terça-feira, 7 de julho de 2009

Afeganistão e Paquistão, os novos focos dos EUA

CONFLITO Hegemonia estadunidense está em jogo na Ásia Central e no Oriente Médio

CONFLITO Hegemonia estadunidense está em jogo na Ásia Central e no Oriente Médio
Renato Godoy de Toledo
da Redação


ENQUANTO O mundo observa com preocupação o desenvolvimento nuclear da Coreia do Norte, os Estados Unidos, com o maior arsenal bélico do planeta, promovem uma mudança de estratégia para manter sua hegemonia político- militar.
Com a impossibilidade de lograr uma vitória no Iraque e a pressão da opinião pública, o processo de retirada de tropas deve ser cumprido pelo novo presidente Barack Obama, que, aliás, tem a medida como promessa de campanha. No entanto, para manter a sua “máquina militar” em funcionamento, fomentando a indústria bélica e mantendo seu status geopolítico, os EUA adotaram um deslocamento tático neste ano. O novo foco é a Ásia Central, com intervenções militares no Paquistão e Afeganistão, sob o pretexto de combater o grupo islâmico Talibã. O motivo é o mesmo que foi alegado em 2001, meses após o 11 de setembro, para invadir o Afeganistão e depor o governo Talibã. Desde então, os EUA ocupam o país militarmente, mas o foco central de sua geopolítica tem sido o Iraque, país invadido em março de 2003.
Agora, com o crescimento da influência do Talibã no vizinho Paquistão, Obama anunciou o envio de 5 mil militares estadunidenses ao Afeganistão e convenceu a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) a enviar mais 4 mil soldados. “Os EUA não podem carregar sozinhos o fardo da guerra”, justificou Obama ao convocar a Otan.
Esse efetivo militar, que compõe a Força Internacional de Assistência à Segurança (Isaf), tem a determinação de treinar as tropas do exército afegão para que estas combatam os Talibãs em seu território. Somente essa nova investida dos EUA deve custar cerca de 2 bilhões de dólares anuais.
No Paquistão, os guerrilheiros Talibãs têm sido combatidos pelo exército do país que ocupa o Vale do Swat, controlado pelo grupo islâmico. De um lado, 15 mil soldados do exército; de outro, cerca de 5 mil militantes. Nesse contexto de recrudescimento da violência, os talibãs têm adotado o sequestro como tática. No mais recente, cerca de 80 estudantes foram feitos reféns por 24 horas, até serem libertados pelo exército nacional, em Razmak, no noroeste do país. Agências de notícias internacionais calculam que cerca de mil talibãs e 50 soldados paquistaneses morreram em um mês de conflito.

Falsos pretextos
Tal como a guerra do Iraque não tinha o objetivo de combater o terrorismo, o reforço militar na Ásia Central não tem o combate ao grupo islâmico como um fim em si mesmo, de acordo com analistas internacionais. Segundo o jornalista palestino Ramzy Baroud, da publicação Palestine Chronicle, o maior interesse dos EUA na região é relacionado à localização estratégica do Paquistão e do Afeganistão, que estão próximos de China, Rússia e Irã, países com potencial bélico e interesses nem sempre convergentes aos dos EUA.
Em entrevista, o jornalista analisa quais são as motivações dos EUA para voltar o seu foco à Ásia Central. Confira a seguir.

Brasil de Fato – Na sua opinião, quais são as razões para essa mudança do foco militar dos EUA, do Oriente Médio, com a invasão do Iraque, para a Ásia Central, no Paquistão e Afeganistão? São motivações pontuais ou estratégicas, de longo prazo?
Ramzy Baroud
– Inicialmente, o único significado da mudança de foco dos Estados Unidos – do Iraque para o Paquistão e Afeganistão – são retóricos: com uma ênfase exagerada na necessidade em “ganhar” a batalha contra o Talibã e uma menor perspectiva de militarização no Iraque. O fato é que os EUA já estão se retirando do Iraque. Ainda que acreditemos na atual retórica de retirada, os EUA continuarão a se envolver militarmente no Iraque, mas com uma capacidade diferente. Deverá haver uma estratégia de reposição e de re-emprego das forças de combate, mas o Iraque vai continuar sendo a principal prioridade dos próximos anos.
A realocação do foco para o Paquistão ou Afeganistão pode ser explicada por fatores internos e externos relacionados à política externa estadunidense sob o governo Barack Obama. Por um lado, no caso de nenhuma redução de forças no Iraque, essas tropas teriam que ser levadas a algum outro lugar, para manter a máquina militar dos EUA funcionando. Mas Obama poderia querer preservar a chamada liderança e sua reputação: se as forças estadunidenses saírem do Iraque e voltarem aos EUA, esse movimento poderia ser visto como uma derrota de um império decadente. Ao transferir as tropas para outro lugar, o movimento poderia ser explicado como um tático reenvio de forças justificado com base nas necessidades estratégicas, e isso dá a impressão de que a nova presidência dos EUA é prudente.

Em termos materiais, de recursos naturais, o que está em jogo na região? Além disso, qual é a sua importância geopolítica? Em outras palavras, por que os EUA se veem motivados a controlála?
Tudo isso é motivado pela estratégica localização da região. O Afeganistão é estrategicamente importante por conta de sua exclusiva viabilidade de acesso (ao lado do Irã e China) a uma região com muitos recursos naturais. Os dois países não têm grandes reservas de riquezas naturais, mas a significância do Afeganistão vem do fato de este ser o único acesso dos EUA para a região mais rica, em termos de recursos naturais, do mundo. Azerbaijão, Uzbequistão, Quirguistão, entre outras ex-repúblicas soviéticas que estão situadas em regiões altamente conflituosas. Eles fazem fronteira com a Rússia, alguns com a China, dois dos mais poderosos países do mundo. Considerando a imensa riqueza nessa região, principalmente em petróleo e gás, ter acesso a esses países poderia significar a definição de uma nova era de grandes conflitos ali.
O crescimento da relevância do Paquistão é resultado do fato de o aumento de poder do Talibã afegão estar relacionado ao ascenso do chamado Talibã paquistanês. A hegemonia estadunidense dessa maneira está sendo desafi ada em duas grandes arenas (no Oriente Médio e Ásia Central), onde supõe-se que os EUA assumam o controle. O fracasso nesse aspecto poderia significar uma derrota estratégica ou até acarretar numa humilhação para os Estados Unidos.

Com quase um semestre da nova gestão, pode ser observada alguma diferença substancial entre a política de Bush e Obama para a região?
Mais uma vez, a principal diferença entre as duas políticas está na linguagem. Bush fala a língua do império, de um país que tem direito de posse sobre os negócios do mundo e sobre os rumos da história. Obama pronuncia uma linguagem mais sensível, acerca da responsabilidade global, mas continua a responsabilidade exercida por um país que mantém a mesma noção de direito de posse de antes. O que explica tudo isso é a linguagem. A impressão que dá é que terá mais violência no Paquistão e no Afeganistão levada a cabo pelos EUA do que antes. Sob Obama, estão sendo assassinados mais civis no Afeganistão do que na era Bush. Com ele, haverá mais militarização daqui em diante.

O envio de mais tropas da Otan ao Afeganistão, incentivado por Obama, tem um sentido simbólico? Seria a comprovação da continuidade da política militar dos EUA?
O significado disso não é simbólico, mas real. Significa que os EUA continuam comprometidos com suas aventuras militares, e que não haverá maiores mudanças em táticas ou na realidade dos fundamentos em termos das relações dos EUA com esses outros países, altamente empobrecidos, oprimidos e coletivamente vitimizados.

Quem é
Ramzy Baroud
é um jornalista palestino-estadunidense. Foi produtor da rede de TV árabe Al-Jazeera e atualmente é editor-chefe da publicação Palestine Chronicle.

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