domingo, 8 de abril de 2012

Tortura durante a ditadura, relato de ÁUREA MORETTI


Acordei no chão da cela com um deles me chutando. Comecei a ser arrastada pelo corredor cheio de policiais e levada escada acima. Eles eram muitos. Um deles começou a falar que era meu noivo, que ia casar comigo. De repente, os outros começaram a passar a mão em mim, no meu corpo, nos meus seios, coxas – aquele monte de homens – e começaram a cantar a marcha nupcial. Quando abriram a porta, tinham montado uma sala de tortura no quartel de Ribeirão Preto, com pau de arara, choque elétrico, e aquele monte de homens gritando, me batendo. O homem que disse que ia casar comigo rasgou a minha roupa. Me jogaram água, o bombeiro me amarrou na cadeira e começou a sessão de choque elétrico praticamente a noite inteira, e eu nua, apanhando. Eram choques nos seios, no ventre, na vagina, dentro do ouvido... Era um pesadelo. Era um monte de homens, de 30 a 40 anos, todo o pessoal da Oban que tinha vindo para Ribeirão. Três dias depois fui levada para São Paulo com meus companheiros de organização. Durante a viagem, o torturador ia me assediando. Ele dizia que queria trepar comigo e que a gente ia virar presunto na estrada. Na Oban nós já chegamos apanhando, os meninos foram para um lado e eu subi para uma cela minúscula com oito mulheres. Depois voltamos para Ribeirão. Quando chegamos no quartel, foi um massacre. Era dia e noite gente caindo; os padres, a irmã Maurina Borges da Silveira... Me lembro de quando ela chegou na cela. Eu estava de bruços porque estava muito estraçalhada e pensei: ‘Meu deus, o que essa freira está fazendo aqui?’. Ela foi torturada e assediada. Eu sou testemunha da cena. O capitão Cirilo, do Exército de Pirassununga, tentando agarrá-la, passando a mão nela. A repressão aqui foi tão grande que a Igreja excomungou os dois delegados de Ribeirão, Miguel Lamano e Renato Ribeiro Soares. Não sei nem como eu fi quei viva. Tiveram de tirar a gente do quartel porque qualquer soldado se sentia no direito de ir no banheiro com a gente, assediar. Eles falavam assim: ‘Ô boneca terrorista, vamos jogar dados e fazer a fila para ver quem será o primeiro’.

ÁUREA MORETTI, ex-militante das Forças Armadas de Libertação Nacional (FALN), era estudante de enfermagem quando foi presa em 18 de outubro de 1969, em Ribeirão Preto (SP). Hoje, vive na mesma cidade, onde é enfermeira da Secretaria Municipal de Saúde.

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