domingo, 23 de agosto de 2009

"A história se repete no Afeganistão" - Entrevista ao jornalista Robert Fisk



María Esperanza Sánchez, da BBC

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, fez do Afeganistão a sua maior prioridade na luta contra o terrorismo.
A nova estratégia dos Estados Unidos demanda aumentar o número de tropas e também colocar maior ênfase na reconstrução do país e no fortalecimento das instituições.
Entretanto, isto ocorre em um momento em que as forças do Talibã continuam ganhando terreno. Espera-se que este ano seja o mais violento e com o maior número de vítimas desde 2001. Neste contexto, quão efetiva será a estratégia dos EUA? Até que ponto ela oferece respostas aos afegãos?
BBC Mundo conversou sobre este tema com Robert Fisk, jornalista britânico veterano, autor de vários livros e correspondente do jornal The Independent no Oriente Médio.
Nos últimos anos, o Talibã experimentou um ressurgimento e hoje em dia tem o controle em várias regiões do Afeganistão. Como se explica que esteja ganhando tanto apoio?
Não é que esteja ganhando apoio. Deve-se tomar em conta que uma vez que uma força de ocupação passa certo período em um país há uma reação contra ela.
Recordo que em 2002 visitei alguns povoados no entorno de Kandahar e as pessoas nos diziam que estavam perdendo a paciência. "Vocês do Ocidente têm prometido muitas coisas que não têm cumprido", me diziam.
Então, não é simplesmente que o Talibã tenha começado, de uma hora para a outra, a ser uma força popular ou que o adorem. O fato é que eles começaram a representar a oposição à ocupação, ainda quando as suas políticas sociais, se é que se pode chamar assim, são horríveis.
Inclusive, quando as mulheres eram tratadas como objeto sob o governo do Talibã, este conseguiu impor uma ordem no Afeganistão.
Eu estive em Kandahar novamente no período do natal e nos hospitais chegavam muitas crianças famélicas porque não havia alimentos nos povoados e o hospital tinha uma incubadora para três prematuros.
Isto com sete anos após a ofensiva estadunidense no Afeganistão. Que tipo de progresso estamos levando ao Afeganistão? Estas são as necessidades cruciais às quais há que se responder caso se queira enfrentar ao Talibã.
Os Estados Unidos e a OTAN têm feito do Afeganistão a prioridade número um na luta contra o terrorismo e para isso, neste verão, mais de 90.000 soldados se somarão às operações no país. Você crê que esta estratégia funcionará?
Não. É uma loucura. Não entendo por que Obama fez do Afeganistão um tema tão crucial do ponto de vista militar.
A realidade é que o exército soviético, quando invadiu o país no final dos anos 70, tinha o dobro de soldados e não pôde com o Afeganistão. Tiveram que retirar-se. Como diabos os estadunidenses vão se virar com a metade de tropas? Terão que se retirar também.
Este é o cemitério dos impérios e será o cemitério das tropas estadunidenses se Obama não se der conta de que o que há a fazer é sair do Afeganistão.
É interessante que você diga isso porque acabo de ler um artigo de um jornalista e acadêmico da Fundação Nova América que sustenta que esta ideia de que o Afeganistão é o cemitério dos impérios não é mais do que um clichê.
Gostaria que fosse um clichê, mas lamentavelmente o exército britânico sofreu uma devastadora derrota no Afeganistão em 1882, os russos também foram derrotados nos anos 80 e este tem sido o cemitério de muitas potências desde os tempos de Alexandre Magno.
Desafortunadamente essa é a verdade e não podemos dizer simplesmente "isso é história; estamos agora em uma nova era". Se isso não for compreendido, essa história será repetida, e a história está se repetindo no Afeganistão.
É interessante que muitos soldados britânicos estão morrendo a apenas algumas milhas de onde se produziu, no século XIX, uma derrota britânica em uma batalha chamada Maywand. Até nisto a história está se repetindo no Afeganistão.
Mas há quem considera que alguns dos elementos desta nova estratégia foram aplicados no Iraque com êxito. O que você diria a este respeito?
O Iraque é um caso bem louco, do ponto de vista social e econômico. Nada tem funcionado para os iraquianos. Saíram de Saddam Hussein, mas não havia tantos mortos sob aquele governo.
O problema é: estamos no Afeganistão por razões morais? Para educar o povo? Estamos aí para trazer igualdade de gênero? Isso não acontecerá.
Uma das questões que me coloco constantemente, especialmente quando estou em qualquer lugar dos Estados Unidos, é esta ideia de que podemos andar pelo mundo injetando os nossos modelitos de democracia nos lugares afastados onde não existe esta tradição.
Quando eu converso com um homem do interior do Afeganistão, não das cidades, convencê-lo da importância da igualdade de gênero é como convencer Henrique VIII (monarca britânico que governou de 1509 a 1547) das vantagens da democracia parlamentar. Não se consegue.
Qualquer desenvolvimento que se produza no Afeganistão vai acontecer sem a intervenção estrangeira.
Em um discurso recente, o embaixador britânico David Milliband defendeu a necessidade de negociar com os elementos moderados do Talibã como um componente chave desta nova estratégia, e isso foi algo que também se fez no Iraque. Será viável no Afeganistão?
Por anos esta tem sido uma política britânica no Afeganistão, ainda quando não é feita publicamente. Mas o problema é que no Afeganistão não se trata de ter moderados e militantes de linha dura dentro da insurgência. A sociedade afegã é uma sociedade tribal.
Então, se paga aos Senhores da Guerra, como de fato se fez no Iraque, e dessa forma é que se poderia sair do Afeganistão: pagando a alguns inimigos para que recrutem outros inimigos e, assim, comprar influência.
Mas o fato é que isso foi feito no Afeganistão após a ofensiva estadunidense de 2001. Pagou-se a Senhores da Guerra para que estabelecessem espécies de quartéis tribais.
Muitos destes Senhores da Guerra estão agora no governo de (Hamid) Karzai, outra farsa democrática, e assim se seguirá fazendo. Ou seja, não há nada de novo no que Miliband diz.
Obama disse que quer uma estratégia de saída do Afeganistão, mas para ele isso significa sair com êxito. Pode-se prever algum nível de êxito ou será que o Afeganistão é o Vietnã de Obama?
Não é o caso de dizer que este será o Vietnã de Obama. Este sim é um clichê, mas trazer democracia e igualdade de gênero ao Afeganistão é um objetivo inalcançável.
Se há uma coisa que os afegãos querem é justiça. Mas nós não queremos lidar com o tema da justiça, queremos bombardear, ocupar, e decidir como os outros devem viver suas vidas.
Obama quer êxito para os Estados Unidos, não necessariamente para o Afeganistão - e isso não é necessariamente o mesmo.
Há várias coisas que ele pode dizer para medir este êxito, como terem conseguido tais objetivos militares, terem eliminado tantos militantes do Talibã, terem levado certo grau de democracia a alguns povos,... mas, o problema, é que vivemos com a ilusão de que estamos aí por boas razões e necessitamos uma outra ilusão para por fim a esta.
(tradução de Rodrigo Oliveira Fonseca)

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