segunda-feira, 29 de junho de 2009

Curitiba: imprensa foi impedida de cobrir o despejo da Fazendinha

Por Pedro Carrano - do Jornal Brasil de Fato
Área de ocupação em Curitiba sofre segundo despejo forçado

Cinco e meia da madrugada do dia 25 de junho. O 13º Batalhão da Polícia Militar do Paraná, acompanhado da Tropa de Choque, da Guarda Municipal e de vários funcionários da prefeitura de Curitiba, já estava a postos para cumprir a ação de reintegração de posse de cerca de 80 pessoas da ocupação Celso Sama Eidt. Chegavam ao fim oito meses de ocupação de uma calçada municipal no bairro do Fazendinha, periferia de Curitiba.
Na verdade, o operativo com forte aparato policial – participaram da operação cerca de 200 homens - já havia sido provado na pele por todos ali: trata-se da segunda ação de despejo por que passam os moradores, sem terem suas reivindicações atendidas (veja abaixo manifesto dos moradores). A primeira vez ocorreu com truculência, em outubro de 2008, quando a ocupação contava com mais de 5 mil pessoas. Do terreno ocupado, recorreram então à ocupação da calçada em frente. A atual ação de reintegração de posse foi emitida pela Prefeitura de Curitiba, e organizada pela Secretaria de Segurança do governo do estado.
Entre os moradores, indignação, sensação de impotência. Dois ocupantes já haviam sido assassinados no local. O cenário do dia 25 foi composto por cães amarrados, pessoas retirando os poucos pertences antes da chegada de um dos tratores, carregados em caminhões da Cohab-Curitiba. Barracões de madeira e telhados de zinco destruídos.
O destino era incerto. A Fundação de Ação Social (FAS), órgão ligado à Prefeitura, apontou um centro de triagem, de onde os moradores seriam encaminhados para albergues. No entanto, Deise, uma das moradoras, denunciou a ameaça da FAS de separar homens, mulheres e crianças em direção a diferentes lugares. Deise possui um filho de dois meses, uma das duas crianças nascidas “na calçada”. “Estão fazendo pressão psicológica”, denunciava. A FAS nega a informação. No entanto, fato é que, após seis horas da ação de despejo a Prefeitura ainda não havia esclarecido os moradores sobre o seu local de destino. Moradores prometiam seguir se organizando, noutro local.
Muitos estavam sem perspectiva. A diarista Andrea comenta que, forçada pelo preço do aluguel, participou da primeira ocupação. Após o primeiro despejo, não teve como retornar para casa e decidiu ficar na ocupação. Não sabia dizer exatamente para onde ia. “Dizem que vão mandar a gente para um albergue”. Já Yolanda, que acompanhava o despejo de longe, ao lado de outros moradores do bairro, mostrava-se indignada. “Acho uma injustiça o que está acontecendo com estas famílias”, comenta.

Falta de liberdade de imprensa
A imprensa foi proibida de acompanhar o desmonte das casas e a retirada das pessoas. Questionado pela reportagem do Brasil de Fato, o Major Sergio Cordeiro de Souza, responsável pelo operativo, afirmou que “Se a imprensa entrar para fazer a filmagem, o pessoal vai fazer manifestação e vai atrapalhar o nosso serviço. Se você for lá filmar o pessoal, eles vão começar a acirrar os ânimos, vão começar a crescer aqui na área, e eu não quero nenhum incidente”, disse.
Os moradores afirmam que possuíam quarenta e cinco dias para deixar o local após sinalização da Justiça, prazo que ainda não havia vencido. Ademais, por meio de associação de moradores, estavam reunidos com o poder público, e não tiveram informação sobre a ação de despejo.
Ao lado das ações de reintegração de posse, desde o início de 2009, o prefeito Beto Richa (PSDB) tem comandado medidas avessas ao movimento popular, como o aumento da passagem de ônibus para R$ 2,20, logo após a sua posse.
Cerco contra Beto Richa
A operação de despejo ocorre na semana quando o prefeito Beto Richa (PSDB) é acusado de comprar 31 candidatos a vereador pelo PRTB, que teriam retirado a candidatura em nome de apoio ao PSDB nas eleições de 2008 – eleição na qual Richa foi eleito com 77 por cento dos votos. O fato foi divulgado na mídia corporativa nacional. PT e PMDB entraram com requerimento para instalação de CPI.
Ainda neste semestre, outro fator de instabilidade para a prefeitura: o aterro sanitário da Caximba – que recebe o lixo de 17 cidades do Estado – chega ao fim da sua vida útil. Os moradores do bairro da Caximba são contrários a uma nova ampliação. A escolha do novo local é marcada por resistência de várias comunidades, disputas entre as secretarias Estadual e Municipal de Meio-Ambiente, em uma briga que envolve o interesse de empresas como o Grupo Camargo Correa – atual gestor e responsável pela coleta de lixo em Curitiba.
Manifesto dos Moradores – dia 20 de junho
"No dia 23 de outubro de 2008, cerca de 1200 policiais militares, em cumprimento a uma ordem judicial injusta e arbitrária, despejaram cerca de duas mil famílias que desde setembro ocupavam uma enorme área praticamente abandonada na Cidade Industrial de Curitiba. O tamanho da ocupação, a resistência dos moradores e a violência da ação policial fizeram com que o despejo fosse destaque em toda a imprensa nacional, aí incluídos jornais, portais de internet e emissoras de rádio e televisão.
No dia seguinte, cerca de 150 famílias mantiveram-se no local, ocupando a calçada na R. Teodoro Locker, em frente à área de onde foram despejados. Duas semanas depois, o ocupante Celso Sama Eidt - que agora dá nome à comunidade - foi covardemente executado com 15 tiros, por três homens encapuzados, com armas dotadas de silenciador. O crime permanece não esclarecido.
Durante todo esse período, temos sido vítimas não só da violência física e do descaso das autoridades, mas também de toda forma de mentiras e calúnias. Na verdade, os ocupantes da calçada são famílias de trabalhadores, homens, mulheres e crianças que lutam pelo seu direito - garantido pela Constituição Federal - à moradia e à vida digna, em favor da propriedade que cumpre sua função social - o que também é assegurado pela Constituição. Agora, a Justiça diz que temos até o dia 20 de julho para sair da calçada, sob pena de sermos novamente despejados. Mas, nesse caso, para onde iremos, se já estamos na calçada?
O fato é que o poder público municipal e o estadual, em todos esses meses, nada fizeram para resolver esse grave problema social. Diante disso, só resta às famílias dos ocupantes organizar-se e resistir em nome de seus direitos. Gostaríamos, por fim, de convidar toda a população de Curitiba a visitar a Comunidade Sama Eidt e conferir como temos lutado para, mesmo nesta situação tão difícil, manter um espaço de convívio familiar e vida comunitária.
Nossa luta é justa, nossa resistência é pacífica!
Problema social não se resolve com polícia!
Somos trabalhadores, temos direito à moradia e à vida digna!"
Associação de Moradores da Comunidade Sama Eidt

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