quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Na Venezuela, vitória de Chávez. Talvez do socialismo


Analistas reconhecem avanços do governo, mas alertam para excesso de personalismo e centralismo estatal

por Renato Godoy de Toledo da Redação do jornal Brasil de Fato

O presidente Hugo Chávez e o seu Partido Socialista Unificado da
Venezuela (PSUV) obtiveram um importante êxito político-eleitoral no
dia 15, com a aprovação de emendas constitucionais, por meio de
consulta popular, que permitem a reeleição ilimitada para todos os
cargos públicos.

O “Sim” às mudanças constitucionais obteve 55% dos votos, contra
45% do “Não”. Mas para além da questão eleitoral, Chávez ainda
obteve outras importantes vitórias. Diferentemente de outros
processos, a oposição participou ativamente, colocou peso na
campanha pelo “Não” e saiu derrotada. O referendo contou com uma
adesão alta: cerca de 70% dos eleitores habilitados compareceram às
urnas na Venezuela, onde o voto é facultativo. Em 2007, apenas 55%
votaram.
Encerrado o referendo do dia 15, o presidente ostenta um retrospecto
eleitoral virtuoso: em 10 anos de governo, obteve 14 vitórias em 15
processos.
A única derrota, no momento mais delicado de seus mandatos,
ocorreu em 2007, quando a reforma constitucional de caráter
socialista não foi aprovada. À época, a principal tese para explicar a
derrota do mandatário – que ocorreu quando este gozava de ampla
aprovação popular – era o fato de a campanha pela reforma estar
muito focada num dos itens da nova Constituição: a reeleição
ilimitada, justamente.
Portanto, pode se dizer que Chávez conseguiu reverter em grande
parte o revés de 2007 e já se postula como candidato ao terceiro
mandato consecutivo. “Este soldado já é pré-candidato à Presidência
da República para 2012. Quero ratificar meu compromisso com o
socialismo venezuelano e quero convidá-los a redobrar a marcha na
construção do verdadeiro socialismo", discursou o mandatário, no
Palácio Miraflores, após a confirmação da vitória do “Sim”.

Qual socialismo?

Com o logro do líder venezuelano, passa a ser discutida a noção de
socialismo que este vem defendendo, juntamente aos seus colegas
Evo Morales, da Bolívia, e Rafael Correa, do Equador. Para o
sociólogo venezuelano Edgardo Lander, da Universidade Central da
Venezuela, tal debate ainda é muito raso e restrito à retórica.
”O acúmulo teórico sobre o socialismo que se pretende para a
Venezuela ainda é muito incipiente, preliminar. Se fala muito em
socialismo do século 21, mas não há uma discussão política e
sociológica sobre o que é isso”, contesta.
Apesar de crítico, Lander não deixa de ressaltar importantes medidas
do governo, que corroboram a construção de mecanismos de
radicalização da democracia. Enfim, o sociólogo acredita que a
revolução bolivariana, para usar um termo “oficial”, está repleta de
contradições.
“Há sinais muito contraditórios. De um lado, há a construção de
importantes mecanismos de participação popular. Mas há uma
centralização estatista e personalista que opera numa lógica
contraditória de um processo de democratização. Se fala no
socialismo do século 21, mas há um modelo crescentemente estatista
onde a autonomia das mobilizações está vinculada ao poder político”,
analisa Lander, que diz não saber se o resultado do referendo teria
representado um avanço rumo ao socialismo. “Não sei se é uma
vitória do socialismo, mas, certamente, é uma vitória de Chávez”,
conclui.

Personalismo

O jornalista uruguaio Raúl Zibechi, editor do jornal Brecha e
especialista em América Latina, acredita que o referendo não pode
ser considerado um passo ao socialismo, já que as vias para este não
são pavimentadas por agentes estatais. “Não creio que socialismo
tenha relação com isso [a vitória do “Sim”]. O socialismo é composto
por relações sociais baseadas na solidariedade, na ajuda mútua, na
reciprocidade e na propriedade coletiva dos meios de produção. E
isso não é feito pelos Estados, nem pelos governos, nem pelos
caudilhos, mas sim pelos setores populares organizados em
movimentos sociais, de baixo para cima”, define.
Tal como Lander, Zibechi ressalta a complexidade da disputa política
na Venezuela. “É provável que a continuidade de Chávez gere
melhores condições para lutar por um mundo socialista. Mas, por
outro lado, a perpetuação de Chávez no governo pode fortalecer a
ampla burocracia já existente”, acredita.
Mas a responsabilidade do caráter personalista do processo
venezuelano, para Zibechi, não pode ser toda creditada ao
presidente. “O caráter pessoal do processo não depende apenas de
Chávez, mas também muito da população que prefere um caudilho
como referência a tomar em suas mãos seu destino. Nesse ponto,
não podemos atribuir toda a responsabilidade a Chávez, mas analisar
o comportamento da população. Isso que a direita chama de
‘chavismo’ é também uma construção político-ideológica de baixo
para cima”, analisa. (Leia mais na edição 312 do Brasil de Fato).

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