quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Falar suavemente acompanhado de um porrete: De 'Teddy' Roosevelt a Obama

Por: Jorge Altamira
A revelação de que a Colômbia havia posto à disposição do Pentágono sete bases militares em seu território deu como que uma guinada violenta na crise internacional desatada pelo golpe em Honduras. Agora, a negociação para repor Zelaya na presidência desse país abarca um temário mais amplo. Na primeira fase, quando se estabeleceu a mediação do presidente da Costa Rica, Oscar Arias, o retorno de Zelaya ficou condicionado à aceitação da retirada de sua proposta de convocação de uma Constituinte, da formação de um gabinete de coalizão com os golpistas e até do adiamento das eleições convocadas para novembro. Curiosamente, Zelaya aceitou esta extorsão, pela qual se deve supor que o fez com o apoio dos governos da Alba, que Honduras integra por decisão do mesmo Zelaya.

Também curiosamente os golpistas rechaçaram a proposta, o que, se supõe, fizeram porque contavam com respaldo norteamericano, apesar de Obama exigir publicamente que se restabeleça a presidência de Zelaya. Como se vê, a verdade não se encontra atrás das palavras. Na trajetória deste assunto, o Congresso e a Corte de Honduras ratificaram logo a destituição de Zelaya, ou seja, torpedearam pela segunda vez os 'bons trabalhos' costarriquenhos. Tudo transparente como a água: a mediação de Arias serviu para ganhar tempo e para algo mais: para que o arco internacional do golpismo obtivesse a possibilidade de tomar a iniciativa.
É o que acaba de ocorrer com uma série de medidas que a Colômbia adotou: a denúncia de que as FARC financiaram a campanha eleitoral de Correa, no Equador; a denúncia de que Chávez entregou às FARC foguetes terra-ar comprados da Suécia para as forças armadas da Venezuela; a autorização para que os militares estadunidenses utilizem bases na Colômbia; finalmente, um giro de Uribe - que aponta fundamentalmente para o Brasil -, para deixar claro que a estabilidade regional depende de uma neutralização política da Venezuela de Chávez, muito antes que de uma solução ao golpe em Honduras. O colombiano Uribe, vinculado com o paramilitarismo e o narcotráfico, acusou a Venezuela, com o seu hábito de não pestanejar, de ser o corredor da droga para o Caribe.

Com a responsabilidade que têm os Estados Unidos na transformação do México em um Estado narcotraficante, a invenção de Uribe transforma=se em uma provocação - em especial quando o governo de Obama se declara satisfeito pelos resultados da colaboração com Cuba para a luta contra o narcotráfico. Em definitivo, quando a poeira baixar, a questão da reposição de Zelaya já estará 'prescrita'.
Evo Morales acredita que a coisa ainda vai mais longe: segundo a sua apreciação, uma vitória provável da direita nas eleições do Chile e do Uruguai 'aproximaria' os países bolivarianos. Talvez isso nem faça falta, já que as 'esquerdas' que se apresentam nestes países são tão fiéis à independência nacional como os gatos. O presidente da Bolívia, entretanto, se esqueceu de mencionar a crise política na Argentina e a passividade diante do golpe em Honduras manifestada pelo novo governo da FMLN em El Salvador. Enquanto isso, em Honduras, reapareceram os 'grupos-tarefas' com o assassinato de vários ativistas docentes e um camponês.
Onde foi parar, então, o alegado 'triunfo' do anti-imperialismo, como progressistas e bolivarianos disseram da resolução que pôs fim à exclusão de Cuba da OEA? Se a OEA não funciona como Ministério das Colônias dos ianques, ela simplesmente se enfraquece. Foi o que ocorreu, precisamente, há quase cinquenta anos, quando todos os governos que votaram contra a exclusão de Cuba foram atingidos por golpes militares, com a exceção do México. Inclusive depois da festejada resolução de dois meses atrás, Cuba segue excluída, pois somente pode reingressar a seu pedido, se for autorizada a isso ao cabo de uma negociação.
O jogo político desatado pela crise hondurenha se volta agora para o papel do Brasil, cujo projeto de aliança político-militar na América do Sul, a Unasul, foi desafiado pelo acesso do Pentágono às bases militares colombianas e pelo reforço político de sua grande base militar em Honduras, como consequência da vitória dos golpistas. O embaixador brasileiro questionou a instalação norteamericana na Colômbia como se ignorasse que isso já vinha ocorrendo em função do Plano Colômbia, cujo pretexto é combater a "narcoguerrilha" e o narcotráfico.
Alguns analistas sustentam que a ampliação da presença militar ianque na Colômbia atentaria contra a segurança da Amazônia. Neste caso, seria um excelente pretexto para reforçar a militarização que já se encontra em curso no Brasil. Mais adiante, talvez com outro governo, tudo poderia terminar com uma aliança militar entre Estados Unidos e Brasil.
Mas chama a atenção que o embaixador brasileiro associasse o tema das novas bases militares com a negociação comercial de Doha (onde o Brasil briga por um forte rebaixamento das tarifas que prejudicam as suas exportações) e com os altos impostos que exigem os Estados Unidos para vender o etanol nesse país - o "biocombustível" que deriva da cana de açúcar. Com isso temos outra peça mais na jogada e na negociação desatada pelo golpe em Honduras. Os fatores de choque poderiam ser estendidos ainda mais; a oposição patronal que ganhou as eleições na Argentina, em fins de junho passado, não esconde que a sua principal reivindicação de política exterior é a ruptura política com o chavismo. Para agregar às curiosidades: a Bush lhe "molharam a orelha" em 2005, em Buenos Aires, mas a vingança quem executa é Obama.
O último personagem a ingressar na cena é o governo do rei da Espanha, que pressionou a União Europeia para que não reconhecesse aos golpistas hondurenhos. Logo da nacionalização, ainda que a preço de ouro, do Banco Santander por parte de Chávez, isto deveria surpreender, assim como que isto ocorra depois da expropriação de um par de propriedades rurais de espanhóis. Mas estes acontecimentos recentes são já história velha, porque Rodríguez Zapatero acaba de obter suculentos contratos de obras públicas da parte de Chávez (bilhões de dólares para ferrovias e hidroeletricidade) e um par de acordos petroleiros para a Repsol na zona do Orinoco e para refinar o petróleo cru venezuelano em uma filial que o "polvo" tem no Equador. São negócios que um governo esquálido [burguês], na Venezuela, seguramente já teria reservado para os polvos norteamericanos. Do mesmo modo, a Repsol disse que o seu principal campo de investimentos na América Latina estará no Brasil. Do que se conclui que assistimos, em toda esta crise, a toda uma boa jogada interimperialista - ou seja, que a fatura será paga pelas massas. A 'resistência nac & pop' das pseudo burguesias nacionais derrete-se como neve na primavera; suas principais preocupações políticas são sobreviver às crises políticas em suas próprias casas.
Esta dilatação continental e internacional da fagulha hondurenha é uma consequência da bancarrota capitalista mundial; assistimos a um estreitamento das margens de negociação e a uma acentuação das crise políticas. Por isso, a luta contra o golpe hondurenho e contra as provocações do imperialismo exige uma reivindicação de conjunto. É esta a oportunidade para uma conferência latinoamericana de organizações combativas, independentes das burguesias nacionais e de seus governos, para desenvolver um plano de ação em escala continental.

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