terça-feira, 12 de junho de 2012

Comissão Nacional da Verdade: relato na sua primeira sessão pública

Que a comissão da verdade esteja à altura desse depoimento pungente e verdadeiro!

"Oi, meu nome é Cândida Cappello Guariba, sou neta de Heleny Guariba: diretora de teatro, professora universitária, presa, torturada, sequestrada, assassinada. desaparecida em julho de 1971 por lutar contra a ditadura. Bem, vou ler alguns pontos que preparei para pedir que sejam incluídos no trabalho da CNV e um paragrafosinho final, estou certa de que, da lista de pedidos que lerei a seguir, parte se inclui na lei que instituiu esta comissão e parte não. Lerei todos:

- que se inclua na conta de mortos e desaparecidos políticos os camponeses mortos (que até onde eu ouvi são em torno de 250) e os indígenas mortos (que até onde eu ouvi são em torno de 2000) - que o estado reconheça este genocídio;
- que se faça uma lista de "afetados/vítimas" incluindo torturados, perseguidos e exilados (estima-se em torno de 30.000 o número de torturados);
- que se faça uma lista de torturadores, incluindo todos as pessoas que trabalharam nos aparelhos da repressão - que se faça uma lista de colaboradores (jornais, tvs, empresas, multinacionais) e de como se deu sua atuação;
- que se esclareça qual foi o apoio internacional dado ao Brasil, tanto por multinacionais como por governos, e como este se deu - que se esclareça como se deu a operação condor e qual foi a relação da ditadura brasileira com as demais ditaduras da América do Sul;
- que se faça uma revisão histórica do que significou o golpe de 64: como e por quem o golpe foi dado? (quem o planejou? quais foram as partes envolvidas? qual o papel de cada uma? quais os interesses do golpe? a quem ele servia? foi um golpe militar ou, mais que isso, um golpe de classe?);
- que se faça um relatório sobre qual é a relação de crimes que continuam ocorrendo (de violação de direitos humanos, corrupção, abuso de poder, repressão e criminalização dos movimentos sociais) com a ditadura (métodos que foram repassados, pessoas que continuam no poder) - questão Gilson dipp - bem, eu não conheço a fundo o caso Gomes Lund, guerrilha do Araguaia X Brasil, mas parece que o senhor participou do julgamento na corte interamericana de direitos humanos. gostaria que esclarecesse qual foi sua atuação/papel lá;
- que seja feita uma parceria com o MPF [Ministério Público Federal];
- que seja quebrado o pacto do possível no qual esta comissão foi constituída, este é um apelo que parece subjetivo mas, ao meu ver, é bem objetivo;
- que se saiba quem são os culpados impunes das barbáries cometidas;
- que não aja mais desaparecidos nessa história;
- que, se alguns destes talvez pretensiosos pedidos não puderem ser acatados, que haja uma declaração oficial sobre o ponto.

 
O Estado não tem o poder de estabelecer ou "restituir" minha paz familiar, não tem o poder de me reconciliar com aqueles que me oprimem e oprimem a sociedade, aqueles que reprimiram a possibilidade de um avanço social dando o golpe de 64 e que reprimiram e trucidaram a resistência à ditadura.
 

O Estado não pode me dar a memória da avó que eu não tive, nem ao meu pai e ao meu tio a memória da mãe que o Estado tirou a vida tão cedo, nem as famílias que perdem seus pais e filhos diariamente na guerra do Estado contra a pobreza, cujo pretexto, no presente momento, é a guerra, há tanto perdida, contra o tráfico de drogas. aqui vale comentar que a especulação imobiliária muitas vezes faz o Estado ir além disto.
 

Bem, disse isso para embasar esta última frase: minha necessidade não é a de saber nas profundezas de que mares o corpo de minha avó foi parar, minha necessidade de familiar de uma desaparecida política e de cidadã é que o povo saiba o que aconteceu, por que continua acontecendo, quem continua no poder, que sistema tem se repetido e o que significa a impunidade."

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