domingo, 8 de abril de 2012

Tortura durante a ditadura, relato de LILIAN CELIBERTI


No domingo, 12 de novembro de 1978, fui à rodoviária de Porto Alegre esperar uma companheira. Eram 9 horas da manhã. Alguém, com tom amável, pediu-me os documentos. Entreguei o passaporte uruguaio e me conduziram a um escritório. Até então, eu pensava que era um controle de rotina. Fazia pouco que eu tinha chegado ao Brasil com meus fi lhos e, apesar de saber das novas detenções em Buenos Aires e Montevidéu, achei que não devia me preocupar. Mal entrei no escritório da rodoviária, um homem uruguaio me cumprimentou. Lembro-me dele: capitão Giannone. Havia criado uma fama de cruel e parecia desfrutar dela. A presença do militar uruguaio junto dos policiais brasileiros não deixava dúvidas de que se tratava de uma ação coordenada de repressão. Em pouco tempo, encontrei-me nua na delegacia de Porto Alegre, com cabos elétricos nos ouvidos e nas mãos. As descargas e a água, as descargas e a água, as descargas e a água, pensando no perigo que meus filhos corriam e nos fi lhos desaparecidos de Sara, de María Emilia. O medo se sente nos intervalos, quando os choques elétricos cessam; quando eles o aplicam, você sente dor. O verdadeiro medo é o que se sente quando essa sessão de tortura termina e você sabe que vai começar a outra, ou quando não começa nada, mas você está lá esperando, paralisada por essa sensação, talvez a mais terrível que se pode sentir. Nesse momento, o que mais dói é a humilhação de estar lá, uivando, com o corpo empapado de merda e pulando sem poder controlar, pulando sem que a sua vontade possa impedi-lo. O objetivo da tortura é esse: vilipendiar você como pessoa, que seu corpo e sua vontade percam o controle e você se sinta um montão de carne, ossos, merda, dor e medo. Não tive nenhuma informação sobre o destino dos meus filhos até o final daquele ano, quando obtive notícias por meio de um soldado que teve piedade de mim.

LILIAN CELIBERTI, uruguaia, ex-militante do Partido da Vitória do Povo (PVP), era professora quando foi sequestrada em Porto Alegre (RS), em 12 de novembro de 1978, juntamente com seus fi lhos Camilo e Francesca e seu companheiro na época, Universindo Díaz. Hoje, vive em Montevidéu, capital do Uruguai, onde é ativista de direitos humanos e coordenadora da ONG feminista Cotidiano Mulher.

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