quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

O leopardismo imperial: "Se queremos que tudo fique como está, é preciso que tudo mude."

Por Atilio Borón

Finalmente chegou o grande dia. Toda a imprensa mundial fala exclusivamente da nova era aberta pelo acesso de Barack Obama à Casa Branca. Isto confirma os prognósticos pessimistas acerca do papel retrógrado que os meios de comunicação do establishment cumprem ao aprofundar, com as ilusões e enganos da sua propaganda, a conversão à "sociedade do espectáculo", uma involução social onde o nível intelectual de grandes segmentos da população é rebaixado sistematicamente através da sua cuidadosa deseducação e desinformação. A rebaixante "Obamamania" é um magnífico exemplo disso.

Obama chegou à presidência dizendo que representava a mudança. Mas os indícios que surgem da conformação da sua equipa e das suas diversas declarações revelam que se há algo pelo que a sua administração primará é pela continuidade e não pelas mudanças. Haverá algumas, sem dúvida, mas serão marginais, em alguns casos cosméticas e nunca de fundo. O problema é que a sociedade norte-americana, especialmente no contexto da formidável crise económica com que se debate, precisa mudanças de fundo, e estas requerem algo mais que simpatia e eloquência no discurso. É preciso lutar contra adversários ricos e poderosos, mas nada indica que Obama esteja sequer remotamente disposto a considerar tal eventualidade. Vejamos alguns exemplos:

Mudança? Designando como chefe do seu Conselho de Assessores Económicos Lawrence Summers, antigo secretário do Tesouro de Bill Clinton e artífice da inaudita desregulamentação financeira dos anos noventa, provocadora da actual crise? Mudança? Ratificando como secretário da Defesa Robert Gates, designado por George W. Bush para conduzir a "guerra contra o terrorismo" por agora encenada no Iraque e Afeganistão? Mudança? Com personagens como o próprio Gates, ou Hillary Clinton, que apoiam sem restrições a reactivação da quarta frota destinada a dissuadir os povos latino-americanos e caribenhos de antagonizar os interesses e os desejos do império? Na sua audição perante o Senado, Clinton disse que a nova administração Obama deveria ter uma "agenda positiva" para a região, para neutralizar "o medo espalhado por Chávez e Evo Morales". Seguramente referir-se-ia ao medo de superar o analfabetismo ou terminar com a ausência total de cuidados médicos, ou ao medo que geram as constantes consultas eleitorais de governos como o da Venezuela ou da Bolívia, muito mais democráticos que o dos Estados Unidos, onde ainda existe uma instituição tão opaca como o colégio eleitoral que permitiu, como ocorreu em 2000, que George W. Bush derrotasse nesse âmbito antidemocrático o candidato que havia obtido a maioria do voto popular, Al Gore? Poderá esta secretária do Estado representar alguma mudança?

Mudança? Quando o líder político ficou fechado num estrondoso mutismo perante o brutal genocídio perpetrado em Gaza?

Que autoridade moral tem para mudar algo quem actuou desse modo? Como se pode supor que representa a mudança uma pessoa que diz à cadeia televisiva Univisión que "Chavéz foi uma força que impediu o progresso da região, (…) que a Venezuela está a exportar actividades terroristas e a dar abrigo a entidades como as FARC"? Tal despropósito e semelhantes mentiras não podem alimentar a mais pequena esperança e são confirmadas pela nomeação como um dos principais conselheiros sobre a América Latina do advogado Greg Craig, antigo assessor da inefável Madeleine Albright, ex-secretária de Estado de Bill Clinton, a mesma que dissera que as sanções contra o Iraque após a primeira Guerra do Golfo (que custaram entre meios milhão e um milhão e meio de vidas, predominantemente de crianças) "tinham valido a pena". Craig, como advogado, representa ainda Gonzalo Sánchez de Lozada, cuja extradição para a Bolívia foi solicitada pelo governo de Evo Morales para ser julgado pela repressão selvagem das grandes insurreições populares de 2003 que deixaram um saldo de 65 mortos e centenas de feridos. As suas credenciais são, pelo que vemos, perfeitas para produzir a tão desejada mudança.

Na mesma entrevista, Obama manifestou-se disposto a "suavizar as restrições às viagens e às remessas para Cuba", mas esclareceu que não contempla pôr fim ao embargo decretado contra Cuba em 1962. Disse ainda que poderia dialogar com o presidente Raúl Castro sempre e quando "La Habana se mostrar disposta a desenvolver as liberdades pessoais na ilha". Enfim, a mesma cantilena reaccionária de sempre. Um caso de gatopardismo de estirpe pura: algo tem de mudar, neste caso a cor da pele, para que nada mude no império.

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