionária obstinada pode assegurar uma saída desta perigosa situação, através da criação de bases verdadeiramente justas para um futuro sustentável. 

O papel da política é vital nesse processo, na condição de que ela tenha por objetivo a superação radical das hierarquias estruturais herdadas do passado. Sem isso, a inércia paralisante da reprodução cultural e material hierarquicamente ossificada está fadada a comprometer até os melhores esforços restritos à política, como confirmam nossos amargos revezes históricos. 

A necessária orientação revolucionária de nossos tempos clama por uma transformação emancipatória através da qual as grandes massas populares possam realmente controlar suas condições de existência, dentro do espírito da igualdade substantiva e sobre as firmes bases desta. Depois de 90 anos de luta, pelos anos que virão adiante, eu desejo a vocês sucesso irrevogável na realização dessa grande tarefa histórica.

Com total solidariedade,
István Mészáros

sábado, 23 de junho de 2012

NOTA PÚBLICA SOBRE A PM NAS UNIVERSIDADES: o episódio na UNIFESP


Os abaixo-assinados, professores de distintas universidades brasileiras, estão convencidos de que é inaceitável a utilização da Polícia Militar para resolver conflitos internos à comunidade acadêmica. Os recentes episódios configurados pelas prisões arbitrárias e violências físicas contra estudantes e funcionários em universidades brasileiras são fatos intoleráveis que devem ser repudiados e denunciados pela consciência democrática.

Ao tomarmos conhecimento da violenta ação repressiva da PM paulista contra vários estudantes da Universidade Federal de São Paulo, campus Guarulhos, no dia 14 de junho, não podemos senão manifestar nossa inteira concordância com a NOTA PÚBLICA da PRÓ-REITORIA DE ASSUNTOS ESTUDANTIS dessa universidade. Os termos da digna e ponderada NOTA são os seguintes:

“Frente à ação policial ocorrida no campus Guarulhos da Unifesp no dia 14 de junho de 2012, a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE) manifesta a toda comunidade acadêmica e a toda sociedade o veemente repúdio à opção de tratar as questões universitárias, por mais complexas e controversas, por meio da violência. Ressaltamos que são valores da PRAE o compromisso com a democracia e o respeito à diversidade intelectual, cultural, social e política".

Signatários:

Adma MUHANA, USP

Adrián GONZÁLES, USP

Álvaro CROSTA, Unicamp

Arley MORENO, Unicamp

Beatriz RAPOSO, USP

Caio N. de TOLEDO, Unicamp

Cilaine Alves CUNHA, USP

Cristiane GOTTSCHALK,

Edmundo DIAS, Unicamp

Francisco ALAMBERT, USP

Heloisa FERNANDES, USP

Hector BENOIT, Unicamp

Iná CAMARGO, USP

Jorge Luiz SOUTO MAIOR, USP

Jorge MIGLIOLI, Unicamp

Fernando LOURENÇO, Unicamp

Isabel LOUREIRO, Unicamp

Leda PAULANI, USP

Lincoln SECCO, USP

Lúcio Flávio ALMEIDA, PUC-SP

Luiz MARTINS, USP

Marcos SILVA, USP

Marcos Barbosa de OLIVEIRA, USP

Maria Victoria BENEVIDES, USP

Margareth RAGO, Unicamp

Marly VIANNA, USO

Milton PINHEIRO, UNEB/ICP

Osvaldo COGGIOLA, USP

Patrícia TRÓPIA, UFU

Paulo CENTODUCATTE, Unicamp

Plínio Arruda SAMPAIO JR., Unicamp

Ricardo ANTUNES, Unicamp

Ruy BRAGA, USP

Sérgio SILVA, Unicamp

Sofia MANZANO, USJ

Valério ARCARY, CEFET-SP

Virgínia FONTES, UFF

Vladimir SAFLATE, USP

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Torturador sofre "esculacho" no Rio



A Articulação Nacional pela Memória, Verdade e Justiça, que conta com a participação do PCB, além de movimentos estudantis e a Via Campesina promoveram o "esculacho", nesta terça-feira, do militar da reserva Dulene Aleixo Garcez dos Reis, acusado de torturar e matar o jornalista e secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), Mario Alves.

Dulene foi capitão da Infantaria do Exército em 1970 e no ano seguinte serviu no Batalhão de Infantaria Blindada de Barra Mansa. Em 17 de janeiro de 1970, participou da tortura a Mario Alves, que foi morto dentro do 1º Batalhão de Polícia do Exército, na Tijuca, endereço onde funcionava o DOI-CODI.
Segundo reportagem da Carta Capital de março de 2008, Mário Alves foi torturado por um cassetete de madeira com estrias de ferro, o que causou hemorragia interna, perfuração dos intestinos e sua morte. Dulene mora numa confortável cobertura na na Rua Lauro Miller, 96, Urca, Zonal Sul do Rio de Janeiro.
 
O membro do Comitê Central do PCB Paulo Schueler falou durante o ato, num chamado à unidade para que ações como a ocorrida nesta manhã continuem ocorrendo, para pressionar a Comissão da Verdade a produzir um trabalho que seja digno dos torturados, mortos e desaparecidos. "Apenas com a pressão das ruas a comissão da Verdade produzirá efetivamente a verdade. Essa luta não durará os dois anos de funcionamento desse órgão, precisamos ir além, derrotar com nossa pressão a decisão do Supremo Tribunal Federal que manteve intacta a Lei de Anistia. Exigimos justiça", afirmou.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Proposta de Programa do PCB para as eleições municipais de 2012

CONSTRUIR O PODER POPULAR NO RUMO DO SOCIALISMO

Proposta de Programa do PCB para as eleições municipais de 2012

(Comissão Política Nacional do PCB)

Sabemos perfeitamente que o sistema eleitoral burguês privilegia os partidos da ordem, com regras que tendem a restringir ao máximo o acesso dos partidos comprometidos com a classe trabalhadora à mídia, ao financiamento da campanha eleitoral e, portanto, à própria conquista de mandatos parlamentares. Daí os os governos e parlamentos burgueses expressarem a hegemonia do capital na sociedade brasileira, manifesta na presença majoritária de representantes das classes dominantes, ao mesmo tempo em que candidatos oriundos do proletariado, das camadas médias e da pequena burguesia, em grande parte, acabam também sendo cooptados pelo financiamento privado das campanhas, por ocupação de cargos públicos, por coligações espúrias e erráticas e, principalmente, pelo reformismo e eleitoralismo de seus partidos, que praticam o fisiologismo e o cretinismo parlamentar.

As eleições burguesas são balizadas e manipuladas por “mediações ilusórias”, onde questões localizadas, de menor importância ou de cunho “moral” ou de fatores como uma melhor ou pior “competência para governar ou legislar” a respeito dos candidatos (deixando completamente de lado a discussão sobre temas de fundo, como o caráter do capitalismo) ganham destaque, rebaixando a discussão, ao deixar muito pouco espaço para a apresentação de propostas políticas abrangentes, voltadas para os grandes temas nacionais e para os embates no plano ideológico. São instrumentos de manutenção do status quo, que acabam por ajudar a despolitizar a população.

Nesse contexto, os partidos perdem importância e os pleitos se “fulanizam”, sendo este o padrão seguido nos programas de propaganda eleitoral gratuita, no rádio e na TV, nos materiais eleitorais distribuídos (por profissionais, no caso dos partidos eleitoreiros) e na cobertura da mídia, inclusive alguns que se consideram de esquerda. Esta é uma tendência que, hoje, tende a se acirrar. Cada vez as eleições são mais midiáticas, com “puxadores de voto” de igrejas, radialistas, artistas e atletas populares.

Assim, não temos ilusões quanto à possibilidade de termos bancadas importantes nos parlamentos, de conquistarmos governos municipais e, muito menos, chegarmos ao socialismo pela via eleitoral, por meio de grandes reformas aprovadas no Parlamento, porque o capital não entrega o poder sem intensa luta popular. No entanto, é de grande importância termos representantes nas casas legislativas, desde que sejam quadros partidários, que exerçam o mandato em nome do Partido e não em proveito próprio. A principal diferença do parlamentar comunista é que o mandato não é seu, mas do Partido. Suas ações e iniciativas são decididas pelo coletivo partidário, dentro da linha política geral do Partido. A composição de seus gabinetes e a sua remuneração serão decididas pela direção partidária.

As diversas instâncias de eleições burguesas não são indiferentes para os comunistas. São grandes as diferenças entre as eleições para cargos legislativos e executivos. O PCB priorizará as eleições legislativas. Os parlamentares comunistas deverão ser tribunos populares, transformando seus mandatos num instrumento de sustentação política às lutas de massa e aos objetivos táticos e estratégicos do Partido. O papel dos parlamentares comunistas deve abranger a denúncia política, os pronunciamentos a respeito dos grandes temas em voga, a apresentação de propostas objetivas para os interesses da classe trabalhadora e, principalmente, a presença direta no apoio cotidiano às lutas populares e dos trabalhadores.

Sem cair no cretinismo parlamentar, os comunistas eleitos para as diversas casas legislativas não se dedicarão a concursos de oratória nas tribunas, não se deixarão cooptar pelo executivo, tampouco apresentarão projetos técnicos para maquiar a exploração. Ao contrário, deverão diferenciar-se de todos os seus pares, inclusive os que se definem como esquerda, mas que exercem o mandato como sua propriedade pessoal e tendo sempre como horizonte a sua reeleição, para a qual fazem concessões, inclusive de princípios. Os projetos de lei dos comunistas não podem ter como critério a possibilidade de serem aprovados, até porque a grande maioria deles será derrotada. Um projeto de lei voltado para os interesses das massas, quando derrotado, é uma grande lição para os trabalhadores compreenderem o caráter e a função do parlamento burguês.

Esta opção preferencial pelo legislativo não significa que não podemos disputar eleições para os Executivos, sobretudo quando não nos restam alternativas de coligações de esquerda ou quando a candidatura própria para o executivo possa contribuir para dar visibilidade ao Partido e a possibilidade de eleger um parlamentar naquele âmbito. Mas não disputaremos eleições executivas na ilusão de vencê-las ou de nos mostrarmos mais competentes e técnicos para resolver os problemas do cidadão, com projetos mirabolantes e miraculosos, para administrar melhor o capitalismo. E não devemos objetivar a eleição de parlamentares pensando em quantidade, mas em qualidade, o que requer plena confiança do Partido no nosso candidato como principal critério para a sua escolha.

Por outro lado, não podemos cair no erro oposto, de passar a campanha declarando apenas que todos os problemas só se resolverão com o socialismo. Sem cair em tecnicismos, iremos denunciar cada um dos problemas que precisam ser enfrentados apresentando propostas radicais, não no sentido de sectarismo, mas de honestidade política. O conteúdo de nossas campanhas ao Executivo deve ter como paradigma nossas resoluções estratégicas e táticas, com a apresentação de propostas radicais para a solução dos problemas vividos pela população, acopladas à denúncia das mazelas do capitalismo, as quais se manifestam concretamente nas realidades econômicas e sociais de cada município nesse país. A coordenação, a estratégia e o discurso da campanha, o planejamento financeiro e a política de alianças devem ser decididas com amplos debates que envolvam a militância partidária e os agrupamentos políticos e sociais que consigamos reunir, sob pena de o Partido não se sentir representado na campanha e no candidato.

Não podemos ter ilusões neste espaço de luta, pois na democracia burguesa as condições de disputa são extraordinariamente desiguais, para favorecer apenas àqueles que dispõem de imensos recursos financeiros e midiáticos e que são ideologicamente do campo do capital. Mas os fatores que mais dificultam a formação de frentes de esquerda e a eleição de nossos candidatos são a falta de inserção do Partido nas lutas e nos movimentos de massas, as nossas debilidades no campo da organização e o reduzido número de militantes num país com estas dimensões e complexidades. Por isso, a ação eleitoral do Partido deve ser construída a partir de nossa projeção nos movimentos de massa e na maior visibilidade conquistada na luta política e ideológica levada a cabo nos diversos campos onde atuamos. Nossas possibilidades eleitorais vão sendo construídas à medida em que nosso programa político, nossos posicionamentos frente às questões cotidianas da luta de classes e nossas ações – diretas e em meio às frentes das quais participamos – vão sendo reconhecidas.

A participação nas eleições deve se dar na forma de chapas próprias ou em alianças – fora do campo burguês – que possibilitem ao Partido expor e defender suas ideias e propostas de forma clara e inequívoca. O PCB rejeita veementemente a utilização de nossa sigla partidária como moeda de troca em acertos políticos eleitorais, regionais ou locais, com forças que compõem o bloco conservador, assim como a participação em qualquer esfera do poder público que implique em partilhar a responsabilidade de gestões associadas a este campo. Os mandatos dos parlamentares e membros do Executivo que venham a se eleger são do Partido e devem representar sua linha política e ideológica. O mandato de um parlamentar ou executivo comunista deve ser encarado como uma tarefa do Partido, a ser exercida dentro dos princípios que norteiam nossos valores proletários.

O PCB vem lutando pela constituição de uma Frente de Esquerda permanente, que tenha um caráter anticapitalista e anti-imperialista e que não se limite ao terreno eleitoral, mas que privilegie as diversas formas de luta no movimento de massas. Para o PCB, esta frente não se limita aos partidos com registro eleitoral, mas deve envolver outras organizações políticas e movimentos sociais que defendam a superação da ordem burguesa. Esta frente não se materializou nas eleições gerais de 2006, quando PCB, PSOL e PSTU apenas se coligaram para o apoio a uma candidatura carismática e individualista à Presidência da República e para as eleições aos governos estaduais, ao Senado, à Câmara Federal e às Assembleias Legislativas. Por não se tornar uma frente baseada na luta cotidiana das massas e não ter horizonte programático, a frente não se repetiu, nem nas eleições municipais de 2008, nem nas eleições gerais de 2010. O PCB entende, entretanto, que devemos manter os esforços para a constituição da Frente de Esquerda permanente. Na questão eleitoral, o diálogo deve ser mantido especialmente com as correntes do PSOL com as quais temos mais identidade e que expressem o espírito de unidade com o PCB. A critério exclusivo do Comitê Central, podem ser analisadas outras possibilidades no campo popular e democrático, sobretudo em conjunto com o PSOL.

Para o PCB, a unidade eleitoral da esquerda não implica em aplainar as diferenças existentes, muito menos em algum tipo de rendição programática que conduza à diluição de nossas diferenças, tanto em relação ao projeto democrático popular mal superado, quanto ao esquerdismo. É um momento de unidade na luta que contraponha, ao discurso oficial do bloco hegemônico liderado pelo PT e pelo PSDB, uma alternativa de caráter popular e socialista, também como opção eleitoral.

Um Programa Anticapitalista para as Cidades

Os comunistas do PCB utilizarão o espaço das campanhas eleitorais para, em primeiro lugar, avançar na organização e no nível de politização dos trabalhadores, contribuindo para a difusão das ideias socialistas e comunistas e o aprofundamento da luta de classes e das lutas contra a dominação capitalista nas cidades. E se empenharão na criação de mecanismos de participação popular, na perspectiva da democracia direta, capazes de dar sustentação a um projeto de transformação profunda da sociedade, no rumo da construção do socialismo.

Trata-se de promover um grande movimento em favor da mudança radical na orientação do desenvolvimento econômico e social das cidades, que deve ser pensado a partir das necessidades dos trabalhadores e das camadas populares, as maiores vítimas das formas brutais de exploração do trabalho e do crescimento urbano desordenado imposto pela ordem capitalista, quadro este responsável pela queda vertiginosa da qualidade de vida, pelo aumento da violência e das doenças, pela desigualdade de acesso à educação, ao conhecimento e à cultura, pela destruição do meio ambiente.

Por isso lutamos por um modelo econômico que transfira renda dos capitalistas, latifundiários e especuladores para as classes trabalhadoras. O orçamento público deve ser pensado, na lógica do interesse das classes populares, com vistas a promover esse processo de transferência de renda. De um lado, taxando pesadamente o capital e combatendo a sonegação. De outro, investindo prioritariamente nas áreas sociais: educação, saúde, cultura, assistência social, reforma urbana e agrária, preservação ambiental, agricultura familiar e economia solidária.

Radicalizar a reforma urbana para além do atual Estatuto da Cidade é buscar recuperar a justiça social nas cidades. A moradia digna, a educação, a saúde, o saneamento básico, o transporte, a cultura, o lazer, ou seja, os serviços sociais públicos, com qualidade, são direitos do cidadão e como tal devem ser universalizados através do Estado. O controle democrático radical das políticas públicas se dará por meio da construção do Poder Popular, para promover a verdadeira revolução na administração pública, retirando o caráter de mercado dos serviços sociais e garantindo a sua universalização como direitos.

Revolucionar a educação e a cultura é construir um sistema educacional que rompa com a reprodução da ideologia dominante e a desigualdade de acesso ao conhecimento, à cultura e à arte universais, promovendo a escola pública integral e humanista, capaz de romper com a mercantilização da formação e da educação hoje vigente. Os enormes ganhos que a escola privada hoje obtém devem ser taxados para financiar a expansão da rede pública, contribuindo para o combate à lógica da reprodução capitalista que reserva à escola pública a formação para o trabalho assalariado.

Somente com a mobilização dos trabalhadores e a participação popular organizada será possível realizar os objetivos gerais do Programa Anticapitalista do PCB para as cidades, cujos pontos centrais são:

Propostas gerais (principais bandeiras políticas)

Democracia Direta e Poder Popular

- Construir o Poder Popular significa instituir a democracia participativa direta, de forma a que os trabalhadores e as comunidades proletárias possam experimentar mecanismos de participação e decisão política, através dos Conselhos Populares. Trata-se de um longo percurso, no qual os trabalhadores devem ir construindo no interior da velha ordem os elementos constitutivos e organizativos da futura ordem socialista. As lutas populares no âmbito do poder local colocam, cada vez mais, na ordem dia o protagonismo dos trabalhadores e das massas populares, que buscam criar meios institucionais para que seus interesses e necessidades sejam defendidos com independência e autonomia, não se prendendo aos limites da atual ordem institucional, mas inovando e criando novas formas de poder político, no sentido da democracia direta.

- Por isso propomos a construção de órgãos de poder proletário e popular que, atuando na forma de conselhos autônomos da classe trabalhadora, exercitem o processo de gestão e deliberação sobre os assuntos que dizem respeito diretamente às massas populares, além de ações diretas para solucioná-los. É necessário organizar a luta dos trabalhadores por melhores condições de vida e moradia, pelo acesso universal à saúde, à educação e aos serviços fundamentais, não apenas como ampliação de serviços públicos, mas pelo controle do processo e da qualidade da execução das políticas públicas.

- Será preciso organizar também formas de abastecimento e controle popular de distribuição dos bens essenciais à vida, desenvolver uma solidariedade ativa entre as categorias e setores sociais, fomentar interesses comuns e a necessidade de uma nova forma de organização da produção social da vida para além do mercado e da lógica do capital. E ainda: organizar a cultura proletária e popular como acesso e produção universal de bens culturais, formação política, conhecimento da história, do funcionamento da sociedade e da luta internacional dos trabalhadores, para além da formação técnica e profissional.

- Os Conselhos Populares nascerão das experiências concretas de lutas dos trabalhadores, partindo mesmo de organismos já existentes, como associações de moradores, conselhos comunitários nos bairros, sindicatos, organizações nos locais de trabalho, comitês da juventude, movimentos de moradia, luta contra o desemprego, contra privatizações, luta pela terra, fóruns comuns de mobilização envolvendo bandeiras gerais como a saúde, a educação, os transportes, a defesa do meio ambiente etc). Cabe aos militantes comunistas a intervenção organizada nestes espaços, promovendo sempre a denúncia da ação do capital em todas as esferas da sociedade e da vida e apontando para a solução radical dos problemas vividos pelos trabalhadores. Daí ser necessário ter como norte a difusão de experiências de ação que já ocorrem em várias cidades do país, mas que hoje ainda possuem um alcance localizado e disperso: a ocupação de fábricas e empresas, com a formação de comitês voltados à organização da produção sob o controle dos trabalhadores; a ocupação de espaços ociosos (a serviço da especulação imobiliária) para a moradia popular; a ocupação dos latifúndios, com o propósito de organizar a produção cooperativada, sob a direção dos trabalhadores, etc.

- Depende de muita luta e organização a possibilidade de se constituir tal realidade, em que sejam colocadas frente a frente as alternativas antagônicas de ordenamento da sociedade: de um lado, o Estado burguês e os diversos mecanismos e aparelhos responsáveis pela reprodução e manutenção da ordem capitalista; de outro, as forças políticas e organizações sociais e populares, reunidas em torno do Poder Popular, defendendo uma nova ordem socialista. O momento eleitoral é propício para que o debate político se dê em torno das questões programáticas e do seu conteúdo histórico e ideológico, superando qualquer tentativa de conduzir a luta por caminhos reformistas ou pelo pragmatismo oportunista.

Propostas Específicas

1 – Economia e Planejamento geral das cidades

- Criação dos Conselhos Populares de Educação, Saúde, Transportes, Habitação, Meio Ambiente, Cultura, Esportes, etc, com representantes eleitos em cada bairro, distrito e município, para promover a conscientização política e a participação direta da população no processo de tomada de decisão e formulação dos programas e planejamento das ações dos governos municipais, com acompanhando e controle popular sobre a execução das políticas públicas para todos os setores;

- Garantia de participação direta na elaboração e implantação dos planos diretores das cidades; luta por condições adequadas de infraestrutura urbana (como calçamento, água encanada e saneamento, iluminação pública, rede elétrica, telefonia e outros elementos) e social, como segurança sob controle social, postos de saúde, escolas, transportes, assistência social e outros;

- Promoção do desenvolvimento voltado para a inclusão e a igualdade social, com a garantia do emprego, da moradia, da geração de renda e a dignificação das condições de trabalho e remuneração do quadro de servidores públicos;

- Expansão da presença do Estado para a universalização do acesso aos serviços urbanos (saneamento, água, luz, gás, etc) e dos serviços sociais básicos (saúde, educação, cultura, lazer, segurança, habitação), visando à reversão do caráter de mercado hoje inerente aos mesmos;

- Planejamento econômico e social participativo visando o crescimento ordenado das cidades e do campo, a promoção do uso social da propriedade e o desenvolvimento com qualidade de vida, priorizando ações voltadas às camadas populares;

- Reforma urbana centrada no uso social da propriedade e do solo urbano e de um plano de desenvolvimento social, com imposto progressivo sobre o capital, as finanças, as grandes propriedades e grandes fortunas, sob controle e fiscalização pelos trabalhadores, organizados no Poder Popular;

- Estatização das empresas privadas de transportes, saneamento, água, energia elétrica, coleta de lixo e expansão dos serviços sociais, visando fortalecer sistemas públicos de educação, saúde, transportes e garantir universalização do acesso ao serviço gratuito e de qualidade, com melhoria dos salários e das condições de trabalho dos trabalhadores;

- Elaboração de programas de geração de emprego e renda e serviços públicos de qualidade, tais como obras públicas com fiscalização direta da população, construção de moradias, ampliação das redes de saúde e educação, recuperação de prédios e instalações dos municípios, jardinagem e tratamento paisagístico, limpeza urbana, obras de saneamento e de construção de redes de abastecimento de água, ações preventivas de saúde, controle de trânsito, reflorestamento e recuperação ambiental;

- Isenção de taxas e cobranças de serviços básicos (água, luz, gás) para os desempregados e proteção contra as ações de despejo por falta de pagamento em caso de desemprego;

- Programa de alimentação popular, com restaurantes públicos e cestas básicas a preço subsidiado, para famílias cadastradas; abrigo e alimentação para a população de rua, com a utilização de imóveis do Estado para este fim;

- Reajustes anuais de salários dos servidores públicos e implantação ou cumprimento dos planos de carreira elaborados a partir de ampla participação dos trabalhadores.

- Incentivo à produção industrial e agrícola voltada para o abastecimento interno, ao desenvolvimento de infraestrutura e de empreendimentos nas áreas sociais, intensivas em trabalho e geradoras de bem estar, como habitação, transportes, educação, saúde e cultura;

- Programa de reforma agrária e de formação de cooperativas, voltado para a produção de hortifrutigranjeiros, articulada à criação de mercados populares para venda de alimentos e produtos do trabalho individual e cooperativo;

- Desapropriação de fazendas e criação de áreas de produção de pequeno porte no entorno das cidades, com a concessão do direito ao usufruto da terra sem direito de revenda;

- Programas de apoio público, sob controle popular, a pequenos empreendimentos e à viabilização de pequenos produtores agrícolas, com o estímulo à formação de cooperativas;

- Recuperação do patrimônio histórico e incentivo ao turismo cultural e ecológico;

- Plano de desenvolvimento científico e tecnológico que aponte para prioridades sociais: emprego, saúde, educação, habitação, transportes, defesa civil, meio ambiente, habitação e desenvolvimento urbano.

2 – Educação

- Criação dos Conselhos Populares de Educação, para, através do Poder Popular, promover a necessária revolução na educação, na lógica oposta à da mercantilização do ensino, da desigualdade de acesso ao conhecimento e à reprodução da ideologia burguesa;

- Taxação progressiva dos lucros obtidos pela rede privada, para financiar a expansão da escola pública; aumento da fiscalização sobre as escolas particulares, nos planos acadêmico, trabalhista e fiscal, com o descredenciamento, pelo Município, das empresas educacionais de baixa qualidade ou em situação irregular;

- Universalização do acesso à Educação Infantil e ao Ensino Fundamental público, gratuito e de qualidade, com elevação do padrão de qualidade do ensino, combatendo a lógica da reprodução capitalista e da dominação burguesa, que reserva aos alunos da escola pública a formação para o trabalho assalariado;

- Construção de uma escola universal, laica e libertária, que permita ao educando obter uma formação sólida, rica, crítica e abrangente, para levá-lo ao exercício pleno de suas potencialidades e da cidadania;

- Melhoria dos salários e das condições de trabalho dos profissionais de educação, com contratação apenas por concurso, fim das terceirizações e dos contratos temporários, aplicação dos planos de cargos e salários dentro do regime estatutário, elevação do padrão de qualificação e programas de formação continuada;

- Autonomia e gestão participativa nas escolas, com eleição para os cargos de diretores e garantia da participação das comunidades escolares nas decisões sobre o Projeto Político Pedagógico e nas demais políticas de interesse da população e dos trabalhadores;

- Programa de apoio econômico às famílias, com base na carência de cada uma e na existência de filhos e agregados matriculados e estudando nas escolas públicas municipais;

- Programas de construção de salas de leitura, bibliotecas, áreas esportivas e instalações adequadas e condições materiais para o ensino de arte e educação física para todos os estudantes da rede municipal.

3 – Cultura

- Criação dos Conselhos Populares de Cultura, para debater e decidir políticas públicas de incentivo às produções artísticas e culturais organizadas pela população nos bairros, distritos e comunidades, com a mais ampla e irrestrita liberdade de manifestação popular nos campos cultural, intelectual e artístico, em contraponto à forma capitalista de criar, distribuir e consumir bens culturais;

- Cadastramento, recuperação e preservação do patrimônio histórico e cultural das cidades;

- Criação de Centros Culturais, com salas para acesso à internet, biblioteca, livraria, cinema, teatro, salas de leitura, espaço para dança e exposições;

- Fomento à produção de livros e abertura de livrarias; criação de mercados populares para a venda de livros e outros produtos culturais;

- Programas de fomento a novos artistas, autores e grupos e de formação de público, garantindo o acesso amplo aos mais diversos gêneros de música, dança e artes plásticas;

- Apoio à criação e expansão de museus interativos.

4 – Meio ambiente

- Criação dos Conselhos Populares do Meio Ambiente, com vistas à definição de políticas que busquem a preservação ambiental na lógica contrária do capitalismo e que avancem para além do discurso rebaixado do “marketing verde”;

- Plano de desenvolvimento e recuperação do meio ambiente, que inclua recomposição da cobertura vegetal, a recuperação de rios, lagoas, restingas, além de outros sistemas;

- Cumprimento e aperfeiçoamento da legislação municipal para que contemple a proteção ambiental, com forte taxação e penalidades às empresas destruidoras do meio ambiente;

- Criação de polos industriais para incentivo às empresas produtoras de mercadorias ambientalmente amigáveis, que utilizam energias renováveis, tecnologias limpas e promovam boas condições de trabalho;

- Incentivo à pesquisa, à produção e à distribuição de energia a partir de fontes renováveis, com destaque para as energias eólica, solar e de biocombustíveis; políticas de estímulo ao consumo de energia gerada por fontes alternativas;

- Construção de usinas de reciclagem de lixo, com tecnologia apropriada; eliminação dos “lixões” e aterros sanitários existentes;

- Projetos de educação ambiental nas escolas e comunidades; coleta seletiva do lixo;

- Ampliação e conservação, sob controle popular, do número e da qualidade de parques e jardins nas cidades.

5 – Transportes

- Criação dos Conselhos Populares de Transportes, para deliberação sobre as políticas de transportes públicos e de trânsito e seu acompanhamento, na ótica dos interesses e necessidades dos trabalhadores e das camadas populares, com a garantia da mobilidade urbana a baixo preço para todos e amplo debate sobre a qualidade dos serviços e os níveis justos das tarifas;

- Prioridade ao desenvolvimento do sistema de transporte coletivo e de massa e integrado, com prioridade os modos aquaviário e ferroviário, com VLTs, metrôs, trens e barcas;

- Garantia de transporte gratuito para idosos, deficientes físicos, estudantes e desempregados;

- Garantia de transporte noturno em horários regulares;

- Criação de empresas públicas, não renovação de concessões, revisão de contratos e aumento da fiscalização sobre as empresas privadas, com a encampação das empresas irregulares ou em situação falimentar, apontando para a construção de um sistema de transportes totalmente público;

- Revisão do sistema de tarifação atual, com a implantação de tarifa única a baixo preço, em nível de cerca de 1/3 dos valores atuais;

- Desenvolvimento de ciclovias.

6 – Saúde

- Criação dos Conselhos Populares de Saúde, que reúnam os trabalhadores e suas organizações, nos locais de moradia e de trabalho, com vistas a aprofundar as lutas contra a privatização e pela universalidade do acesso à saúde pública, estatal e de alta qualidade;

- Expansão da rede pública, para garantir o acesso universal ao sistema de saúde gratuito e de qualidade, com ações integradas e preventivas de saúde;

- Aumento imediato dos salários dos profissionais de saúde e implantação dos planos de carreira, com o fim dos contratos precários e da flexibilização das relações de trabalho;

- Criação e expansão do programa de Saúde da Família, para acompanhamento sistemático da saúde da população, com a formação de agentes de saúde para a realização de um efetivo trabalho integrado dos profissionais da saúde com a comunidade, através de visitas domiciliares, controles de epidemias, acompanhamento efetivo de pacientes com doenças crônicas, prevenção de doenças da infância, incentivo ao aleitamento materno etc;

- Fim dos contratos com as Organizações Sociais, ONGs, terceirizações e demais medidas privatizantes adotadas a partir do sucateamento da rede pública de saúde;

- Saneamento básico e provimento de água potável para toda a população;

- Criação de centros de esporte e lazer nas cidades; recuperação e modernização de praças e parques para atividades esportivas e de lazer;

- Implantação de programas de atendimento a gestantes, crianças e paciente crônicos; programa eficiente de saúde da mulher;

- Legalização do aborto e políticas públicas de promoção dos direitos da mulher.

7 – Habitação

- Criação dos Conselhos Populares de Habitação, para participação direta da população na definição das políticas de moradia e controle popular sobre a aplicação das verbas públicas e fundos estatais voltados para este fim;

- Universalização do acesso à habitação de qualidade para todas as famílias;

- Pela legalização das ocupações e contra a política de remoções;

- Reassentamento, com infraestrutura urbana e moradia digna, próximo ao local da comunidade reassentada;

- Destinação das terras públicas para habitação de interesse social (famílias abaixo de um salário minímo do DIEESE);

- Combate à especulação imobiliária, pela aplicação da função social da propriedade;

- Taxação progressiva dos impostos sobre a propriedade;

- Articulação dos programas habitacionais e de implantação de infraestrutura com uma política de geração de emprego e renda;

- Envolvimento das universidades e dos institutos de pesquisa na implementação do plano de reforma urbana, com o redirecionamento de ações de ensino, pesquisa e extensão, articulando temáticas sociais ao planejamento e desenvolvimento urbano.

8 – Seguridade Social, bem estar e direitos humanos

- Criação do Conselho Popular dos Direitos do Cidadão, encarregado de traçar uma política de direitos para a população, de coordenar a rede de Centros de Direitos e da Cidadania e de fiscalizar a elaboração e a execução das políticas públicas de seguridade social, bem estar e segurança;

- Criação dos Centros de Direitos e da Cidadania, para prover juizados de pequenas causas, serviço de identificação e de orientação à população;

- Garantia de cobertura assistencial médica e social aos idosos e doentes crônicos; rede de creches públicas;

- Programa de segurança alimentar, para a garantia da alimentação básica a toda a população;

- Programas de combate contra qualquer tipo de discriminação – racial, sexual, religiosa e outros;

- Políticas públicas voltadas à promoção da saúde integral da mulher, no campo dos direitos sexuais e reprodutivos, dos direitos sociais e das relações de trabalho;

- Política pública de segurança, sob controle popular, para combater a violência com ações integradas de distribuição de renda e desenvolvimento social, associadas a uma ação policial prioritariamente investigativa.